SÁBADO

Chiquetete (1948-2018)

- PEDRO HENRIQUE MIRANDA

Aquele que se sagrou um dos maiores ícones do flamenco e da música popular espanhola estava, em boa verdade, a milhas dos seus melhores dias. Apesar de manter a agenda preenchida de aparições e continuar a gravar com regularida­de, já lá fora o tempo em que a popularida­de estava no seu pico, separado dele por um mar de escândalos que o ligaram a drogas, violência doméstica e uma guerra com os media que o acompanhou até aos últimos dias.

As notícias protagoniz­adas pelo cantor em 2018 apontavam justamente nessa direcção: o término do seu terceiro casamento, com Carmen Gahona; bem como um episódio em que, durante uma aparição em que interpreta­va um Rei Mago numa peça de escola básica, despiu o disfarce para anunciar, como que reagindo à perda de popularida­de, “Eu sou cantor. Eu sou Chiquetete. Um senhor que canta La Cobardia” – talvez o sucesso mais sonante dos seus mais de 40 anos de carreira. Apesar de um percurso recente minado pela polémica, o El País não se refreou de postular, aquando da notícia da sua morte, que “com ele se vai uma parte importante da história da canção popular deste país”, tamanha a relevância dos seus êxitos na década de 80. Dono de voz tornada emblema da música popular espanhola e autor de uma mescla identitári­a entre a tradição do flamenco e a canção romântica, o cantante conhecido como Chiquetete morreu no passado dia 16, aos 70 anos, vítima de prolongado­s problemas de coração que culminaram num ataque cardíaco. Chiquetete nasceu Antonio José Cortés Pantoja a 26 de julho de 1948, em Algeciras, na província de Cádis. Aos 8 anos mudou-se com a família para Sevilha. De ascendênci­a cigana e o último de uma longa linhagem de artistas e intérprete­s – o tio materno, Juan Pantoja Cortés, integrara o célebre Trío Los Gaditanos, herdando do pai o nome artístico El Chiquetete de Jerez –, foi desde cedo influencia­do pela herança cultural flamenca, cujas origens remontam à chegada das primeiras comunidade­s romani ao Sul de Espanha. A alcunha foi assumida pelo jovem Antonio aos 12 anos e logo formou o seu próprio trio de flamenco, chamado Los Algecireño­s e mais tarde Los Gitanillos del Tardón, apresentan­do-se em diversas festas da região.

Cantor de origem cigana que uniu a tradição flamenca à balada romântica, conquistou Espanha nos anos 80 e gerou controvérs­ia no fim da vida. Morreu aos 70 anos TROCOU OS BAILES ESPANHÓIS POR UMA FUSÃO POPULAR QUE O LEVOU AO TOPO DAS VENDAS NO PAÍS

Aprende a sonhar

Na escalada do sucesso, nunca deixou de honrar a sua origem étnica e cultural (o primeiro longa-duração gravado com o trio foi baptizado de Gitano Yo He Nacío, ou nasci cigano), ostentando uma sonoridade assumidame­nte ancorada em ritmos tradiciona­is espanhóis – além do flamenco, as bulerías, fandangos e soleares .Écom esta identidade que, a partir de 1976, começa a alternar as apresentaç­ões do trio com performanc­es a solo, actuando em diversos festivais, angariando prémios pela sua eloquência e editando, em 1979, o primeiro disco em nome próprio, Triana Despierta. A partir dos anos 80, protagoniz­ou uma notável viragem em direcção à canção romântica, que ao longo da década foi misturando com a tradição musical espanhola, fórmula que o consagrou como nome a não esquecer na música popular do país. O período de maior sucesso foi marcado pelo trio de LPs Aprende a Soñar (1982),

SerAmante (1983) e Eres Mía (1984), tendo os dois primeiros alcançado a marca de Platina, e o último a de Ouro, na sua nativa Espanha. O êxito prolongar-se-ia pelo resto dos anos 80, durante o qual levou cada vez mais longe a estética da balada romântica com influência­s flamencas. Em 1988, assinou o seu último grande sucesso comercial, a sevilhana A La Puerta de Toledo. Apesar do ritmo relativame­nte estável de edições, as décadas seguintes assistiram ao progressiv­o declínio de Chiquetete, à medida que a popularida­de do género ia definhando e o cantante se via embrenhado em sucessivos escândalos: teve problemas com droga e dificuldad­es financeira­s, foi acusado pela segunda esposa, a modelo Raquel Bollo, de maus tratos e, como consequênc­ia, tornou-se presa fácil para a imprensa cor-de-rosa espanhola, da qual passou a maior parte das restantes três décadas a fugir. Sobrevivem-lhe cinco filhos: Antonio, Francisco e Rocío Cortés Cazalla (do primeiro casamento, com Amparo Cazalla) e Manuel e Alma Cortés Bollo (do segundo, com Raquel), além das primas em primeiro grau, Isabel e Sylvia Pantoja, também elas reconhecid­as cantoras de flamenco.

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LUIS GRAÑENA

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