Record (Portugal)

O vermelho desbotou

- Nuno Encarnação Gestor

Uma das principais caracterís­ticas que distinguem os grandes clubes em Portugal é a sua identidade.

O símbolo do clube jamais poderá ser alterado, a camisola não deverá ser tingida de outra qualquer cor e o ADN terá de permanecer intocável. Um clube que mantenha intactas estas três caracterís­ticas será sempre um clube fiel à sua história.

Quando Vieira quis devolver o Benfica aos benfiquist­as desatou a vender os jogadores da formação. Quando Vieira acenou que o Seixal seria o futuro, foi buscar Jesus e ‘terrapleno­u’ o centro de treinos. Quando Vieira dizia que o Benfica tinha uma condição financeira invejável, vendeu Rúben Dias tal qual um rei quando vende a sua coroa.

O Benfica atravessa um momento difícil na sua história. Uma verdadeira crise de identidade.

Um empresário de Alverca , bem-sucedido profission­al de pneus e câmaras de ar, propôs-se recuperar financeira­mente o Benfica. E 17 anos depois parece tê-lo conseguido.

De Vieira já ouvimos tantos pensamento­s e estratégia­s diferentes para o Benfica, que segui-lo é como dançar o vira. Ora andamos para esquerda, ora andamos para a direita e rodopiamos, mas sempre com os braços no ar.

Vieira é exímio em desalojar do plantel principal do Benfica os símbolos vivos do clube. Foi assim com Luisão (quando terminou a carreira de jogador), é agora com Rúben Dias.

No Benfica do antigament­e, a vénia que os jogadores faziam aos adeptos antes dos jogos era feita com homens de ‘bigode’. Homens que sentiam a história do Benfica e choravam por ela.

Hoje, é feito de homens despojados de tais pelos, sem a noção da grandeza do que reside no Museu Cosme Damião. São homens que se inscrevera­m num projeto Erasmus e vieram parar a Lisboa porque cá havia vaga.

Um clube como o Benfica, Porto ou Sporting não pode apagar do plantel e da equipa técnica os poucos elementos que ainda conhecem alguma da sua história. São fundamenta­is para formar quem chega, para lhes incutir os valores do clube e para os fazer sentir o peso da camisola.

Como adepto de um clube rival, tenho saudades de ver homens com a grandeza de Toni, Mário Wilson ou Eusébio, que davam a cara quando as crises no Benfica estalavam. Hoje, quando a crise está instalada, chamam o Dr. João Gabriel ou o Dr. António Cunha Vaz. Está tudo dito.

O que seria do Porto sem Sérgio Conceição, Baía, João Pinto, ou Rui Barros? Era segurament­e um Porto sem memória alguma e desbotado da sua essência. Rui Costa é um homem cada vez mais só.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal