O INFERNO da Solidão
Regressou o inferno das chamas. Repete-se ano após ano a violência da destruição massiva dos campos, das matas, das florestas. O Governo passa os meses de inverno anunciando medidas, informando de enormes frotas de aviões, as autarquias limpam até onde podem, os bombeiros desfazem-se em campanhas de formação, a Protecção Civil forma e informa, aumentam os milhões investidos no fogo, cresce uma euforia contida a garantir que desta vez é a sério. Depois chega o calor acima dos trinta graus. O vento com velocidade acima do trinta quilómetros/hora, a humidade desce abaixo dos trinta por centro e, pronto! O fogo instala-se e vai tudo a eito. Este ano, ano de eleições recorde-se, a tendência é encontrar incendiários. Não existe
outra explicação. Tudo tão bem preparado, tudo tão bem planeado (que até o SIRESP funciona!), tudo tão bem pensado e, vai-se a ver, chega o fogo, criminoso ou não, e são milhares de hectares devastados, casas destruídas, rebanhos devastados. Logo, foram incendiários, gente alucinada fascinada pelas chamas assassinas. Ouvir os comentários de comandantes e peritos é uma delícia. Sabem tudo sobre incêndios e é um encantamento ouvi-los falar sobre os ardis e manhas do flagelo. Sabem tudo, mas não conseguem apagá-los antes que deixem uma marca enorme de escuridão e morte em milhares de hectares de área ardida.
Faltam homens nesta história. Sobram campos desertificados. Faltam pastores, almocreves, hortelãos. Faltam crianças nas escolas porque não existem pais. Não existem mães. Apenas velhotes, carcomidos pela idade, perdidos no meio de aldeias perdidas no inferno da solidão. Sobram campos sem gente. Sem os primeiros polícias do fogo. Sem os primeiros socorros porque todos os incêndios nascem no mesmo metro quadrado. Faltam camponeses, ganhões, ferreiros, carpinteiros. Faltam fábricas e operários. Faltam padres que ponham o sino da igreja a tocar a rebate e gente a correr a matar os incêndios até que cheguem os bombeiros. Podem gastar todos os milhões que entenderem, aumentar o exército de bombeiros, multiplicar fardas e tecnologias, aumentar os discursos encomiásticos que se vangloriam de não haver mortos. Como se os campos destroçados pela ira das chamas não ficassem mortos. Podem inventar o que quiserem. Sem homens nos campos tudo será em vão.