Governar implica sempre prestar contas
A maior perplexidade reside na notícia de que se pretende contabilizar as horas que ministros e secretários de Estado passam no Parlamento a responder a pedidos de esclarecimento dos diferentes partidos.
Os média noticiaram esta semana que o PSD pretende contabilizar, e publicitar num site específico, os custos das propostas com impacto orçamental aprovadas pela Oposição à revelia do Governo bem como o número de horas que os governantes passam no Parlamento a pedido das diferentes bancadas. Talvez fosse melhor alguém explicar rapidamente a quem teve tão infeliz ideia que as coligações negativas não são uma surpresa para ninguém e que a prestação de contas constitui um processo natural nas democracias que tanto queremos preservar.
Com uma vitória tão tangencial, a AD deveria estar preparada para as contingências de se confrontar no Parlamento com os votos alinhados da Oposição para fazer passar determinadas propostas. Será este o preço a pagar por quem aceitou formar governo em modo periclitante. Por isso, não se compreende que quem está no poder passe tanto tempo a criticar a Oposição. A lógica natural resultante destes contextos deveria ser a contrária.
No entanto, a maior perplexidade reside na notícia de que se pretende contabilizar as horas que ministros e secretários de Estado passam no Parlamento a responder a pedidos de esclarecimento dos diferentes partidos. Alguém tem rapidamente de vir lembrar que os governantes sempre permaneceram muito tempo na casa da democracia. E isso é um sinal de grande vitalidade para a nossa democracia. No período inicial da geringonça, era muito comum os membros do Governo reunirem-se, a propósito do mesmo dossier, separadamente com as bancadas do PS, BE e PCP, abandonando muitas vezes o Parlamento já a noite ia muito avançada. E isso não era propriamente do domínio público, nem encarado como um suplício. Eram apenas modos de dar cumprimento às regras do jogo democrático.
Registar as horas que determinado governante gasta a explicar aos deputados o seu trabalho significa várias coisas: uma desvalorização do Parlamento enquanto ponto fulcral da democracia, uma ideia autotélica de governo, um menosprezo pela prestação de contas a quem é eleito pelo povo. Seguindo a mesma lógica, dever-se-ia somar o tempo despendido em entrevistas aos jornalistas, em conferências ou em debates partidários. Porque tudo isto subtrai tempo à governação, ainda que acrescente muito a um exercício equilibrado do poder...
Por enquanto, vamos pensar que se trata apenas de uma ideia tonta, sem caminho para fazer. Porque qualquer percurso que se faça a esse nível só poderá terminar com fortes estragos a qualquer regime democrático.