VOGUE (Portugal)

Janela (muito) indiscreta

Podiam ser só pequenos blocos de luz que cobrem a cidade durante a noite, mas são o caminho direto para conhecer as vidas dos que nos rodeiam – e se há quem as saiba capturar é Gail Albert Halaban.

- Por Joana Rodrigues Stumpo.

ssim que se põe o sol e a escuridão cai sobre a cidade, iluminam-se as janelas. São milhares e milhares de pontos de luz pingados pelos edifícios citadinos. De cima a baixo, estes pequenos sinais de presença multiplica­m-se. São quartos, salas e cozinhas onde a vida continua fora das ruas. E, dentro de cada um deles, há um mundo. Aliás, cada um de nós tem o nosso próprio mundo, confinado dentro de quatro paredes que dão a sensação de não existir nada para além delas. No meio da solidão da cidade, Gail Albert Halaban encontrou outras vidas não tão diferentes da sua e, graças às janelas, encurtou a distância até ao outro lado. Tudo começou há cerca de 16 anos, “quando a minha filha teve o seu primeiro aniversári­o”, conta a fotógrafa à Vogue. “Os nossos vizinhos, que nos viram do outro lado da rua, mandaram-nos balões e flores com um cartão a desejar-lhe os parabéns. Nunca os tínhamos conhecido, mas eles viram que nós estávamos a fazer uma festa e mandaram o recado.” Assim nasceu o projeto Out My Window, que tem vindo a capturar as janelas de vizinhos um pouco por todo o mundo, numa tentativa de retratar as vidas urbanas – independen­tes e desapegada­s – e de as ligar. Apesar de, para quem vê o produto final, ser uma perspetiva bastante voyeurista, o processo de Halaban acaba por requerer a participaç­ão das duas partes (que, inevitavel­mente, acabarão por se aproximar): “Antes de fotografar, deixo recados e conheço os vizinhos. Ninguém é apanhado despreveni­do e toda a gente é um participan­te ativo.” No fundo, e por mais genuínas que possam parecer, “as fotografia­s são montadas”, o cenário iluminado e, durante todo o processo, a fotógrafa fica “a falar com as pessoas.”

É apenas natural que na solidão da cidade, que parece mais vazia durante a noite, os olhos fujam para onde há luz, para onde sabemos que há vida. Para Halaban, “nada é mais cativante do que uma janela iluminada durante a noite” e dentro de cada uma podemos encontrar um mundo diferente. Quando tentamos perceber o que Halaban procura numa janela, o que a torna digna de ser capturada, confessa-nos não saber muito bem. “É uma pergunta difícil. Eu não procuro nada em específico, gosto só de descobrir as vidas que se vivem lá dentro.” Na verdade, e como qualquer um de nós cujos olhos vagueiam através das luzes da cidade, a fotógrafa diz que “nunca sei o que vou encontrar”. Mais do que um esforço para quebrar as barreiras que nos separam daqueles de quem estamos próximos, Out My Window pode mudar a forma como vivemos o desapego cosmopolit­a: “Nunca te vais sentir sozinho se estiveres sempre a olhar para os teus vizinhos. A cidade nunca vai ser solitária se aceitares esta forma de olhar.” Depois de ter passado por tantos lugares, Halaban está “mortinha para fazer isto no Japão.” Até lá, está sujeita à ajuda, e à participaç­ão, de todos os que, pelo mundo fora, capturam as janelas vizinhas e contam as suas histórias, alargando a narrativa inicial do seu projeto. No que toca a celebraçõe­s, a fotógrafa tem vindo a retratar tudo o que se possa imaginar, apesar de o fazer por acaso: “Recentemen­te fotografei uma festa em Paris, o Natal em Nova Iorque e ontem à noite a minha filha e os amigos montaram decorações para o Dia dos Namorados e capturei a cena em analógico.” E, da mesma forma que há motivos intermináv­eis que justifique­m uma comemoraçã­o, Halaban não vê ainda razões para anunciar o fim de Out My Window: “Eu não imagino que este projeto vá acabar. Cada janela tem uma história nova para contar.” ●

 ?? ?? Housekeepe­rs, Capital Federal, Buenos Aires, 2016.
Housekeepe­rs, Capital Federal, Buenos Aires, 2016.
 ?? ?? Family Dinner, Chelsea, New York, 2012.
Family Dinner, Chelsea, New York, 2012.
 ?? ?? Families Before Dinner, Upper East Side, 1438 Third Ave, New York, 2008.
Families Before Dinner, Upper East Side, 1438 Third Ave, New York, 2008.
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