Jornal de Notícias

Ilha do Mourão

- Carla Sofia Luz carlaluz@jn.pt

Isabel, avessa a “confusões”, aprecia o sossego do isolamento na ilha do Mourão. Mas a degradação aflige-a e sonha com uma casa em Canidelo (Gaia), junto ao mar. O mau estado é chamariz para intrusos: “Já fui assaltada às 3 horas da manhã. Julgam que não tem gente”.

“Há mais inseguranç­a. Só sinto medo de noite”

S. Vítor cresceu de olhos no rio, disparada para S. Lázaro e cheia de braços. Cada braço bem estendido da Rua do Bonfim (Porto) é uma ilha com casas que habitualme­nte passam de geração em geração. Isabel nasceu no seio dos Sampaios, que todos conhecem na rua, e foi morar para ilha do Mourão onde já viveu a bisavó e a avó. Viu gente chegar, viu gente partir, viu muitos casos de saídas forçadas por calotes na renda. “Quem vem para aqui, é tudo gente aflita: desemprega­dos ou com rendimento mínimo”.

E não admira que assim seja. A casa de Isabel é única em bom estado. Todas as outras não veem obras há anos e sofreram desmandos dos inquilinos intermiten­tes, garante a moradora que vive só com o marido na ilha. Reservada, gosta do sossego, de não dar satisfaçõe­s e de não ouvir os cochichos dos vizinhos. Só não gosta da inseguranç­a e da degradação. “Olhe que podridão, dona. As casas vão apodrecer todas. Só vai ficar a minha de pé”, sentencia. Tal como 28% das ilhas do Porto, a do Mourão, tem mais de metade das casas em mau estado ou ruína. Bonfim, Campanhã e Ramalde são as freguesias que somam mais exemplos, enuncia o estudo sobre as ilhas, que é apresentad­o hoje às 18 horas no Rivoli (ler caixa). 70% das casas vazias degradadas Vazio é sinónimo de decrepitud­e nas ilhas. 70,6% das habitações desabitada­s estão em mau estado ou em ruína. A maioria das ocupadas (69,9%) apresenta razoável estado de conservaçã­o. Na generalida­de das freguesias, há quase tantas casas em ruína como em bom estado. Em Nevogilde e em Massarelos, os

Maria Clara mudou-se para o Galo Preto com 10 anos e achou José, o amor da sua vida. Na juventude, sonhou com uma casa num bairro, quando faltava tudo. Hoje há conforto, amizade e solidaried­ade. “Agora, daqui vamos para o fundo da rua” onde está o cemitério.

Ilha do Galo Preto “Ir para bairros? Nem pensar. Sou da Baixa”

investigad­ores não encontrara­m uma única habitação com boas condições, enquanto em Santo Ildefonso destaca-se o equilíbrio entre os fogos razoáveis e os degradados (28% para cada um).

Os números indicam que, estejam habitadas ou devolutas, apenas 629 das 8265 casas das ilhas estão em bom estado. Maria Clara Ferreira, a Clarinha, assegura que a sua casa na Ilha do Galo Preto, paredes-meias com o núcleo do Mourão em S. Vítor, é uma das 629. O velho e o novo, duas faces das ilhas do Porto lado a lado, porta a porta.

“As pessoas foram fazendo as obras. Depois, veio um senhorio novo que fez as obras que faltavam. Todos têm casa de banho completa, água quente e saneamento”, atenta Maria Clara, com um olho no tacho e outro na missa transmitid­a pelo televisor. Ali, não há espaço para mais ninguém. É um longo corredor com mais de 20 habitações e todas têm inquilino. Os tanques de cimento, presentes na generalida­de dos núcleos, foram exilados. Tornaram-se obsoletos com as máquinas de lavar roupa.

O cão branco saltita em redor de Leonor, chupeta rosa na boca e ainda sem um ano feito. Avança passo a passo, com a boneca a fugir-lhe das mãos, no pátio afunilado entre roupa estendida e vasos. Bibi, a “tripeirinh­a” Beatriz de três anos nascida nas ilhas de S. Vítor, espreita por entre as pernas de Anabela. “Não há rivalidade entre as ilhas. Conhecemo-nos uns aos outros”, atira Anabela. Paula sobrepõe-se: “Os miúdos fazem como eu fazia, brincam na rua. Ainda se convive muito na rua, sobretudo no verão”. O S. João é festa de orgulho no Galo Preto. À entrada da ilha, exibem-se as placas das cascatas vitoriosas. “No ano passado, ganhámos as rusgas e esse espírito de festejarmo­s sempre juntos perdura”.

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