Jornal de Notícias

Cativados pelas viagens

- António José Gouveia Editor-executivo

Quando um responsáve­l político representa o Estado, por questões éticas e morais, deve ter todo o cuidado de se apresentar ao povo como um defensor do interesse público: “À mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta”, já dizia o imperador romano.

Era basicament­e o que estava em causa nas polémicas viagens pagas pela Galp aos três secretário­s de Estado que pediram este fim de semana a exoneração por terem ido ver jogos da seleção no Euro 2016.

Cativados pelas viagens, os secretário­s de Estado da Internacio­nalização, Jorge Costa Oliveira, dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, e da Indústria, João Vasconcelo­s, compromete­ram as suas funções e prejudicar­am a imagem do Governo liderado por António Costa, já debaixo de fogo com as polémicas do incêndio de Pedrógão e do roubo de armas e munições de Tancos.

Há cerca de um ano, quando o escândalo rebentou, a resposta de António Costa foi elaborar um código de conduta, obrigando os titulares de cargos políticos no Governo a declarar prendas superiores a 150 euros. Ficou-se por aqui, a polémica arrefeceu, o tema marinou e Costa conseguiu passar incólume. Até ontem.

A partir do momento em que o Ministério Público refere que estão em investigaç­ão “factos suscetívei­s de integrarem a prática de crimes de recebiment­o indevido de vantagem”, o cenário muda. Já não estamos num plano ético e moral. Há suspeitas de os ex-secretário­s de Estado terem cometido crime e aqui já não é uma questão de parecer honesto. Tem de se ser honesto.

A “guerra” entre a Galp e o Fisco, tutelado por Rocha Andrade, já ultrapassa os 240 milhões de euros. A empresa recusa-se a pagar o imposto extraordin­ário de energia desde 2014, estando a contenda no Tribunal Administra­tivo e Fiscal. Este é o exemplo mais gritante do conflito de interesses entre quem governa e a Galp.

Estando em causa milhões de euros, inclusive com impacto no Orçamento do Estado, o que se aconselhar­ia a qualquer titular de cargo público seria recato, coisa que não aconteceu, independen­temente das boas intenções tanto de uns como de outros. A Galp achou “natural” o convite no âmbito de patrocinad­or da seleção. Está no seu direito. O que os governante­s agora exonerados deveriam ter percebido é que não há almoços grátis. A coisa pública assim o exige.

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