OSCINCO GRANDES EORESTO
Os distritos (mesmo) decisivos, os concelhos que mais pesam, o fator-surpresa, o que não volta a acontecer como em 2022 e o que os partidos esperam: os sinais a que dar atenção na noite de 10.
ONDE ESTÃO OS VOTOS QUE DECIDEM
É uma ladainha que as máquinas partidárias sabem de cor: Lisboa (elege 48 deputados), Porto (40), Setúbal (19), Braga (19) e Aveiro (16) são os eternos pesos pesados eleitorais. Os círculos de segunda linha só elegem 9 (Coimbra, Faro e Santarém) ou 8 (Viseu). Fazendo as contas, os “grandes”, elegem 142 deputados em 230, bem mais de metade. E Lisboa e Porto, sozinhos, elegem mais de um terço dos deputados.
E quem faz sondagens também o reconhece. João António diretor técnico do CESOP (Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica), aponta: “São os círculos mais decisivos. Se formos para outros, como Vila Real, Bragança, Castelo Branco, que elegem na ordem dos 3, 4, 5, não há margem para grandes surpresas, ou é dois/um ou um/dois para os dois maiores partidos. Isso não muda o cenário global.”
Em 2022, o PS elegeu 22 deputados em Lisboa, o PSD 13. No Porto, o resultado foi de 19 para 14. Pedro Magalhães, que coordena as sondagens ICS/ISCTE, indica: “Em geral, todos os partidos colocam enorme importância nos grandes círculos, e dentro deles nos municípios mais populosos, pela simples razão de que estes círculos elegem muita gente. Isto é especialmente verdade para os partidos mais pequenos. Aí os incentivos para investir nos círculos pequenos são muito baixos, porque o chamado ‘limiar de representatividade’ – a percentagem de voto que permite eleger um deputado – é muito alto.”
CONCELHOS PESOS PESADOS
Se dentro dos círculos grandes há os municípios grandes, quais são eles? A regra volta a ser a da matemática. Em 2022, Lisboa, o concelho, valeu 26% dos eleitores que escolheram os seus 48 lugares em São Bento. E é por aqui que os partidos pequenos costumam eleger os seus deputados únicos, quando tal acontece (Joacine Katar Moreira pelo Livre, Cotrim Figueiredo pela IL ou André Ventura pelo Chega podem agradecer à capital a eleição em 2019, e Inês Sousa Real, do PAN, em 2022).
NO INTERIOR, CONQUISTAR UM DEPUTADO É IMPORTANTE: MAS É PRECISO SOMAR VÁRIOS NO MESMO SENTIDO PARA PESAR
No top cinco de concelhos com mais eleitores, três são do círculo de Lisboa: além da capital (468.678 recenseados, dados de 2023), Sintra é segundo (324.376) e Cascais (178.510). No mesmo ranking, Vila Nova de Gaia é o terceiro (267.509) e o Porto ocupa o quarto lugar (204.835).
GRÃO A GRÃO: AS PEQUENAS SOMAS
Mesmo com menor peso, se vários círculos eleitorais pequenos ou médios “virarem” todos no mesmo sentido, acabam por ter um reflexo importante. A expectativa do PSD, segundo fonte da campanha, é que em vários distritos do Interior se somem resultados favoráveis à AD. Por exemplo, em “Bragança, Portalegre, Guarda, conquistar um deputado ao PS em cada um deles é mais um para nós e um a menos para eles, representa uma vantagem de dois deputados. E nesses três é possível.” Em Castelo Branco, estima a mesma fonte, será mais difícil. Mas volta a ser “possível” fazer essas contas para Beja ou Viana do Castelo. Se o cenário se concretizar, o somatório pode chegar a uns 12 deputados “roubados” ao PS, o que já seria significativo. Daí que a volta de Montenegro tenha tido uma “estratégia todo-o-terreno”, indica a mesma fonte.
Pedro Magalhães explica o funcionamento nesses casos: “Os partidos não se preocupam apenas com os círculos grandes. Olhando para as eleições anteriores, os partidos sabem como foram distribuídos os deputados. E há casos em que partidos que não elegeram o ‘último’ ficaram perto de o fazer. Isso significa que, nesses casos, pequenas flutuações podem mudar a distribuição de deputados, aplicando o método d’Hondt, retirando-os a uns e dando-os as outros.”
Em Évora, o PS teve dois deputados, o PSD um. Fontes dos dois partidos acreditam que o PS possa perder aqui um deputado – não para a AD, mas para o Chega. Só num cenário muito otimista (do ponto de vista da AD), perderia os dois: um para a AD (que somaria 2), outro para o Chega. Em Viseu, há um empate, a 4, entre PS e
PSD. De novo, do lado do PSD, há otimismo, mas reduzido: o PS até pode perder, mas a presença do Chega faz com que a perda possa não reverter para a AD.
OS QUE NÃO RISCAM MESMO
O FATOR-SURPRESA
E se o Chega falhar até as sondagens à boca da urna, que historicamente, têm demonstrado alguma fiabilidade (pelo menos maior do eu as sondagens)? António Salvador, da Intercampus, admite essa possibilidade. “Nas sondagens à boca das urnas usamos uma série de freguesias que mimetizam o resultado final nos últimos atos eleitorais. E isso tem corrido bem porque os resultados têm sido uniformes. Mas não sabemos se o Chega, que é um elemento novo, pelo menos nesta dimensão, terá uma distribuição proporcional pelo País, ou se tem uma concentração específica em algumas zonas. Isso é disruptivo.”
A DISTÂNCIA IRREPETÍVEL?
“O PS beneficiou em 2022 do voto útil à esquerda, com uma grande concentração de votos no PS e, ao mesmo tempo, de um fraco score do PSD”, aponta António Salvador. Foi isso que deu a António Costa a maioria absoluta com 41% dos votos, quando António Guterres, em 1999, não a obteve com 44%. O método de Hondt favorece especialmente o vencedor na distribuição de mandatos quando a distância para o segundo é maior. Agora, a haver voto útil, aponta, “seria à direita”, e nada sugere a distância de cerca de 14 pontos percentuais que separou António Costa de Rui Rio.
EXPECTATIVAS E WISHFULL THINKING
A campanha do PSD acredita que “é possível aumentar mais no Porto do que em Lisboa”. Razão: O Chega cresce menos a norte. E um elemento da campanha socialista corrobora, quase nos mesmos termos: “No Norte, até na rua se percebe que o Chega cresce menos.” Já há divergência noutro ponto: a mesma fonte socialista acredita que o partido ganha nos cinco maiores distritos, e acredita que a Sul, em alguns círculos (Beja ou Faro) será o Chega a conquistar lugares e não a AD. Dia 10 fazem-se as contas certas. ●
A FIGURA DO ANTIGO PRIMEIRO-MINISTRO CAUSA REPULSA AOS MILITANTES DO PS MAIS VELHOS
A imagem em cartão e tamanho real esteve em Coimbra para os socialistas dizerem o que lhes ia na alma. Alguns jotinhas e reformados ainda falaram, mas os assessores do partido e o filho de António Costa ficaram muito irritados.
D “evia ter vergonha na cara”, diz, com a voz embargada, Graça Rodrigues, conimbricense de 65 anos, apontando para Pedro Passos Coelho. Mas não recebeu resposta do antigo primeiro-ministro. Afinal, era uma versão de cartão do antigo líder social-democrata que a SÁBADO levou à passeata do PS em Coimbra, esta segunda-feira, dia 4.
Acompanhado por um séquito de dezenas de jotinhas da Juventude Socialista (JS) e de outros militantes mais velhos, a caravana socialista aterrou em Coimbra, no Largo da Portagem. As dezenas de apoiantes ali reunidos agitavam bandeiras socialistas e de Portugal e empunhavam cartazes com o slogan: “Portugal Inteiro”. Alguns distribuíam rosas pelos presentes, enquanto uma banda de percussão fazia os tambores ribombar, abafando o discurso pré-gravado de Pedro Nuno Santos que saía do altifalante de uma carrinha.
Tudo corria bem, com exceção de um convidado indesejado. Se à direita Passos Coelho é visto como a reencarnação do mito sebastiânico, capaz de levar o PSD a glórias antigas, à esquerda simboliza o mais dickensiano fantasma do 13º mês passado. Só a menção do seu nome inquieta pensionistas e faz borbulhar o sangue dos militantes do PS. Graça Rodrigues, tradutora de 65 anos, não consegue disfarçar a raiva, mesmo que tenha apenas como alvo uma representação em cartão. “Tenha vergonha na cara pelo que fez o povo português passar para ficar bem visto na UE. O que ele fez aos idosos como os meus pais... A mim custa-me falar disto”, referiu com uma voz embargada.
Carlos Machado, jurista de 68 anos, alinha no mesmo. Passos Coelho é, diz, um “ativo tóxico” até para a campanha da AD, já que a sua entrada em cena “fez renascer o desencanto e a animosidade de setores muito grandes da sociedade portuguesa, como os funcionários públicos e os reformados”. Desafiado pela SÁBADO para questionar o boneco de Passos Coelho, atira: “Perguntava-lhe se tem memória dos cortes que fez, das comunicações ao País que faziam tremer as pessoas porque só serviam para anunciar cortes. Isso não vou esquecer.”
Entre a entourage de notáveis que acompanhavam a caravana do PS em Coimbra estava Pedro Costa, filho do primeiro-ministro demissionário e presidente da lisboeta Junta de Freguesia de Campo de Ourique. O autarca foi avisado de que andava por ali um boneco de Passos Coelho. “Pois, já reparei que estão a fazer isso”, respondeu com um esgar. Instado a dirigir-se ao social-democrata, Pedro Costa recusou e admoestou a SÁBADO por ter levado para ali aquela figura.
A presença do boneco de Pedro Passos Coelho – que a princípio motivou curiosidade – passou rapidamente a causar desconforto
entre os socialistas. Vários responsáveis do aparelho do PS passaram a rondar a figura de cartão. Ainda antes da chegada de Pedro Nuno Santos, um assessor veio questionar. “Não vão andar com isso no meio da caravana, pois não? Os ânimos já estão exaltados, tenham lá cuidado, por favor”, explicou, recordando o episódio do dia anterior em que tinha havido confrontos entre um popular e os socialistas em Guimarães. De repente, a máquina socialista ordenou que os militantes não aceitassem o desafio da SÁBADO de se dirigirem ao boneco de Passos Coelho. “Acho que é uma boa iniciativa, mas não quero falar”, disse um militante da JS. “Não quero ficar associado a essa pessoa de forma nenhuma”, respondeu outro. “Foi alguém que não pensou nas pessoas. Só pensou nele e nos dele”, comentou ainda outro jovem, negando-se a ser fotografado ou filmado.
Manuel Pinto, de 18 anos e estudante de Ciência Política na Universidade do Minho, é militante da JS há dois anos. O líder dos jotinhas Miguel Costa Matos ainda lhe deu o ok para falar com a SÁBADO, mas Manuel foi de imediato chamado à parte por alguns elementos do aparelho socialista que o criticaram. “Desculpem, não vou poder ajudar. Fui chamado para ir fazer o cordão de segurança ao Pedro Nuno. Vai haver uma manifestação de polícias ali à frente e nós vamos estar a protegê-lo”, desculpou-se. Mas o desconforto era tal que até quem acompanhava Pedro Nuno Santos no carro que o levou de Anadia para Coimbra acabou informado sobre o boneco de Passos Coelho.
A marcação dos homens da máquina partidária tornou-se mais cerrada, tendo havido mesmo um elemento que tentou fazer pressão para que o boneco fosse afastado: “Não vai meter esse boneco ali, ouviu? Vai afastar isso daqui. Vocês vêm para aqui só para provocar a ver se acontece alguma coisa”, afirmou em tom agressivo.
A arruada seguiu em direção à Câmara Municipal, junto ao mosteiro de Santa Cruz, onde um protesto silencioso de polícias esperava pela comitiva. As poucas dezenas de polícias presentes ergueram cartões vermelhos dirigidos a Pedro Nuno Santos. Alguns metros atrás, eram os militantes socialistas que mostravam cartões vermelhos à SÁBADO. “Isto não é jornalismo, é terrorismo”, chegou a dizer um assessor. Um lojista veio pedir-nos que afastássemos o boneco da sua montra para não lhe partirem os vidros. “Pelo menos virem o boneco ao contrário”, apelou. Entretanto, alguns jornalistas vinham intrigados tentar fotografar ou filmar o boneco e interpelar que ação era aquela e o que é que se pretendia, confundindo os jornalistas com militantes de um qualquer outro partido. Terminada a arruada e com a população a desmobilizar, ainda houve a oportunidade de falar com duas pensionistas. “Ai não gosto nada dele [Pedro Passos Coelho]. Fez muito mal ao País”, desabafou. “Não quer dizer isso para a câmara?” “Não, não. Eu sou muito próxima do PS e eles não iam gostar”, justificou-se, virando costas e brandindo a bandeira com o símbolo socialista. ●
OS ASSESSORES PEDIRAM VÁRIAS VEZES À SÁBADO QUE RETIRASSE O CARTAZ DE JUNTO DA CARAVANA