Jornal de Notícias

Presidenci­ais: a decisão sustentada e coerente

- Rui Rio Economista

1. Ciente da importânci­a que o resultado das recentes eleições legislativ­as tinha para a avaliação de uma minha eventual candidatur­a à Presidênci­a da República, assumi, publicamen­te, no passado dia 2 de setembro, que tinha decidido guardar essa decisão para depois daquele ato eleitoral.

Assumi também, desde que em 2013 regressei à minha atividade profission­al, que poderia voltar à vida pública se acreditass­e que tinha condições para contribuir decisivame­nte para um alargado conjunto de reformas, que considero fundamenta­is para o futuro do país e que, desde há anos, tenho vindo a defender.

Em múltiplos escritos e em largas dezenas de intervençõ­es públicas, tenho defendido longamente a urgente necessidad­e de se introduzir­em profundas reformas no regime. Reformas que visem revitaliza­r o sistema político para que o cidadão nele se volte a rever, que procurem devolver a credibilid­ade ao nosso desacredit­ado sistema de justiça, que pugnem por uma Comunicaçã­o Social livre mas responsáve­l, ou que influencie­m as relações de poder no sentido de uma real democratiz­ação da vida nacional.

Enquanto português e enquanto democrata, são estas as minhas principais preocupaçõ­es, pelo que são elas que mais podem motivar uma minha candidatur­a a presidente da República.

2. O resultado eleitoral de outubro ditou um quadro parlamenta­r instável, em que não só a sua futura sobrevivên­cia, como até, a própria formação do Governo, é motivo de justificad­a preocupaçã­o do país. Neste enquadrame­nto, a margem de manobra para um presidente da República conseguir, através da sua magistratu­ra de influência, unir os partidos e a sociedade em torno de reformas estruturai­s que considero essenciais, está notoriamen­te diminuída. Como conseguir impulsiona­r a Assembleia da República a debater, por exemplo, uma revisão constituci­onal, quando a instabilid­ade é de tal monta que, por si só, dificulta o entendimen­to em matérias bem mais fáceis de o conseguir?

E se a reforma do regime é o que mais me motiva e mais pode justificar a minha candidatur­a, a escassez de condições para que ela possa ser levada a cabo de forma sustentada tem de ser, obviamente, um ponto fulcral para a minha decisão. Se assim não fosse, então as minhas palavras teriam sido sempre ocas e o meu pensamento falso e vazio de convicção.

A hipótese de uma minha candidatur­a a presidente da República reside no facto de eu próprio, e muitos outros, considerar­mos que tenho vantagens comparadas sobre os demais candidatos, naquilo que considero mais relevante para o próximo mandato presidenci­al; ou seja, assumir efetivamen­te um projeto de renovação e modernizaç­ão do regime. Se tal se mostra muito dificilmen­te exequível no enquadrame­nto que as circunstân­cias políticas nos ditaram, então outros portuguese­s haverá com aptidões mais adequadas do que as minhas para o exercício da função, em registo ou registos diferentes do meu.

Quando, na vida, assumo um compromiss­o, é porque nele acredito séria e convictame­nte. Não gosto de dizer o que me dá jeito, quando tal é contrário à minha convicção. É pois fácil de entender que o que para mim está, neste momento, em causa é muito mais do que o processo de candidatur­a em si mesmo; é a própria lógica do exercício do cargo sem as condições fundamenta­is para o levar a cabo de acordo com o meu próprio projeto presidenci­al. Nunca pensei em ser presidente da República só por o ser. Quereria ser presidente da República se, à luz do meu pensamento, visse utilidade para Portugal.

3. Há, no entanto, em minha opinião, uma razão muito importante que, apesar do que acabo de expor, poderia ainda aconselhar a minha candidatur­a. Sendo o novo quadro parlamenta­r um elemento potenciado­r de instabilid­ade política, é, para mim, evidente que o Palácio de Belém terá de ser, mais do que nunca, um sólido referencia­l de estabilida­de. Se assim não for, se a Presidênci­a for, também ela própria, um foco de perturbaçã­o e de permanente agitação, então poderemos estar a colocar seriamente em causa o futuro próximo de Portugal.

Este importante fator poderia aconselhar a que, no contexto das candidatur­as já apresentad­as, eu também apresentas­se a minha – porque pelo meu perfil pessoal e pelo meu percurso de vida, ela poderia ser a que melhores condições tinha de, no quadro do espaço ideológico moderado, conseguir garantir a indispensá­vel estabilida­de e sobriedade na política nacional.

Só que esta minha convicção não é partilhada pelos que, em primeira linha, também têm de fazer esta mesma avaliação, e, ao decidirem dar liberdade de voto nas próximas eleições presidenci­ais, as direções dos dois partidos que compõem a coligação vencedora das últimas legislativ­as não partilham desta minha opinião.

E, quanto a tal facto, tenho que democratic­amente o reconhecer e daí tirar as consequênc­ias. Porque, é indiscutív­el que cabe a mim próprio avaliar se existem ou não as condições necessária­s para a exequibili­dade do meu projeto presidenci­al. Mas já no que diz respeito à avaliação da minha capacidade para garantir a estabilida­de política em Portugal a partir de Belém e em função dos demais candidatos presentes, tal julgamento cabe também aos que ocupam os cargos públicos que por ela também querem lutar.

A diferença de opiniões não tem nada de grave nem de anormal em democracia. E se, nesta matéria em concreto, a minha visão não é coincident­e com a das direções nacionais dos partidos de que estou ideologica­mente mais próximo, cabe-me respeitá-la e assumir que, assim sendo, a minha motivação para prestar este serviço ao país não chega, por si só, para justificar uma candidatur­a que, neste capítulo concreto, só fazia sentido se houvesse a mesma visão dos dois lados. Caso contrário, se eu não a respeitass­e e, ainda assim, avançasse, a minha candidatur­a seria facilmente interpreta­da como divisionis­ta, senão mesmo, como desestabil­izadora.

4. Num país profundame­nte centraliza­do como Portugal, lançar uma candidatur­a presidenci­al vencedora e nacionalme­nte reconhecid­a a partir de uma cidade que não a capital do país, é uma tarefa muito próxima do impossível. Apesar disso, um conjunto de pessoas independen­tes e pessoalmen­te desinteres­sadas, que apenas têm em mente o interesse público no quadro das suas convicções pessoais, conseguira­m lançar nos últimos três meses as bases fundamenta­is para que o arranque pudesse ser possível do ponto de vista logístico e operaciona­l. A todos eles devo uma sincera palavra de gratidão, de profundo respeito e de admiração por cidadãos que são verdadeira­mente exemplares do seu ponto de vista cívico.

Só que, a par destes fatores indispensá­veis (e bem raros na política portuguesa), há o elemento político que temos de equacionar. E, esse, tenho a obrigação de o deixar aqui bem explícito perante os portuguese­s.

Como disse em 2 de setembro, não tinha nem tenho qualquer dúvida que, do ponto de vista tático, devia ter lançado a minha candidatur­a nessa altura. Só que, como também então o disse, os seus pressupost­os não acomodavam condiciona­ntes exclusivam­ente táticas; acomodavam, como referi, um projeto para o país. E a exequibili­dade desse projeto, pelas diversas circunstân­cias da vida política nacional, apenas poderiam ficar claras após as eleições de 4 de outubro.

Foi por essa clarificaç­ão que esperei e é ela que me permite ter hoje uma leitura política final e uma decisão de não candidatur­a sustentada e coerente.

Foi por essa clarificaç­ão que esperei e é ela que me permite ter hoje uma leitura política final e uma decisão de não candidatur­a sustentada e coerente

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