A varinha mágica de Lage
QUEM AINDA TIVER DÚVIDAS SOBRE A SERVENTIA DO TÉCNICO DO BENFICA, QUE REVEJA O METICULOSO EXPEDIENTE USADO PARA NEUTRALIZAR HERRERA E CORONA
Quando questionado sobre a probabilidade de Marega defrontar o Benfica, na sequência da viagem e da terapêutica supersónicas a que o maliano havia sido sujeito dias antes, Bruno Lage não se limitou a contornar a questão. Preferiu conjeturar sobre a posição e o papel que Sérgio Conceição iria reservar a Herrera. Este detalhe, retirado da conferência de imprensa em que o técnico antecipou o duelo no Dragão, nunca daria um bom título de jornal, mas disse muito sobre a forma meticulosa como Lage e a sua equipa técnica prepararam um jogo que valia muitíssimo mais do que três pontos. E quem ainda tiver dúvidas sobre a serventia de se saber esmiuçar os detalhes do adversário, que reveja o meticuloso expediente que o Benfica usou para neutralizar o médio mexicano, a exemplo do que também conseguiu fazer com o seu compatriota Corona, entre outros.
No final, foidado umjustificado destaque à gratificação dada por Bruno Lage aos seus jogadores (“Agradeço-lhes porque, de alguma forma, estão a fazer de mim treinador”), numa demonstração de magnanimidade e despojamento que diz muito do caráter do atual treinador do Benfica e da forma como ele exerce a liderança (claro que há muitas formas de im- por a governança, mas Lage está, pelo menos, a demonstrar que não é preciso destilar ódio ou ter tiques egocêntricos para se conseguir afirmar enquanto treinador versado e idóneo).
Mas, tambémaqui, acaboupor ser subalternizadaa primeira parte da resposta. Lage tinha sido inquirido sobre o segredo da vitória e resolveu a questão com um ‘feedback’ que teve tanto de conciso como de luminoso: “O treino”, limitou-se a dizer. Que é como como quem diz: diz-me como treinas e dir-te-ei como jogas. E é precisamente aqui, neste ponto, que deve ser procurada boa parte da explicação para o facto de o Benfica ter conseguido trocar o futebol enfadonho, cerceado e até algo errático que existiu na maior parte do tempo sob a batuta de Rui Vitória por uma equipa rejuvenescida, muitíssimo mais fiável e finalmente capaz de justificar o preço dos bilhetes e da robusta massa salarial. Há aparentemente menos matéria-
prima (e jogou no Dragão sem Jardel, Fejsa, Salvio e Jonas), em função da reforma de Luisão e das deserções de Ferreyra, Castillo, Lema, Alfa Semedo e Bruno Varela. Mas a promoção e a aposta determinada no talento de João Félix, Ferro, Florentino e até de Zlobin deram competitividade, classe e mais harmonia ao plantel.
Claro que avitóriado Benfica pode ser analisada sob várias perspetivas. E houve quem optasse por censurar Sérgio Conceição por ter sido demasiado aventuroso na titularidade de Manafá e Adrián López, em detrimento de Militão e Soares. É verdade que não resultou bem a tentativa de dar mais largura e dinâmica à equipa, mas é compreensível que Conceição se tenha sentido minimamente escudado pela prestação estimulante daqueles dois primeiros elementos em Tondela e na receção, dias antes, perante o Braga, dois jogos em que se viu um FC Porto com um futebol mais combinati- vo, em vez da equipa portista que ataca como um pugilista peso-pesado. Acresce que havia naturais dúvidas sobre a recuperação total de Marega e ter Soares no banco representava poder socorrer-se de uma alternativa credível. Já a não aposta em Militão só pode ser justificada como uma tentativa de ser justo com Pepe e Felipe. Porque Militão deverá ser sempre titular em condições normais e porque uma aventura noturna e esporádica de um mancebo de 20 anos não pode legitimar uma penitência tão comprida.
Mas háumaparte dacríticaque acompanho e que, curiosamente, foi a menos intensa: a titularidade de Danilo teria permitido não só tirar partido da sua agressividade e sentido posicional, mas também permitir o adiantamento de Herrera (a tal dúvida de Lage). Mas até esta discussão, em torno das vantagens que o FC Porto retiraria de um meio-campo com três médios (solução com sucesso nos jogos de grau de dificuldade maior na época passada), acaba por representar um elogio ao Benfica.
ATÉ A DISCUSSÃO SOBRE O ONZE DO FC PORTO ACABA POR SER UM ELOGIO À CAPACIDADE DO BENFICA
As camisolas encarnadas são as mesmas, muitos dos protagonistas também, mas o restante transmutou-se vertiginosamente, como se tivesse sido tocada por uma varinha mágica. Pela varinha mágica de Bruno Lage. Que soube tornar os jogadores mais felizes e confortáveis nos seus papéis e dar outra dinâmica à equipa. Como me dizia há dias Carlos Carvalhal, que foi patrono de Lage, é simples de ver e difícil de contrariar…