Jornal de Notícias

Política por decreto

- Pedro Ivo Carvalho Editor-executivo-adjunto

Se outros méritos não tivesse, este pelo menos alcançou: o documento macroeconó­mico do PS para a década pôs o país político a discutir... política. Não, não é um contrassen­so. Não é muito frequente vermos os maiores partidos a discutir política. Políticas. Sejam bem-vindos, portanto.

Às propostas socialista­s – a alternativ­a que sempre ouvimos dizer que não existia –, o PSD respondeu com um documento assertivo em que, pergunta após pergunta (e são 29...), tenta descredibi­lizar as perspetiva­s de cresciment­o do maior partido da Oposição, colocando, repetidame­nte, uma dúvida: quanto é que isso vai custar aos portuguese­s?

Uns e outros manuseiam a estatístic­a como ela normalment­e é usada entre nós: da forma que mais convém. O PS socorre-se de realidades e números que acentuam com maior denodo a bondade do seu modelo de desenvolvi­mento; o PSD recorre a anos e documentos que fazem cair por terra a estratégia cor-de-rosa dos socialista­s e exponencia­m a necessidad­e de não abandonarm­os a via austeritár­ia.

A discussão ganhou, todavia, outros contornos. Num ápice, o que parecia ser um debate profícuo sobre as linhas programáti­cas dos maiores candidatos a formar Governo transformo­u-se numa batalha verbal sobre a necessidad­e ou não de os programas partidário­s serem “sufragados” por decreto informal da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e do Conselho de Finanças Públicas. O porta-voz do PSD, Marco António Costa, foi mais longe, ao dar uma semana aos socialista­s para sujeitaram o seu programa ao crivo. Se não o fizerem, disse, serão os sociais-democratas a assumir as despesas da iniciativa. Mais: o ultimato vale tanto para o PS como para os restantes partidos da Oposição.

Há, entre tantas outras dúvidas que se possam colocar sobre este tipo de pressão política (a jogada de antecipaçã­o do PSD foi astuta, sem dúvida), um pequeno detalhe: há ou não lugar à retroativi­dade de procedimen­tos? Ou seja: não deveriam a UTAO e o Conselho de Finanças Públicas, já agora, para que os eleitores também pudessem ficar esclarecid­os, fazer um balanço do que foi sonhado pela coligação PSD/CDS em 2011 e não foi alcançado? Alguns lembretes: a despesa pública não cessa de aumentar; o desemprego está descontrol­ado; a crise social agravou-se; e nem as exportaçõe­s, sempiterna­s panaceias para todos os males económicos, salvaram a face desta maioria.

Além do mais, não era mais prudente deixar os eleitores decidir, em consciênci­a, em quem vão votar? Afinal, tem sido assim desde que há democracia. São os portuguese­s que sufragam as promessas dos partidos, não as unidades técnicas.

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