Realidade em Riade
Aquestão do acompanhamento e da informação, sempre. O apoio que as embaixadas conseguem dar aos cidadãos residentes em países assolados por guerra, criminalidade, terrorismo ou ataque a civis deveria centrar-se no que precede o acontecimento e não na sensação de que tudo fará para apoiar as vítimas. A missão diplomática, quando residente, não pode ser um pequena porção de presença como se de um cartão pessoal com os melhores cumprimentos se tratasse. Embaixada de Portugal na Arábia Saudita, presente.
A partir do momento em que a Arábia Saudita, em Setembro do ano passado e comandado pelos Estados Unidos, aceitou fazer parte dos ataques aéreos contra o grupo de jihadistas do Estado Islâmico na Síria, o fantasma da retaliação vive-se como uma possibilidade bem presente. Envenenada ou não, a realidade saudita convida à Lei de Talião. Os divórcios crescem na Arábia Saudita na proporção das mensagens Whatsup e o Ministério da Justiça já se encarregou de distribuir culpas pelo meios de comunicação online e redes sociais. A separação virtual como antecâmara da separação física, num fenómeno que – convenhamos – não é uma idiossincrasia saudita. Mas setenta chicotadas e uma boa quantia monetária como condenação a uma mulher que insulta o “seu” homem no Whatsup já nos coloca perante o “olho por olho, dente por dente” e sem metafísica. Assim aconteceu a uma mulher de trinta e dois anos em Qatif, num país onde o ateísmo de um blogger dá direito a chicotadas públicas mensais e enquanto a embaixada norteamericana em Riade encerra no domingo e segunda-feira, aconselhando os seus cidadãos a recolhimento devido ao perigo iminente de ataque da jihad islâmica. Antecipação, informação, reacção, bem mais do que um cartão-de-visita.
O maior produtor mundial de petróleo tem focos de conflito acesos nas suas ins- talações petrolíferas. São bem conhecidos e reportados os ataques da al-Qaeda a cidadãos ocidentais entre 2003 e 2006. Mas o recrudescimento da violência desde Outubro com ataques a quatro estrangeiros, alguns deles perto de estações petrolíferas em Riade, redobra a necessidade de reforçar a vigilância e deixar as redes sociais para os afectos sauditas. Num país simultaneamente colaboracionista com os Estados Unidos e fonte de inspiração para o jihadismo e Estado Islâmico, os estrangeiros têm boas razões para confiar no que lhes resta e no que aceitaram, saliente-se, como parte integrante da vivência: o confinamento. No gigante quarteirão diplomático em Riade, onde vivem mais de uma centena de pessoas de várias nacionalidades, situam-se uma multiplicidade de serviços e de embaixadas. Olhando para o mapa e colocando-a em ponto de mira, a embaixada norte-americana dista cerca de um quilómetro de zonas onde trabalham portugueses. Os “checkpoints” afiam os dentes à procura de um dos cerca de 400 jihadistas que terão entrado na Arábia Saudita, no segredo do deserto, nos últimos tempos. A embaixada dos Estados Unidos encerra por dois dias com o receio de ataque terrorista nomeando as “altíssimas preocupações de segurança” sentidas. Já a informação e prestação de cuidados territoriais primários pela embaixada portuguesa aos portugueses é apenas um cartão-de-visita. Uma espécie de blackout nunca anunciado. o centro da península arábica, numa zona onde as notícias são fraccionadas e diminuta a presença da Comunicação Social, o conhecimento da realidade é parte integrante de um abismo. A deslocalização do conflito para zonas onde os ataques se consideram mais previsíveis é uma das poucas formas de defesa proactiva e antecipatória. Dizer que aconteceu é fácil, como é inútil estender uma toalha seca após o dilúvio. Difícil parece ser, tanto em Riade como noutras embaixadas portuguesas espalhadas pelo Mundo, pensar o conflito como uma parte integrante da decisão estratégica imediata. Calculando os riscos. Por vezes, quando basta dizer e informar. A pior e mais pavorosa percepção do perigo surge quando ele é visto pelos olhos dos outros.
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