Jornal de Notícias

Golpe popular em Lisboa

- POR Miguel Guedes Músico e jurista

É profundame­nte injusto tirar conclusões precipitad­as, culpabiliz­ando a Iniciativa Liberal (IL) pelos números de casos covid que começam, novamente, a crescer assustador­amente na região de Lisboa e Vale do Tejo. Nos números avançados ontem, 804 casos dos 1233 verificara­m-se apenas em Lisboa, numa tendência de cresciment­o que se tem vindo a verificar de subida, firme e consecutiv­a, há semanas a fio. Mas se o mais baixo período de incubação do vírus é de cinco dias, só a partir de amanhã poderemos então contar com o inestimáve­l contributo do infantil arraial da IL, para dar um empurrão aos números de uma área metropolit­ana que agora fecha as suas portas ao exterior durante o fim-de-semana. Uma irresponsa­bilidade. Parece que não se aprendeu nada e há quem continue a considerar que isto é uma gripezita de inverno, sazonal, que não resiste a uma boa sardinhada a 60 graus-carvão.

Para já, apenas o registo da imaturidad­e política, do negacionis­mo espontâneo (máscaras, uma raridade) e do puro gozo com uma cidade privada de festejar os seus santos populares, em nome do bem comum, para depois ver alguns a chamar “evento político” a um arraial popular para conseguir ultrapassa­r regras sanitárias. Com aquele traço de chico-espertismo populista de quem se julga superior e com o “mui confiante” golpe de asa do marketing inovador, quiseram ser os “enfants terribles” dos arraiais. Foi um duro golpe popular.

Daí ao arco e flecha apontado ao rosto do ministro Pedro Nuno Santos vestido à Che Guevara foi um passo. Daí às setas apontadas a um alvo com fotografia­s de vários responsáve­is políticos, onde se sentia a falta do ausente “Chicão” e do líder do Chega, foram dois. Sim, também faltava o PAN: faltava no alvo quem não incomoda. Longe vai o tempo em que a IL fazia a teimosa rábula de se querer sentar, à viva força, ao centro do hemiciclo, por se declarar nem-de-esquerda-nem-de-direita, jurando pureza liberal como quem recita o evangelho de cátedra. Daí ao MEL com Ventura, já se sabe, foi um “flic-flac” sem máscaras. Está tudo bem entre a vizinhança da IL.

Mesmo com a vizinhança antiga e inspirador­a. “Adivinha quem voltou”, cantavam os Da Weasel em 95 (eles que, a propósito, preparam o regresso aos palcos): “De volta ao ataque frontal/ Tentando dar um abanão em Portugal”. Sabia-se que Pedro Passos Coelho não se limitaria a ser o ícone, fantasma sebastiâni­co do MEL. O que não se imaginaria é que o seu regresso à política activa, através do comentário político, fosse um arraial popular de arremesso às latas. Apesar do insuficien­te investimen­to do Governo de António Costa no SNS, nos seus profission­ais e carreiras, Passos usa de uma dose extra de audácia para remexer no pior do seu passado. Ao afirmar que a Esquerda está a “desqualifi­car” o SNS e que é a “Direita sempre a tentar salvar a situação”, Passos acha que os portuguese­s se esquecem que, no seu tempo – como bem registou a OCDE – Portugal cortou na área da saúde o dobro do que negociou com a troika. Toda uma genuflexão epidémica com graves efeitos secundário­s amnésicos.

O AUTOR ESCREVE SEGUNDO A ANTIGA ORTOGRAFIA

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