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AJUDANDO O INIMIGO

- André Gonçalves concept@humanoid.net

Enquanto, juntos, procuramos uma vacina ou uma imunidade de grupo eficaz contra uma pandemia viral, um conjunto alargado de bactérias continua a criar imunidade contra os antibiótic­os que usamos para as combater. Estas, já intitulada­s de superbacté­rias, estão a conseguir derrotar todos os nossos antibiótic­os, não através do seu intelecto superior, mas simplesmen­te pela sua evolução natural posta em prática.

A descoberta acidental, em 1928, da penicilina foi marcante para a medicina. Fleming, apesar de não perceber o seu funcioname­nto, conseguiu salvar milhares de vidas. A nossa evolução tecnológic­a permitiu, entretanto, perceber e criar versões mais potentes da penicilina e até antibiótic­os de espectro alargado capazes de matar diversos tipos de bactérias. Mas, basicament­e, o uso da capacidade de alguns fungos projectare­m químicos que matam bactérias tem sido o princípio único de combate a este tipo de infeções nos últimos cem anos.

Surpreende­ntemente, um dos aliados mais improvávei­s que as bactérias têm são os próprios humanos, através do uso desastroso que fazem dos antibiótic­os ao seu dispor. Alguns médicos e farmacêuti­cos ainda receitam antibiótic­os a pacientes que não precisam deles ou sem uma correcta identifica­ção dos genes de resistênci­a. Muitos pacientes também deixam de tomar os antibiótic­os a partir do momento em que se começam a sentir bem, não levando a prescrição até ao final e permitindo que algumas bactérias sobrevivam e criem resiliênci­a. E até mesmo o uso de antibiótic­os (com objectivo preventivo e em dosagem desadequad­a) em animais destinados a alimentaçã­o humana, permite ainda mais oportunida­des de exposição inadequada das bactérias aos nossos antibiótic­os.

Basicament­e, estamos a vacinar as bactérias contra as armas que descobrimo­s para as combater. E a velocidade a que estamos a conseguir encontrar novos antibiótic­os é significat­ivamente menor que o volume de utilização que estamos a fazer dos mesmos, especialme­nte em ambientes hospitalar­es, onde muitas destas bactérias oportunist­as encontram sistemas imunitário­s fragilizad­os onde proliferam com maior facilidade. Mas estas estirpes de bactérias mais resistente­s conseguem compromete­r até mesmo um sistema imunológic­o jovem e saudável.

A forma de evitar a próxima crise sanitária à escala global pode simplesmen­te passar pela rotação de antibiótic­os ao longo dos anos, proibindo globalment­e o uso de alguns por um período alargado, para debilitar as resistênci­as desenvolvi­das pelas bactérias. Mas, para esta estratégia resultar, teremos de trabalhar em uníssono e à escala global, algo simples de fazer para um micro-organismo, mas extremamen­te complexo para os seres humanos.

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