SÁBADO

Rui Jordão (1952-2019)

- CARLOS TORRES

Ídolo nos estádios (campeão no Benfica e no Sporting e quase herói no Euro 84), Jordão foi depois estudar Belas-Artes e tornou-se um pintor com obra exposta

Duplo artista. Podia ser este o epitáfio de Rui Manuel Trindade Jordão, que morreu no dia 18 de outubro, com 67 anos. Primeiro passeou a sua arte pelos campos de futebol: ágil e veloz em frente à baliza, ganhou a alcunha de Gazela de Benguela. Depois, trocou a bola pelo pincel, aos 40 anos foi estudar Belas-Artes e dedicou-se à pintura. Discreto e profundo, dizem os amigos, terminada a carreira afastou-se do futebol, cansado do bruaá das multidões que vibravam com os seus golos: fosse pelo Benfica (quatro vezes campeão), Sporting (dois campeonato­s e duas Taças de Portugal), Vit. Setúbal (onde se despediu, com o amigo Manuel Fernandes) ou pela seleção portuguesa (foi dele o penálti a enganar Dassaev que valeu a vitória sobre a URSS e o apuramento para França; e foram dele os dois golos que quase deram a final do Euro 84, num sonho traído por Platini). “O futebol é um mundo demasiado objetivo, material e ruidoso. Foi por isso que desapareci do meio durante muitos anos. Só o silêncio seria capaz de permitir o reencontro com o meu outro eu. Não sei qual dos dois é mais verdadeiro, mas quando comecei a pintar descobri uma outra forma de comunicar com os outros. Talvez falte mais silêncio ao futebol”, notou Rui Jordão em 2000, quando inaugurou a sua primeira exposição de pintura, em Algés, e falou à imprensa (recusava todas as entrevista­s). António Simões lembra-se da sua chegada ao plantel principal do Benfica, em 1971, com 19 anos, após uma época nos juniores. Recorda um rapaz “educadamen­te calado” no balneário, e “com um sorriso simpático”, que dava os bons dias e pouco mais. “Teve de lutar para se impor, porque havia muita gente de peso no ataque, como Artur Jorge, Vítor Batista e Nené, além de mim e do Eusébio, que já jogávamos mais no meio-campo. Mas depois de explodir, tornou-se magnífico. A seguir a Eusébio, foi o melhor ponta de lança do futebol português.” Jordão até era para ter ido para o Sporting, vindo do Sporting de Benguela. Mas uma lesão numa coxa, quando foi participar nos campeonato­s de atletismo de Angola (foi 2º nos 80 metros), desviou o interesse dos leões. No Benfica apontavam-no como o sucessor de Eusébio, mas nem sempre se impôs e ao fim de seis épocas (e 79 golos) mudou-se para os espanhóis do Saragoça, recebendo 3.500 contos por ano (quatro vezes mais do que o Benfica lhe pagava).

PINTO DA COSTA TENTOU LEVAR JORDÃO PARA O FC PORTO EM 1984, MAS ELE PREFERIU CONTINUAR NO SPORTING

Postal para Toni

Em Espanha não foi feliz, sobretudo devido “às dificuldad­es criadas pelas intrigas e invejas de um paraguaio chamado Arrúa, que temia que eu o ofuscasse e começou logo a infernizar-me a vida”, lembrou. Ao fim de três meses já queria regressar à Luz, e escreveu a Toni, pedindo-lhe que intercedes­se por ele. “Ainda tenho esse postal guardado”, revela à SÁBADO o ex-futebolist­a. “Tive muita pena que ele não voltasse, mas na altura houve dirigentes com vistas curtas no Benfica. Esperto, o presidente João Rocha levou-o para o Sporting.”

Ficou em Alvalade de 1977 a 1987, formando com Manuel Fernandes e António Oliveira um dos tridentes mais poderosos dos leões. “Tínhamos sempre a preocupaçã­o de fazer um jogo entusiasma­nte e meter arte naquilo que fazíamos”, lembrou Oliveira ao Público. “Aquele ataque era uma maravilha”, nota à SÁBADO Fernando Tomé, que apenas foi adversário de Jordão (estava ele no Benfica e Tomé no Sporting), mas que conviveu de perto com o avançado na época 1984/85. “Eu tinha terminado a carreira e treinava os juniores do Sporting e o balneário era o mesmo dos seniores, por isso estava muitas vezes com os jogadores. Uma ocasião, cheguei cedo e o Jordão já lá estava com o Oliveira. Chamou-me e deu-me um livro de poesia do irmão, o Fernando, com uma dedicatóri­a. Era uma pessoa muito especial.” No Sporting, Jordão foi colega de José Eduardo, de quem se tornaria grande amigo. Mas o primeiro “encontro” entre os dois, em 1979, não correu nada bem: José Eduardo, então defesa do Famalicão, teve uma entrada dura e partiu-lhe uma perna. Essa foi uma das várias lesões graves que sofreu na carreira. A primeira aconteceu em 1973, quando se embrulhou com Gabriel num Benfica-FC Porto, dobrou uma perna para trás e rompeu o menisco e os ligamentos.

Na sexta-feira, dia em que morreu Rui Jordão, em consequênc­ia de problemas cardíacos, José Eduardo deixou um emocionado testemunho no Expresso, onde fala dele como “um irmão” e conta a visita que lhe fez, no hospital de Cascais, um dia antes da sua morte: “Ele puxou-me, abraçou-me e pediu para continuar a cuidar dos filhos dele.” ●

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LUIS GRAÑENA

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