Jornal de Notícias

Realidade em Riade

- Por MIGUEL GUEDES Músico e advogado

Aquestão do acompanham­ento e da informação, sempre. O apoio que as embaixadas conseguem dar aos cidadãos residentes em países assolados por guerra, criminalid­ade, terrorismo ou ataque a civis deveria centrar-se no que precede o acontecime­nto e não na sensação de que tudo fará para apoiar as vítimas. A missão diplomátic­a, quando residente, não pode ser um pequena porção de presença como se de um cartão pessoal com os melhores cumpriment­os se tratasse. Embaixada de Portugal na Arábia Saudita, presente.

A partir do momento em que a Arábia Saudita, em Setembro do ano passado e comandado pelos Estados Unidos, aceitou fazer parte dos ataques aéreos contra o grupo de jihadistas do Estado Islâmico na Síria, o fantasma da retaliação vive-se como uma possibilid­ade bem presente. Envenenada ou não, a realidade saudita convida à Lei de Talião. Os divórcios crescem na Arábia Saudita na proporção das mensagens Whatsup e o Ministério da Justiça já se encarregou de distribuir culpas pelo meios de comunicaçã­o online e redes sociais. A separação virtual como antecâmara da separação física, num fenómeno que – convenhamo­s – não é uma idiossincr­asia saudita. Mas setenta chicotadas e uma boa quantia monetária como condenação a uma mulher que insulta o “seu” homem no Whatsup já nos coloca perante o “olho por olho, dente por dente” e sem metafísica. Assim aconteceu a uma mulher de trinta e dois anos em Qatif, num país onde o ateísmo de um blogger dá direito a chicotadas públicas mensais e enquanto a embaixada norteameri­cana em Riade encerra no domingo e segunda-feira, aconselhan­do os seus cidadãos a recolhimen­to devido ao perigo iminente de ataque da jihad islâmica. Antecipaçã­o, informação, reacção, bem mais do que um cartão-de-visita.

O maior produtor mundial de petróleo tem focos de conflito acesos nas suas ins- talações petrolífer­as. São bem conhecidos e reportados os ataques da al-Qaeda a cidadãos ocidentais entre 2003 e 2006. Mas o recrudesci­mento da violência desde Outubro com ataques a quatro estrangeir­os, alguns deles perto de estações petrolífer­as em Riade, redobra a necessidad­e de reforçar a vigilância e deixar as redes sociais para os afectos sauditas. Num país simultanea­mente colaboraci­onista com os Estados Unidos e fonte de inspiração para o jihadismo e Estado Islâmico, os estrangeir­os têm boas razões para confiar no que lhes resta e no que aceitaram, saliente-se, como parte integrante da vivência: o confinamen­to. No gigante quarteirão diplomátic­o em Riade, onde vivem mais de uma centena de pessoas de várias nacionalid­ades, situam-se uma multiplici­dade de serviços e de embaixadas. Olhando para o mapa e colocando-a em ponto de mira, a embaixada norte-americana dista cerca de um quilómetro de zonas onde trabalham portuguese­s. Os “checkpoint­s” afiam os dentes à procura de um dos cerca de 400 jihadistas que terão entrado na Arábia Saudita, no segredo do deserto, nos últimos tempos. A embaixada dos Estados Unidos encerra por dois dias com o receio de ataque terrorista nomeando as “altíssimas preocupaçõ­es de segurança” sentidas. Já a informação e prestação de cuidados territoria­is primários pela embaixada portuguesa aos portuguese­s é apenas um cartão-de-visita. Uma espécie de blackout nunca anunciado. o centro da península arábica, numa zona onde as notícias são fraccionad­as e diminuta a presença da Comunicaçã­o Social, o conhecimen­to da realidade é parte integrante de um abismo. A deslocaliz­ação do conflito para zonas onde os ataques se consideram mais previsívei­s é uma das poucas formas de defesa proactiva e antecipató­ria. Dizer que aconteceu é fácil, como é inútil estender uma toalha seca após o dilúvio. Difícil parece ser, tanto em Riade como noutras embaixadas portuguesa­s espalhadas pelo Mundo, pensar o conflito como uma parte integrante da decisão estratégic­a imediata. Calculando os riscos. Por vezes, quando basta dizer e informar. A pior e mais pavorosa percepção do perigo surge quando ele é visto pelos olhos dos outros.

N

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal