A ASCENSÃO E QUE DADEVAZGUEDES
“Foram circunstâncias da vida.” Comentou assim à SÁBADO a sua dívida de 67 milhões de euros e o pedido de falência pessoal. O que se seguirá?
Sempre detestou o sector da construção, mas foi precisamente nesta área que Diogo Vaz Guedes, 55 anos, se tornou, nos anos 90, um dos gestores mais mediáticos e prestigiados de Portugal. E foi também quando deixou a Somague, fundada no pós-Segunda Guerra pelo seu avô paterno e que já foi uma das maiores construtoras portuguesas, acabando por ser vendida ao grupo espanhol Sacyr, que os negócios lhe deixaram de correr bem. Até ao derradeiro momento em que, no final de 2017, decidiu avançar com um pedido de falência pessoal.
O empresário apresentou, no Tribunal de Comércio de Sintra, um pedido de perdão de dívidas de 67,2 milhões de euros, por parte dos credores, entre os quais se destacam o Novo Banco e o BCP, como noticiou, no domingo, dia 23, o Correio da Manhã. Conforme explica o relatório do administrador de insolvência, a maioria dos credores não se opôs, uma informação confirmada à SÁBADO pelo próprio Diogo Vaz Guedes.
Assim, se ao fim de cinco anos a dívida não tiver sido paga, mas o gestor tiver cumprido todas as suas obrigações enquanto devedor, entre as quais não esconder nenhum dos seus rendimentos, Vaz Guedes obterá o perdão do montante que ainda lhe faltar pagar, na altura, aos credores. Em seu nome, tem apenas a casa na qual reside com a família – a mulher, Carlota, e os três filhos –, na Quinta Patiño, um condomínio em Cascais, e um automóvel. Segundo o documento apresentado em tribunal, o seu salário mensal é de apenas 500 euros.
VAZ GUEDES CONFIRMOU À SÁBADO QUE A MAIORIA DOS CREDORES NÃO SE OPÔS AO PERDÃO DA DÍVIDA
“O assunto já morreu em Dezembro de 2017 [quando foi declarada a insolvência], pelo que não faz sentido fazer mais comentários sobre isso. Foram circunstâncias da vida”, afirmou à SÁBADO Diogo Vaz Guedes. O gestor, que está a desenvolver novos projectos em África, falou a partir de Moçambique, mas sobre estes seus novos investimentos disse ser preferível comentá-los mais tarde e noutro contexto.
Negócio de família
De famílias bem-sucedidas, Diogo Vaz Guedes cresceu num ambiente de abundância mas marcado por uma educação espartana e exigente, imposta pela mãe. “A minha mãe teve uma vida austera e obrigou-nos a ter uma vida austera. Os meus avós ajudavam-nos, mas não tínhamos muito dinheiro. Por exemplo, não comíamos manteiga, comíamos Flora, porque a manteiga era muito cara. Eu adorava manteiga”, contou numa entrevista ao Jornal de Negócios, publicada em Março de 2009. Os pais divorciaram-se quando Diogo era muito novo e o pai, pouco presente, não contribuía para o orçamento familiar. Mas na casa dos avós não faltava nada, antes pelo contrário. O seu avô materno, uma referência importante na sua vida, tinha um Ferrari, o que era então ainda mais raro do que hoje.
Em adolescente imaginou-se como engenheiro agrónomo, influência dos tempos passados no campo, na quinta dos avós, na Azambuja, mas na hora da decisão escolheu estudar Gestão na Universidade Católica. No futuro, veio, aliás, a revelar maior afinidade com a área finan- ceira. Quando acabou o curso foi trabalhar, como director financeiro da Logoplaste, com Filipe de Botton e Alexandre Relvas. Essa ligação fez com que, no final dos anos 80, tivesse sido sócio destes dois empresários na Interfinança, um banco privado que acabou por ser vendido ao BCP. Muito mais tarde, em 2009, na sequência dos graves problemas que assolaram o Banco Privado Português (BPP), substituiu João Rendeiro na presidência da Privado Holding, comprometendo-se com uma tentativa de tentar resgatar a instituição e de repor a sua credibilidade.
O rumo dos negócios acabou por encaminhá-lo para aquilo que nunca lhe deu prazer, a construção – o que detesta no sector é a relação próxima com os poderes públicos. O negócio da família precisava de uma reviravolta e, em 1993, o seu tio João Vaz Guedes escolheu-o, em detrimento do próprio filho, para liderar a Somague. O objectivo era recuperar a construtora de um ponto de vista económico-financeiro e de intervenção no mercado, um processo que foi concluído com sucesso em 1996. Logo no ano seguinte, decidiu comprar a Soconstrói, o que se traduziu na duplicação da dimensão da Somague. Foi a primeira grande fusão no sector da construção em Portugal. Como projecto emblemático, a empresa integrou o consórcio responsável pela concessão e construção da ponte Vasco da Gama, em Lisboa. A vida corria bem ao negócio da família e a Diogo Vaz Guedes, que integrava a nova geração de gestores, todos na casa dos 40 anos, bem preparados e ambiciosos. Em
“O ASSUNTO JÁ MORREU EM DEZEMBRO DE 2017, PELO QUE NÃO FAZ SENTIDO FAZER MAIS COMENTÁRIOS SOBRE ISSO”, DIZ O EMPRESÁRIO
2004, juntou-se a António Mexia, à época presidente da Galp Energia, António Carrapatoso, que liderava a Vodafone, e Jorge Armindo, à frente da Portucel, entre outros, na criação do mediático movimento Compromisso Portugal. Tinham 50 propostas para o lançamento de um novo modelo de desenvolvimento económico, assente na necessidade de mudança e agilização da economia. O primeiro-ministro era, então, José Manuel Durão Barroso, que mais tarde assumiu o cargo de presidente da Comissão Europeia. Vaz Guedes era considerado um dos mais brilhantes empresários daquela época e isso reflectia-se na sua notoriedade. Uma das ideias principais do Compromisso Portugal, um movimento que se considerava de mudança, assentava na convicção de que era necessária uma maior associação entre as instituições para ganhar dimensão e conseguir competir num mercado global. Ironicamente, foi precisamente isso que acabou por fazer com a “sua” Somague – só que a aliança foi concretizada com estrangeiros, os espanhóis da Sacyr Vallehermoso. Este grupo adquiriu as posições da família Vaz Guedes e do Banco Privado Português (BPP) de João Rendeiro, seu parceiro, passando a controlar a construtora portuguesa. Em troca, a família Vaz Guedes quadruplicou o seu património e tornou-se accionista da nova Sacyr, com uma participação de 5,2% do capital. Diogo só deixou, no entanto, a presidência executiva da Somague no final de 2007.
Livre da gestão do negócio familiar, estava pronto para dar forma à sua veia empreendedora e dedicar-se, em exclusivo, aos projectos que tinha começado a desenvolver nas áreas das energias renováveis e turismo de luxo. Poucos meses antes do adeus à construção tinha criado, em parceria com o amigo e gestor António Mexia, actualmente CEO da EDP, e com Miguel Simões de Almeida, a Gespura, uma sociedade gestora de participações sociais, que tinha como principal activo o luxuoso Aquapura Douro Valley, em Lamego. Em entrevista à SÁBADO ,em 2008, definiu a sua relação com a Gespura: “Sou um empreendedor, tenho de estar sempre a criar.”
Ambição desmedida
Com 50 quartos, três restaurantes, centro de reuniões, um spa de 2.200 m2 e 21 moradias de luxo, o investimento de 25 milhões de euros foi considerado Projecto de Interesse Nacional (PIN) pelo governo de José Sócrates.
Os planos eram ambiciosos e o montante do investimento avultado. A estratégia passava pela abertura de vários hotéis de luxo, não só em Portugal, como em cidades europeias e no Brasil. Mas também neste país as coisas correram mal a Diogo Vaz Guedes.
O Aquapura Itacaré, que seria o primeiro hotel de seis estrelas do Brasil e custou 30 milhões de euros, acabou embargado. É quando os negócios começam a andar para trás. Depois de vários incumprimentos financeiros, esta holding acabou por declarar insolvência, em Fevereiro de 2016, com dívidas de 46 milhões de euros, e por ser resgatada e assumida por fundos internacionais. Os revezes conduziram Diogo Vaz Guedes a uma situação de falência, mas o empresário não parou, até porque precisa de gerar rendimentos para ir pagando as dívidas que tem. Virou-se para Moçambique e, actualmente, o cargo que apresenta no seu perfil do LinkedIn é o de presidente da holding Kuikila Investments, uma empresa que opera no sector energético e que recebeu, recentemente, um subsídio superior a 700 mil euros da Agência de Comércio e Desenvolvimento norte-americana para estudar a viabilidade, no mercado moçambicano, de uma central termoeléctrica alimentada a gás natural.
Diogo Vaz Guedes tem, para já, cinco anos para tentar limpar o seu cadastro financeiro, com o apoio dos seus principais credores.
O AQUAPURA ITACARÉ, O PRIMEIRO HOTEL DE 6 ESTRELAS DO BRASIL, QUE CUSTOU 30 MILHÕES DE EUROS, ACABOU EMBARGADO