“NÃO ME PONHA AOLADO DELE, POR A MORDE DEUS !”
Militantes laranja fugiram à passagem do boneco do primeiro-ministro por Aveiro. Passeámos com ele pela avenida e não faltaram queixas de oficiais de justiça, reformados, estudantes e do presidente da câmara, Ribau Esteves.
Assim que avista António Costa de papelão, uma marinheira da ria de Aveiro faz o mea culpa. “Pensei: ficou tão chateado comigo que até se demitiu”, diz à SÁBADO Joana Salomé, sem conter o riso. É que na véspera de o primeiro-ministro ter saído do Governo (7 de novembro de 2023) passeou pela cidade à civil, na companhia da mulher, e Joana insultou-o quando o viu junto ao cais: “Filho da puta, vai trabalhar!” Costa não reagiu.
Passados quatro meses, na terça-feira, dia 5, durante a reta final da campanha de Luís Montenegro (da AD) pela cidade dos canais, Joana recorda o episódio, equilibrando-se no mercantel – a embarcação típica com 18 metros de comprimento e cinco de largura que transporta turistas até às salinas e bairros piscatórios. Sendo millennial (tem 34 anos), gosta que o trabalho seja reconhecido e diz o que pensa, como muitos da sua geração. E não ficou nada contente com o que viu nos últimos anos de governação socialista, sobretudo as obras de 2019 a 2023 em frente aos três moliceiros que gere e que lhe dificultaram a vida. “Tínhamos um espaço verde e transformaram isto num centro de betão com esta estrada. A obra deu que falar. Muitas vezes interrompi o que fazia para acudir pessoas. Não viam esses triângulos de cimento, tropeçavam e magoavam-se. Houve cabeças rachadas...”
A questão é que a autarquia com 82 mil residentes é laranja, presidida há uma década pelo social-democrata Ribau Esteves. Segundo
Joana, o autarca e António Costa são amigos, apesar das cores partidárias diferentes. Mas a versão do próprio Ribau Esteves diverge ao ver o boneco pela principal artéria da cidade, na Avenida Doutor Lourenço Peixinho: “Diria ao dr. António Costa que esta eleição antecipada foi provocada por ele. Demitiu-se no sopro de uma investigação criminal, por um parágrafo escrito. Esse foi o pretexto, porque ele já não tinha capacidade política – e eventualmente paciência – para gerir o lixo político que deixou acumular debaixo dos seus pés.”
A comitiva passa, ouvem-se cornetas pela avenida e ninguém fica indiferente a Costa, o boneco que a SÁBADO levou à campanha. Militantes do PSD abrem clareiras à sua passagem, um deles, munido de bandeira, diz mesmo: “Não me ponha ao lado dele, por amor de Deus! Ele é um inimigo de Portugal, estamos a caminho da fossa. Não quero falar para ele, se o visse mudava de passeio.”
JOANA SALOMÉ INSULTOU ANTÓNIO COSTA (REAL) QUANDO O VIU PASSEAR POR AVEIRO, NA VÉSPERA DA SUA DEMISSÃO
Mais moderado na abordagem anti-Costa, Antero Marques, 81 anos, reformado, mostra orgulhosamente o seu cartão de militante laranja (nº 153.012), embora não se recorde do valor das quotas – há algum tempo que não as paga. Posa ao lado do antigo dirigente socialista e atira: “Não soube rodear-se de gente competente. Foi o pior pecado dele, essas pessoas é que o derrubaram. Prometeu mundos e fundos e não fez nada.”
A campanha do PSD pela cidade serve de pretexto para alguns saírem à rua e protestarem. Caso dos oficiais de justiça do Tribunal do Trabalho, cujas instalações ficam na mesma avenida. Descem as escadas com camisolas pretas a dizerem:
“Justiça para quem nela trabalha.” André Ferreira, 40 anos, um dos protestantes, repete o discurso a António Costa que fez a Luís Montenegro, quando momentos antes passou por ali. “Se o dr. Montenegro quer ir para o poder, tem de saber a realidade das coisas. O dr. Costa sabe a realidade das coisas, teve ministras da Justiça completamente incompetentes.” E continua a desfilar o novelo das injustiças: os salários são baixos (€950 líquidos/mês), o trabalho não para de aumentar e as condições pioram. “Há cada vez mais atestados médicos de bournout, de pessoas a irem para casa porque não aguentam a pressão.”
Com nove anos de experiência, o oficial de justiça não vê margem de progressão, queixa-se de que a carreira é “descredibilizada” e que, por isso, os colegas desistem da área. “Já saltaram para as Forças Armadas, para a Judiciária, para a PSP, para a ASAE.” A falta de condições contribui para a desmotivação, sendo “deploráveis”. Ali, no tribunal que recebe vítimas de acidentes de trabalho não há sequer uma rampa ou espaço no elevador para quem tem mobilidade reduzida e anda de cadeira de rodas. Falta ar condicionado e um espaço para refeições. O micro-ondas se existe é por boa vontade dos trabalhadores. Tudo isto ouviu a réplica de cartão de António Costa. A falar para o boneco, ou talvez não, André Ferreira vai atraindo com o seu discurso os gravadores e microfones de jornalistas que acompanham a arruada.
E são os mais novos os maiores faladores. Militantes da Juventude Popular (CDS) vão acenando bandeiras e olhando, incrédulos, para Costa. “O que está ali a fazer?”, perguntam vezes sem conta. Três deles largam a comitiva, detêm-se na figura em tamanho real (não terá mais do que 1,64) e enumeram uma série de problemas que lhes tocam diretamente. Tomás Petiz, de 24 anos, natural de Espinho, avalia com duas palavras a governação de oito anos: “Miserável, caótica.” E prossegue: “Entre 2019 e 2022, emigraram 25 amigos meus para a Holanda, Reino Unido e França. Muitos deles são músicos, têm condições que nunca na vida vão conseguir em Portugal. É um reflexo da valorização que a cultura tem noutros países.” Tomás é formado em Música e está a tirar Direito na Universidade de Coimbra. Ricardo Martins, 22 anos, outro militante a seu lado, também estuda Direito, mas no Porto e gostava, se possível, de não emigrar. Assim como Carlota Braga, 22 anos, militante do mesmo partido há dois, que lamenta as rendas “absurdas” que a impedem de ir para Lisboa. Formada em Línguas, tenciona seguir a área de investigação e edição de livros. Puxa a orelha do boneco “para ver se acorda para a realidade”. Ricardo dá-lhe um murro no estômago e Tomás agarra-lhe o pescoço, aludindo à situação dos jovens “com a corda na garganta”. ●
“JUSTIÇA PARA QUEM NELA TRABALHA”, PEDE O OFICIAL DE JUSTIÇA ANDRÉ FERREIRA QUANDO O VÊ