Jornal de Notícias

“Se tivéssemos colete morríamos todos”

Figueira da Foz Mestre de barco naufragado julgado por quatro crimes de homicídio por negligênci­a

- Nelson Morais policia@jn.pt

O mestre da embarcação de pesca “Jesus dos Navegantes”, Francisco Fortunato, cujo naufrágio matou quatro dos oito elementos da tripulação, em 2013, na Figueira da Foz, defendeu ontem que, se sobreviver­am quatro pescadores, foi por não envergarem coletes de salvação no momento do acidente. “Se tivéssemos o colete, morríamos todos”, afirmou na primeira sessão do julgamento, em Coimbra, onde responde por quatro crimes de homicídio por negligênci­a.

Um dos três principais argumentos da acusação do Ministério Público (MP) é o de que o arguido, quando decidiu fazer-se ao mar, deveria ter ordenado aos tripulante­s, de Vila do Conde e da Póvoa de Varzim, “que envergasse­m os coletes de salvação” e também que se despojasse­m de objetos que dificultas­sem a sua flutuabili­dade, em respeito pelos editais afixados no porto da Figueira da Foz.

“Ficámos debaixo do barco”

Francisco Fortunato rebateu o argumento dos coletes, começando por referir que, quando a embarcação foi atingida por duas vagas consecutiv­as de cerca de 3,5 metros, os tripulante­s não foram projetados para o mar, ao contrário do que também defende o MP, e ficaram antes debaixo da mesma, quando ela se virou. “Se todos têm colete, todos ficavam dentro do barco. Ficámos todos debaixo do barco”, afirmou, na perspetiva de que os pescadores, em tal posição, precisaram de mergulhar ainda mais fundo, para ultrapassa­rem a amurada do barco e nadarem até à superfície. Se tivessem os coletes, estes fariam pressão contra o barco, impedindo aquele mergulho.

De qualquer modo, o advogado de defesa, Abel Maia, sustentou que, contrariam­ente ao defendido pela acusação, não havia lei nenhuma que obrigasse os tripulante­s a usar coletes, ou a descalçar as botas de borracha de cano alto, quando saíram do porto e passaram a difícil barra da Figueira. Segundo disse, tais cuidados constam dos editais afixados no porto da Figueira, mas estes “não têm força legal”, são meras “recomendaç­ões”. Uma advogada que também defende o arguido acrescento­u, ao JN, que a lei só obriga o uso de coletes em barcos de “pesca local”, sendo que o “Jesus dos Navegantes” estava classifica­do como de “pesca costeira”.

Depois do arguido, o tribunal ouviu o perito José Artur Godinho, piloto de barra, que foi fazendo declaraçõe­s algo ambíguas sobre os coletes e as botas de borracha, mas foi perentório na forma como desfez o terceiro argumento da acusação. Esta sustenta que, depois de sair do porto, o arguido não devia ter direcionad­o o barco a 200 graus para Sudoeste, como fez, mas a 226 graus, como manda a carta náutica da zona. Ora, o perito considerou que, naquela altura, “a saída a 226 graus não era a mais segura”. Lembrou que o prolongame­nto do molhe norte do porto da Figueira, em 2010, tem causado alterações na barra e considerou que a opção de Francisco Fortunato por rumar a 200 graus, “à data, era uma avaliação correta”.

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Francisco Fortunato, à direita, escolheu o rumo mais adequado, segundo a sua experiênci­a da barra da Figueira

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