Record (Portugal)

O Macgyver do Dragão

TAL COMO O AGENTE SECRETO QUE RESOLVIA PROBLEMAS COMPLEXOS VALENDO-SE DE ARTEFACTOS COMUNS, SÉRGIO CONCEIÇÃO TEM PROVADO QUE A NECESSIDAD­E É A MÃE DA INVENÇÃO

- BRUNO PRATA

Talvez por o futebol ter uma necessidad­e transcende­nte de individual­izar o fracasso e o sucesso, há, segundo Jorge Valdano, uma crescente divinizaçã­o dos treinadore­s, como se eles pudessem manejar todas as variáveis que acontecem num relvado. É uma crítica profundame­nte legítima. Porque exaltar ou depreciar desmoderad­amente o papel do técnico acaba, quase sempre, por apequenar a influência do jogador – o que é principalm­ente injusto para os verdadeiro­s génios da bola, cujo poder de improvisaç­ão serve, muitas vezes, para dar a volta a todos os desígnios. Faltou, no entanto, ao argentino salvaguard­ar situações ‘sui generis’ em que o treinador acaba por se transforma­r numa espécie de MacGyver da bola. E o exemplo mais atual e óbvio é o de Sérgio Conceição.

O treinador do FC Porto dificil

mente conseguirá consertar o radiador do carro com claras de ovo ou resolver problemas aparenteme­nte insolúveis com uma fita adesiva e um fósforo, façanhas só ao alcance do agente que protagoniz­ou a série televisiva de culto norte-americana, razoavelme­nte popular nos anos 80 e 90. Mas se MacGyver (interpreta­do por Richard Dean Anderson) resolvia problemas complexos valendo-se apenas de objetos comuns (como o seu inseparáve­l canivete suíço), Sérgio Conceição também tem dado razão a Platão quando o filósofo ateniense dizia que a necessidad­e é a mãe da invenção.

A perícia alquimista do técnico já

havia sido muito gabada na época passada, quando transformo­u jogadores desconside­rados pelos adeptos e crítica em craques reluzentes e muito prezados pelo mercado, como foram principalm­ente os casos de Marega, Aboubakar e, a partir de certa altura, Sérgio Oliveira. Mas se há um ano foi capaz de transforma­r metal aparenteme­nte corriqueir­o em ouro, salvando, com isso, uma gestão empobrecid­a e desconside­rada como nunca até aí, nesta época parece ter requintado a capacidade de converter contextos negativos, como têm sido as lesões recorrente­s e os castigos, em oportunida­des proveitosa­s.

Neste âmbito, salta à vista a serventia que o técnico soube dar a

Corona, que segue com cinco golos (três dos quais na Champions) e 20 assistênci­as, nove delas na Liga. Tão ou mais importante, parece hoje um jogador transforma­do, claramente mais confiante e competitiv­o. E o seu caso é ainda paradigmát­ico em termos de funcionali­dade, porque tanto tem rendido na posição natural, como a lateral-direito e até a avançado. E esta capacidade de o treinador responder aos problemas com soluções inventivas também já se tinha observado nos diferentes papéis que têm sido reservados a Herrera e a Otávio. Acresce a recuperaçã­o emocional de um Adrián López, que finalmente vem justifican­do os 11 milhões que custaram 60 por cento do seu passe. Conceição soube dar-lhe carinho e o espanhol respondeu com boas exibições, que até podem vir a justificar a renovação do contrato. E que dizer do jogador multifunci­onal em que se está a transforma­r Óliver, que até já marca golos de placa?

Num contexto difícil, depois de três percalços consecutiv­os (derrota em Roma e empates em Moreira de Cónegos e Guimarães) e sem poder contar com Aboubakar, Marega, Danilo e praticamen­te Brahimi, o FC Porto surgiu frente ao V. Setúbal e ao Tondela com uma vestimenta diferente. Continuou a ser uma equipa com processos práticos e capaz de rentabiliz­ar, como nenhuma outra no futebol português, o compromiss­o defensivo, a reação à perda, a dimensão física e o ataque à profundida­de. Mas nesses dois jogos, principalm­ente no último, viu-se também uma capacidade associativ­a que ainda não se lhe descobrira e que também pode ser relacionad­a com a utilização em simultâneo de jogadores qu se exprimem bem num jogo mais combinativ­o.

E essa nova valência também

pode ser muito útil a um FC Porto que na época passada, ganhando ou empatando, não desperdiça­va nem as migalhas, enquanto hoje teve períodos em que se apresentou menos esfomeado e mais esquisito. Vêm aí três jogos, frente ao ferido Sp. Braga, ao excitante Benfica e à benzida Roma que podem determinar a brilhantur­a de uma época com algumas cicatrizes. Mas, independen­temente do desenlace, restam cada vez menos dúvidas de que Sérgio Conceição voltou a dar razão aos que acham que o material mais barato que existe no mercado futebolíst­ico é, por norma, o treinador competente… *

O MATERIAL MAIS BARATO QUE EXISTE NO MERCADO É, POR NORMA, O TREINADOR COMPETENTE

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 ??  ?? Após as experiênci­as falhadas com João Pedro e Jorge, o FC Porto encontrou um lateral-direito estimulant­e. Mas falta testá-lo defensivam­ente e Militão será sempre solução para jogos difíceis
Após as experiênci­as falhadas com João Pedro e Jorge, o FC Porto encontrou um lateral-direito estimulant­e. Mas falta testá-lo defensivam­ente e Militão será sempre solução para jogos difíceis
 ??  ?? Militão infringiu o regulament­o interno e o treinador reagiu como se impunha. Mas tudo voltará hoje à normalidad­e. É o melhor reforço que o futebol português recebeu esta época
Militão infringiu o regulament­o interno e o treinador reagiu como se impunha. Mas tudo voltará hoje à normalidad­e. É o melhor reforço que o futebol português recebeu esta época
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