DE BAMBU, DE ALUMÍNIO, COMESTÍVEIS E ATÉ COM SABOR A CHOCOLATE. O NEGÓCIO DAS PALHINHAS ECOLÓGICAS ESTÁ A CRIAR NOVAS OPORTUNIDADES
Com a proibição do plástico de uso único agendada para 2020, há empreendedores a lucrar com gamas amigas do ambiente: há de inox, papel, bambu e até comestíveis – com aromas e tudo.
Mr. Palhinhas é o nome profissional de David Paixão – e a clientela não se esquece disso. “Por ser de fácil reconhecimento do produto comercializado”, diz à SÁBADO, admitindo que reforça o marketing com cartões de visita (imprime aos 500 de cada vez), site
e vendas porta a porta. Antigamente eram as enciclopédias que vingavam na angariação de clientes particulares; agora, o engenheiro químico de currículo improvável – refere ter sido formado pela Universidade de Edimburgo, das mais prestigiadas da Escócia, em 2013 – não se cansa de correr restaurantes, bares e hotéis, de Lisboa ao Algarve, com palhinhas coloridas e amigas do ambiente, de papel e aço inoxidável. A mudança deu-se em finais de 2018, quando David despertou para as causas ambientais – mais consciente do aquecimento global após ter trabalhado durante cinco anos na indústria petrolífera na Escócia, França e Inglaterra. “Fiquei com vontade de abrir uma atividade associada à sustentabilidade. Decidi regressar a Portugal e lançar-me por conta própria no início de 2019. Felizmente, apareci no momento certo”, admite. Timing perfeito, tendo em conta a antecipação do nosso País à diretiva sobre os plásticos de uso único. Ou seja, até ao segundo semestre de 2020 serão abolidas as palhinhas desta matéria poluente (demoram quatro séculos a decompor-se). O Parlamento Europeu impôs o prazo de 2021. E tudo isto leva-o a repensar horizontes como engenheiro: “Estou a analisar a possibilidade de montar uma fábrica de palhinhas eco-friendly em território nacional.” Por agora, a rotina do empresário, de 29 anos, casado e com dois filhos, começa às 9h pela prospeção no terreno. Estaciona a carrinha branca de mercadorias numa zona da Grande Lisboa – um dia na Baixa, outro nas Docas de Santo Amaro, ou Cascais – e fica por lá a rondar todos os estabelecimentos que eventualmente precisem de palhinhas. As suas vêm da Ásia e são transportadas de barco, em contentores, até ao Porto de Lisboa. David leva-as depois para um armazém em São Domingos de Rana. São muitas, de forma a serem revendidas a bom preço: as de papel a
MR. PALHINHAS VENDE PORTA A PORTA DESDE O INÍCIO DE 2019. OS CLIENTES SÃO DA RESTAURAÇÃO E HOTELARIA
partir dos 2 cêntimos; as de inox a começarem nos 65 cêntimos. Ainda que parte das bestsellers tenham preço sob consulta (mediante as quantidades), por serem de metal com logótipos personalizados a laser. A reação é positiva, avalia: “Tenho 150 clientes, da restauração e hotelaria de norte a sul do País. Recebo cada vez mais encomendas. As pessoas ficam surpreendidas por haver alguém que se especializa no ramo e dá resposta.” A resposta passa pela pontualidade na fase seguinte: a de entrega direta se for na região da capital; ou transportadora no resto do País. Falar apenas o essencial é outro mandamento. Mente sã e jogo de cintura são igualmente determinantes – ajuda-o praticar judo três vezes por semana, desde os 4 anos. Por fim, a boa apresentação e a mala de executivo com mais de 10 variedades de amostras lá dentro dão a imagem de seriedade ao negócio.
Como o Mr. Palhinhas, há mais empreendedores com histórico profissional no estrangeiro e que agora se dedicam ao negócio. É o caso de Sofia Catarino e Sérgio Miranda, ambos com 37 anos: ela licenciada
em Psicologia Social e das Organizações; ele em Gestão. Viveram em Nova Iorque, há 12 anos, e impressionaram-se com os níveis de desperdício. “Saíamos à rua e encontrávamos uma muralha de lixo à porta de casa. Quando voltámos a Portugal, viemos com o bichinho da sustentabilidade mais aguçado”, conta Sofia à SÁBADO. Assim nasceu a loja
online Pegada Verde, em 2009, a operar em Torres Vedras.
Made in Portugal
Precisaram de mais nove anos até lançarem o primeiro produto próprio da marca, em outubro de 2018: as palhinhas Fair Straw (€3,50 a unidade e €14,99 o kit de cinco com escovilhão), made in Portugal. Em rigor, o aço inoxidável vem de Itália, mas o corte à medida e o polimento são feitos no Norte. “Conhecíamos algumas opções no mercado, quase todas fabricadas na China”, acrescenta a cofundadora, que teve a ajuda do pai, profissional de serralharia. “Um dia, em tom de brincadeira, pedi-lhe para fazer umas palhinhas lá para casa. Percebemos que era possível e isso deu-nos o alento.” Seguem-se o packaging em papel reciclado, que sai de uma gráfica de Torres Vedras, e o embalamento no armazém do casal (a 10 minutos de carro do espaço de cowork onde trabalham). Balanço? Sofia responde com números, mas não revela os custos de produção: “Já ultrapassámos as 10 mil unidades vendidas, mil por mês.” As crianças são as “melhores embaixadoras”, assevera, e o Natal a fase de pico: “Uma cliente teve como resolução natalícia a oferta de palhinhas Fair Straw a toda a família, como forma de sensibilização.”
A concorrente Catarina Matos, 32 anos, arquiteta e fundadora da Mind the Trash-Loja Desperdício Zero prefere fazer do Dia Internacional Sem Palhinha (3 de fevereiro) motivo de campanha. “Em 2018 focámo-nos em Lisboa. Este ano, alargámos a Portugal, tendo contactado 150 bares e restaurantes. Aos estabelecimentos aderentes, enviámos um flyer para colocarem junto ao balcão que mencionava que o espaço era livre de palhinhas de plástico”, esclarece. Também ela vende palhinhas reutilizáveis de inox (€6,50 duas com escovilhão), embaladas em papel kraft,
desde agosto de 2017. Chamou-as de Last Straw para dar a ideia de durável (that lasts a long time) e de última aquisição (our last straw bought).
“Foi, sem dúvida, o nosso bestseller.
Começámos a distribuir para inúmeras lojas, pois não havia concorrência no mercado.” Contudo, ao contrário da Pegada Verde, não obteve resposta de quatro empresas para fabricar em Portugal e recorreu ao fabrico estrangeiro, “num país onde sabia que já produzia”: China. “Assim, após um longo tempo de perguntas, Skype e troca de emails, decidimos avançar com uma fábrica que nos pareceu respeitar todos os nossos requisitos”, esclarece.
Feirantes verdes
O tema é recorrente, está na agenda das feiras ecológicas – sobretudo nas de maior dimensão, como o evento Greenfest, que decorreu de 17 a 20 de outubro no campus da Universidade Nova de Carcavelos. À entrada fica o stand dos pais da Babu: marca do casal João Jerónimo, 33 anos, e Joana Gutierrez, 36, ambos licenciados em Gestão. Uma mão de madeira articulada destaca-se no tampo forrado a relva: segura palhinhas de bambu, vindas da Ásia para o Cadaval, onde funciona a empresa. Vendem a €1,99 a unidade; ou €6,99 o kit de quatro com escovilhão de fibra de coco. “Temos certificação das fábricas com as quais trabalhamos. O bambu tem uma versatilidade extraordinária”, enaltece João. Joana dá o exemplo: anda sempre com a palhinha na mala e tira-a em estabelecimentos, quando pede sumos. Foi o quarto artigo da marca que puseram no mercado, em outubro de 2018, depois das escovas de dentes, canas de transporte (das escovas) e dos cotonetes – sendo representativo de 8% do total de vendas (20 mil unidades desde o lançamento até à data). Mas no próximo ano, com a
“O BAMBU TEM UMA VERSATILIDADE EXTRAORDINÁRIA”, ELOGIA JOÃO, COFUNDADOR DA MARCA BABU
LUÍS SIMÕES PREVÊ FECHAR 2019 COM 100 MIL EUROS DE FATURAÇÃO COM A VENDA DAS PALHINHAS DE OITO SABORES
proibição das palhinhas de plástico, esperam subir para 15%. O negócio prolifera numa extensa rede de distribuição de mais de 600 lojas, entre biológicas e farmácias. É no Natal e no verão que registam mais procura. Da cúpula de grandes empresas para uma tenda de feirantes no Greenfest: assim se aprentam à SÁBADO Miguel Henriques, 53 anos, e Isabel Braz, 43, divertidos com as palhinhas compostáveis de papel da marca que fundaram em 2017 (Bioethic).
Para ambos, o catalisador pode ser identificado no tempo e no espaço: 2013, Xangai. Ela era à época uma das dirigentes da rede Inditex na China (3.000 funcionários a seu cargo, de todas as marcas à exceção da Zara); ele um executivo com direito a motorista num grupo empresarial de purificadores de ar e água. Certa manhã, Isabel abriu a janela e não viu o prédio à frente tal era a nuvem de poluição. “Foi apocalíptico. Recebemos alertas nos telemóveis para que os idosos e crianças não saíssem de casa. Nós saímos de máscara.” Foram depois trabalhar para Nova Deli, mas a pensar na mudança que viria para breve. “Na Índia começámos a apurar todos estes conceitos, contactos com fornecedores, com as fábricas, para saber como as coisas funcionavam”, conta Miguel Henriques, elogiando o produto que resiste 20 minutos sem se desfazer (o pack de 260 unidades custa €13,65; 1.300 vendem-se a €68,27 e o envio é gratuito para encomendas a partir de €200. “O nosso fornecedor é indiano, encomendamos 100 mil de cada vez.” Isabel partilha da motivação: “Estou mais feliz, no sentido de que sentia que era isto que devia fazer.” São escolas e câmaras municipais que mais os procuram, um ou outro restaurante das zonas trendy de Lisboa. Mas o principal cliente é uma fábrica de pirotecnia, revelam: “Chegou até nós pelo nosso site. A palhinha serve de proteção ao rastilho.”
Palhinha doce ou spaghetti?
“Se o teu projeto não te assusta é porque é pequeno demais para ti”: eis o lema de Luís Simões, que em janeiro de 2018 saiu dos quadros de uma empresa de grande distribuição para lançar a startup Soditud no Centro de Inovação Empresarial de Santarém. Não se aventurou sozinho: contou com o ex-colega do curso de Marketing, o agora sócio Pedro Cadete. Juntos investiram 40 mil euros na compra de mercadoria (palhinhas de açúcar refinado com oito aromas de chocolate, canela, gengibre, morango, etc.) e logística associada: carro de serviço e armazém perto da incubadora.
A rampa de lançamento viria de Espanha, através das palhinhas comestíveis da Sorbos (revendem pacotes de 30 a €9,70). Resultou. Luís Simões avança à SÁBADO que espera fechar 2019 com 100 mil euros de faturação: “Este ano, vendemos quase meio milhão de unidades. Estamos em algumas lojas do Intermarché, na Pollux, nos restaurantes do chef Kiko, na discoteca Lust. E em negociações com o Continente, Pingo Doce, El Corte Inglés, etc.” A proposta de Luís Barroca Monteiro é a palhinha versão spaghetti cru, de sêmola de trigo e com validade de dois anos (30 custam €6). O empresário está no mercado desde fevereiro de 2019: ao lançamento da startup aliou o apelo de crowdfunding para comprar uma máquina de embalamento individual de palhinhas. Não obteve os fundos necessários e a campanha ficou pelo caminho, mas o negócio das palhinhas de massa (importadas de Itália, vêm de camioneta para Lisboa) prosperou. Há três meses atingiu o break-even – do investimento inicial de 13 mil euros – e tem 350 clientes. Além de abastecer bares e hotéis de luxo, começou a exportar para Paris no mês passado. As negociações decorrem com distribuidores em Espanha e Cabo Verde. ●