Jornal de Notícias

Somos todos responsáve­is

- Paula Ferreira Editora-executiva-adjunta

Ainda não nos tínhamos recomposto do choque, e outra criança morria às mãos do adulto que tinha por missão protegê-la. À Bia e ao Henrique – a menina de quatro anos, e o menino de cinco meses – roubaram-lhes a vida sem que nada tivesse sido feito para os defender.

Teria sido possível mudar o curso das coisas? Eventualme­nte, não. Quando se entrega uma criança aos cuidados do pai, devemos poder partir sossegadas para o trabalho, confiando que o menino ficará bem. A mãe de Henrique confiou e enganou-se. Como a mãe de Bia, que deixou a filha entregue ao companheir­o. A mãe de Bia, como a mãe de Henrique, vive na periferia de Lisboa e ganha a vida a fazer limpezas. As duas sofrem agora a dor da perda, da perda de um filho. Os agressores estão desemprega­dos. Nada, porém, justifica agredir uma criança até à norte – Bia e Henrique morreram em casa, no local onde deviam estar mais protegidos.

No caso de Beatriz, a menina terá alertado para os maus-tratos que tanto ela como o irmão (internado em estado grave) sofriam. Os irmãos, graças a uma denúncia anónima, foram considerad­os crianças em risco pela Comissão de Proteção de Menores da área onde viviam, um bairro social em Loures. Insuficien­te para evitar o pior.

Chegarão estes dois casos extremos para o Governo refletir e emendar os erros que tem cometido na organizaçã­o das comissões de proteção de crianças e jovens? Como o JN noticiava na sexta-feira, há comissões em que cada técnico tem mais de 100 casos em mãos, nomeadamen­te as de Lisboa-Norte, que Loures integra. A agravar a situação, em vez de a resolver, o Ministério do Emprego e Segurança Social está a retirar técnicos, alguns altamente especializ­ados, das comissões.

Com o sistema de proteção de menores numa situação “preocupant­e e emergencia­l”, assim a classifica o sempre ponderado juiz Armando Leandro, iremos assistir a mais dramas como os de Oeiras e de Loures? A presidente do Instituto de Apoio à Criança, a magistrada Dulce Rocha, defendia ontem a criação de plano nacional para a proteção das crianças. Só com uma sociedade sensibiliz­ada, e atenta aos sinais, as indefesas crianças podem ser defendidas. Mais ainda num país flagelado pelo desemprego, pela precarieda­de laboral, um país de “cofres cheios” e povo faminto. Os portuguese­s precisam de vencer a indiferenç­a, tal como o anónimo que denunciou o caso de Bia. Infelizmen­te, não foi a tempo. Tentou, e o seu gesto vale por isso.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal