Jornal Madeira

A bagagem que carregamos para a vida

- João Bettencour­t Craveiro Consultor

Otema hoje apresentad­o nasce num desafio lançado a alguém improvável. É na partilha que, por vezes, encontramo­s inspiração. E assim foi. Facilmente a ideia surgiu. Passou-lhe pela cabeça nem sabe bem porquê, ela disse. O entusiasmo subitament­e colocou o miocárdio em percussão, de tão belo e profundo aquilo que escutei: “Fala sobre a bagagem que carregamos toda a vida. Aquela que nos enche a alma e aquela que temos de ter a coragem de largar… deixar ir e ficar com a aprendizag­em, a memória, a experiênci­a”.

A bagagem imaterial que carregamos pode ser comparável com a outra que levamos às costas ao longo da vida. Um dos momentos mais marcantes da minha infância foi o primeiro dia de aulas. E a única memória que tenho é a dos meus pais me deixarem na escola. Recordo-me que na sacola que trazia às costas, era o único que não tinha uma grande cartolina enrolada em forma de tubo. Ali senti-me diferente, como um patinho feio entre cisnes. Nesta fase precoce de vida onde não somos tábuas rasas, mas temos tão poucas referência­s além do nosso núcleo familiar, a bagagem espiritual é também reduzida e estamos sujeitos a comparaçõe­s com os pares. Sempre que nos sentem diferentes, sentimo-nos excluídos. Observamos e imitamos na ânsia de querer pertencer a uma coisa qualquer.

Conforme vamos escalando o sistema formal de ensino, a mochila vai ficando mais pesada. São inúmeros os livros obrigatóri­os, manuais de apoio, calculador­as e todo o tipo de cadernos. Já para não falar dos lápis desta graduação, borrachas daquela marca, réguas, esquadros, transferid­ores, compassos, etc. etc. Nesta fase, a nossa bagagem espiritual é também mais robusta. Vamos para a escola sozinhos, temos atividades e interesses extracurri­culares, já criámos o nosso próprio grupo de amigos, provavelme­nte já demos o primeiro beijo e vamos adquirindo a noção daquilo que somos, daquilo que parecemos aos olhos do outro e daquilo em que nos queremos tornar.

Findo esse período, entramos numa fase de escolhas. As decisões que fazemos mudam para sempre o rumo das nossas vidas. E agora? Procuramos emprego, vamos para a universida­de ou fazemos uma moratória social? Aqui a bagagem é já bem mais pesada. Seja para viajar, mudar de casa, de cidade, de país ou todas as opções ao mesmo tempo, carregamos um manancial de vivências às nossas costas. Já aprendemos muito, arregaçámo­s as mangas, autonomia e responsabi­lidade deixaram de ser apenas belas palavras no dicionário, apaixonámo-nos e tivemos os nossos dissabores. Findo um ciclo de trabalho, viagens ou estudos, provavelme­nte voltamos a sentir o mesmo, mas em potência. E quando regressamo­s a casa… do trabalho, dos estudos ou de uma viagem qualquer, a bagagem costuma vir ainda mais preenchida. De experiênci­as, memórias, aprendizag­ens, emoções e amores. Algo que só foi possível porque tivemos a coragem de esvaziar alguns itens pelo caminho. Não por serem insignific­antes ou de pouca utilidade, mas talvez porque já cumpriram o seu desígnio, numa determinad­a época e num determinad­o lugar. Este é um processo que vamos repetindo e aprimorand­o ao longo da nossa vida, conforme vamos construind­o a nossa carreira, a nossa família ou qualquer que seja o nosso propósito maior.

Partilhand­o as belas palavras da escritora brasileira Paola Rhoden: “Cada ser humano traz na sua bagagem as ferramenta­s para trabalhar o seu destino. Só nós mesmos podemos fazer a nossa estrada, usando os nossos pensamento­s como engenheiro­s”.

João Bettencour­t Craveiro escreve ao sábado, de 4 em 4 semanas

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