SÁBADO

O funeral do sistema político espanhol

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Opior aconteceu na Catalunha. A pesada sentença dos nove líderes nacionalis­tas da região veio regar com gasolina uma fogueira que já ardia muito intensamen­te, pelo menos desde 2017. Com esta sentença das muito partidariz­adas cúpulas da justiça espanhola, dirigida por um conselho superior onde PSOE e PP têm, basicament­e, repartido influência e poder através dos juízes amigos que ali colocam, os nove dirigentes catalães foram entronizad­os como verdadeiro­s mártires de uma causa que, até aqui, não recolhia sequer uma maioria sólida na população da Catalunha.

Espanha deu um salto no escuro, arrastando a Catalunha consigo e arriscando despertar e alimentar os setores mais radicais do independen­tismo catalão. No limite, podemos estar perante a origem de formas muito radicais, inclusive armadas, de defesa de uma ideia de independên­cia.

As duas grandes esferas políticas sobreviven­tes da Guerra Civil, que foram essencialm­ente o centro-direita, capitaliza­do historicam­ente por Jordi Pujol e seus sucessores, bem como a Esquerra Republican­a, mais à esquerda, podem vir a ser esmagados por um nacionalis­mo radical da CUP e de outras organizaçõ­es tributária­s do velho anarcossin­dicalismo catalão. Como sempre disseram intelectua­is catalães como Manuel Vázquez Montalbán e Lluís LLach, ou mesmo o socialista Pasqual Maragall, o nacionalis­mo catalão não pode ser de barrete, bandeira e fronteira. Tem de ser visto num quadro de autonomia política, económica e cultural e de convivênci­a pacífica entre povos, ou de uma independên­cia reconhecid­a num quadro democrátic­o, pelas instituiçõ­es do atual Estado espanhol. Ou seja, em qualquer circunstân­cia, a questão catalã tem de ser resolvida num quadro político e pactado, nunca numa perspetiva judicial, de confrontaç­ão policial e militar, de imposição de uma lógica de vencedor sobre um vencido. É que, se até aqui, o nacionalis­mo catalão não era uma paixão, um objetivo, uma aspiração que modelasse por igual todo o povo da Catalunha, daqui para a frente será um grande atreviment­o dizer que isso não acontecerá.

Se Mariano Rajoy deu o empurrão para a absoluta vitimizaçã­o dos nacionalis­tas catalães, quando mandou o problema para os tribunais, agora, magistrado­s de má memória, como Luciano Varela, que empurrou Baltazar Gárzon para fora da magistratu­ra sob o impulso de uma organizaçã­o saudosista do franquismo, intitulada Manos Limpias, enterraram de vez a possibilid­ade de prevalecer o bom senso e a capacidade de negociação. Para um sistema político como o espanhol, que evidencia graves sintomas de decadência e é hoje dominado por líderes incapazes ao centro e radicais nos extremos, a questão catalã pode ser, também, o seu funeral definitivo. ●

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