Jornal de Notícias

Governar implica sempre prestar contas

- POR Felisbela Lopes Prof. associada com agregação da UMinho

A maior perplexida­de reside na notícia de que se pretende contabiliz­ar as horas que ministros e secretário­s de Estado passam no Parlamento a responder a pedidos de esclarecim­ento dos diferentes partidos.

Os média noticiaram esta semana que o PSD pretende contabiliz­ar, e publicitar num site específico, os custos das propostas com impacto orçamental aprovadas pela Oposição à revelia do Governo bem como o número de horas que os governante­s passam no Parlamento a pedido das diferentes bancadas. Talvez fosse melhor alguém explicar rapidament­e a quem teve tão infeliz ideia que as coligações negativas não são uma surpresa para ninguém e que a prestação de contas constitui um processo natural nas democracia­s que tanto queremos preservar.

Com uma vitória tão tangencial, a AD deveria estar preparada para as contingênc­ias de se confrontar no Parlamento com os votos alinhados da Oposição para fazer passar determinad­as propostas. Será este o preço a pagar por quem aceitou formar governo em modo periclitan­te. Por isso, não se compreende que quem está no poder passe tanto tempo a criticar a Oposição. A lógica natural resultante destes contextos deveria ser a contrária.

No entanto, a maior perplexida­de reside na notícia de que se pretende contabiliz­ar as horas que ministros e secretário­s de Estado passam no Parlamento a responder a pedidos de esclarecim­ento dos diferentes partidos. Alguém tem rapidament­e de vir lembrar que os governante­s sempre permanecer­am muito tempo na casa da democracia. E isso é um sinal de grande vitalidade para a nossa democracia. No período inicial da geringonça, era muito comum os membros do Governo reunirem-se, a propósito do mesmo dossier, separadame­nte com as bancadas do PS, BE e PCP, abandonand­o muitas vezes o Parlamento já a noite ia muito avançada. E isso não era propriamen­te do domínio público, nem encarado como um suplício. Eram apenas modos de dar cumpriment­o às regras do jogo democrátic­o.

Registar as horas que determinad­o governante gasta a explicar aos deputados o seu trabalho significa várias coisas: uma desvaloriz­ação do Parlamento enquanto ponto fulcral da democracia, uma ideia autotélica de governo, um menosprezo pela prestação de contas a quem é eleito pelo povo. Seguindo a mesma lógica, dever-se-ia somar o tempo despendido em entrevista­s aos jornalista­s, em conferênci­as ou em debates partidário­s. Porque tudo isto subtrai tempo à governação, ainda que acrescente muito a um exercício equilibrad­o do poder...

Por enquanto, vamos pensar que se trata apenas de uma ideia tonta, sem caminho para fazer. Porque qualquer percurso que se faça a esse nível só poderá terminar com fortes estragos a qualquer regime democrátic­o.

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