SÁBADO

Circo Saiba para onde vão os animais que deixarão o mundo do espectácul­o

Grande parte das empresas em Portugal deixou de ter leões, elefantes ou póneis para poder continuar

- Por Susana Lúcio

Aentrada para a grande tenda branca e azul do Circo Chen, instalada no Parque da Bela Vista, em Lisboa, faz-se passando um pórtico dourado, decorado com colunas que sustentam as efígies de tigres. Mas há três anos que os sete grandes felinos de Miguel Chen não pisam a arena na capital. “Em Lisboa, não se pode trabalhar nem com um periquito”, diz à SÁBADO o director do circo.

Até este ano, os felinos e os outros animais – Miguel Chen teve hipopótamo­s, girafas, rinoceront­es, zebras, dromedário­s, lamas e vacas-watusi – eram exibidos no espectácul­o em outras localidade­s do País, onde ainda não havia restrições das autarquias. Mas aos 78 anos, Miguel Chen, decidiu fixar-se em Lisboa e vendeu os animais. “O hipopótamo foi para um circo em França, o rinoceront­e para a Alemanha e as girafas para Espanha. Os dromedário­s foram para o Badoca Park.” Mais difícil foi arranjar nova morada para os tigres. “Em Portugal, não encontrámo­s quem quisesse ficar com eles. Foram vendidos este ano a um santuário perto de Sevilha, em Espanha”, diz Miguel Chen.

Em Outubro, o parlamento aprovou, em votação final, a lei que proíbe o uso de animais selvagens no circo e dá uma moratória de seis anos para a sua implementa­ção. Prevê ainda a criação de centros de acolhiment­o para os animais entregues voluntaria­mente pelos circos. Mas o Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), que apresentou a proposta em 2017 na Assembleia da República, garante já existirem locais. “A ideia é os animais serem reencaminh­ados para reservas naturais na Europa”, explica à SÁBADO o deputado do PAN André Silva. “Além disso, existem em Portugal vários centros de recolha e recuperaçã­o de animais selvagens e o PAN está a trabalhar para que existam mais e com mais condições.”

Tigres em zoos espanhóis

Tal como o Circo Chen, há outros que já não usam animais, porque alguns municípios adiantaram-se ao Governo e há anos que deixaram de atribuir licença a circos com animais. É o caso de Lisboa, Cascais, Sintra, Loures, Porto, Faro e Funchal, na Madeira.

O Circo Mundial, instalado este Natal em Vila Nova de Gaia, deixou de apresentar animais há três anos. O espectácul­o tinha tigres, cavalos e havia um número exótico com cabras, vacas, porcos e lamas. “Querem que nos desfaçamos dos animais, mas ninguém veio dizer onde os podemos pôr. Devíamos pegar nos animais e deixá-los à porta da Assembleia

“EM LISBOA NÃO SE PODE TRABALHAR NEM COM UM PERIQUITO”, ACUSA MIGUEL CHEN

da República”, critica Carol Mariani, do Circo Mundial.

A maioria dos animais vive numa quinta propriedad­e do circo, na Moita. “Os cavalos foram entregues a amigos. Mas ninguém quis ficar com os tigres. Nem o Jardim Zoológico, que só quer animais pequenos”, acusa Carol Mariani. No entanto, o Jardim Zoológico de Lisboa garante não ter sido contactado por qualquer circo. “No passado e após contacto por parte do Instituto de Conservaçã­o da Natureza e das Florestas [ICNF], o Jardim Zoológi- co recebeu animais com estas caracterís­ticas”, explica Luísa Paulos, responsáve­l de Marketing do Zoo. “Estes pedidos chegam ao Zoo através do ICNF, do Serviço de Protecção da Natureza da GNR e da Direcção-Geral de Alimentaçã­o e Veterinári­a, existindo uma regulament­ação própria para zoos e aquários.”

Os cinco tigres-de-bengala, com 200 quilos cada um, acabaram por ir viver para Espanha em Agosto deste ano. “Doámo-los a uma reserva em Espanha, o El Bosque. Todas as semanas recebemos fotos dos nossos tigres.”

“DOÁMOS OS TIGRES A UMA RESERVA EM ESPANHA. TODAS AS SEMANAS RECEBEMOS FOTOS”

Tigres 19 anos num camião

O Núcleo Zoológico El Bosque, em Oviedo, recebeu duas fêmeas, Diana e Zita. Os mamíferos, em fim de vida, foram os primeiros tigres a serem recebidos pelo centro e ainda se estão a adaptar aos 400 metros quadrados da nova morada. “Depois de 19 anos num camião, está a ser difícil saírem dos espaços interiores, temos de lhes dar tempo”, contou Gonzalo Rubio, responsáve­l pelo centro, ao jornal El Comercio, pouco depois da chegada dos animais. São os primeiros tigres do centro, que teve de reforçar as vedações do espaço. Quatro meses depois tudo parece estar a correr bem. “Os tigres estão bem, adaptaram-se muito bem”, garante à SÁBADO Gonzalo Rubio. Os outros tigres foram recebidos pelo Safari Aitana, em Alicante. Desistir dos números com animais foi uma decisão tomada também por uma questão de segurança. “Tornou-se demasiado perigoso. Havia sítios em que queima-

vam os cartazes do circo e riscavam os camiões dos animais. Em Espanha, são ainda mais radicais: o meu irmão estava a desmontar a tenda quando levou uma pedrada na cabeça”, conta Carol Mariani. Ruben Mariani, o homem-bala decidiu então focar o espectácul­o nos monociclos, trapezista­s-voadores, malabarist­as, contorcion­istas e nos palhaços.

Carlos Carvalho, director da Circolândi­a, não encontrou local para o seu puma. Durante meses, o artista que está a trabalhar no Circo Soledad Cardinali, no Porto, e que alugou a sua tenda e material para as gravações da série da RTP, Circo Paraíso, tentou encontrar um santuário para o mamífero. “A Câmara de Sintra indicou-me uma associação em Espanha. Mas eles exigiam que assinasse um documento em que garantia que não iria ter qualquer outro animal. Recusei, era uma violação dos meus direitos”, considera Carlos Carvalho.

A AAP Primadomus, em Alicante, construído pela Fundação AAP, da Holanda, é um santuário de grandes felinos em Espanha e confirma o pedido. “Todos os animais são doados pelos proprietár­ios e nos casos em que acreditamo­s ser provável que a situação se repita, como é o caso dos circos, incluímos uma cláusula no contrato de transmissã­o em que se indica que o circo aceita não ter mais animais no futuro”, diz à SÁBADO Ángel Guede, coordenado­r dos departamen­tos de Resgate e Recolocaçã­o da AAP. “Em caso de incumprime­nto, o circo compromete-se a compensar economicam­ente a AAP pelos gastos diários dos animais desde a sua chegada até à sua morte ou recolocaçã­o.”

A fundação recebeu pedidos de vários circos portuguese­s para receber os seus animais, mas nenhum se concretizo­u. O puma, com quase 20 anos, continuou a viver na jaula do circo e acabou por morrer.

Carlos Carvalho entregou ainda quatro póneis, uma lama, duas cabras e dois burros a uma associação de animais, em Sintra. “Doei-os a uma instituiçã­o em São João das Lampas.” A Salvação Associação confirma ter recebido os animais há quase dois anos, mas garante tê-los comprado. “Paguei 1.000 euros, mas o senhor queria 2.000”, afiança Manuela Lourenço, presidente da Associação. “Estavam péssimos, magríssimo­s. Os póneis tinham os cascos gastos. Vivia tudo dentro de um camião.” A boa acção valeu-lhe uma ida ao hospital. “O lama mordeu-me numa perna. Acho que está traumatiza­do.”

Circo com cavalos e camelos

O Circo Victor Hugo Cardinali ainda mantém os seus animais, incluindo os leões que deram fama ao espectácul­o. Mas este Natal, na arena instalada no Parque das Nações, em Lisboa, só entram cavalos e camelos e porque a tenda está instalada em terreno privado. “A portaria de 2009 proibiu a compra e reprodução de certas espécies de animais, por isso não nos foi possível dar continuida­de a números com grandes felinos”, diz Victor Hugo Cardinali.

Os leões – que deixaram de actuar no ano passado –, os elefantes, os lamas e os póneis vivem no circo e Victor Hugo Cardinali não pensa vendê-los, nem doá-los a centros de animais. “Fazem parte da nossa família, foram criados desde pequenos connosco. Existe uma ligação afectiva entre nós, por isso não pomos essa questão.”

Quando a moratória de seis anos prevista pela nova lei terminar, é possível que grande parte dos animais tenha morrido. O destino dos animais que ainda existirem não preocupa o artista. “Cabe ao Governo arranjar uma solução.”

“OS ANIMAIS FAZEM PARTE DA NOSSA FAMÍLIA”, GARANTE VICTOR HUGO CARDINALI

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i Os elefantes do Circo Victor Hugo Cardinali em Ponte de Lima, no Verão de 2015
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 ??  ?? Cavalos e camelos são os únicos animais na arena do Circo Victor Hugo Cardinali
Cavalos e camelos são os únicos animais na arena do Circo Victor Hugo Cardinali
 ??  ?? Os leões deixaram de fazer parte do espectácul­o do Circo Victor Hugo Cardinali em 2017
Os leões deixaram de fazer parte do espectácul­o do Circo Victor Hugo Cardinali em 2017
 ??  ?? Miguel Chen entregou os seus dromedário­s ao Badoca Safari Park
Miguel Chen entregou os seus dromedário­s ao Badoca Safari Park
 ??  ?? O Circo Chen entregou os seus sete tigres a um santuário de animais em Espanha
O Circo Chen entregou os seus sete tigres a um santuário de animais em Espanha

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