O congresso
Aum congresso de cinema chama-se habitualmente festival. Uns têm instalações imponentes, muitos funcionários, grandes financiadores. Una nascem já grandes, outros do quase nada, apenas porque há um grupo de amigos que gosta de cinema. E se há alguns anos era fácil fundar um festival, pela novidade, por ter terminado a censura e haver muitos filmes por ver, hoje em dia a concorrência da Internet e da TV por cabo, as exigências técnicas da projeção e a concorrência dos emergentes dificultam a sobrevivência e a continuidade. Em Espanha, há mais de 200 festivais de cinema, por exemplo.
Com o Fantasporto a terminar, de que não vou falar obviamente por estar envolvida nele, pode ser interessante fazer uma ronda pelo mundo do cinema e dos festivais de cinema, alguns com características e vidas bem estranhas. Os mais resistentes tiveram sempre a mesma gente à frente e durante décadas. Foi o caso do maior de todos, o Festival de Cannes, em França, em que Gilles Jacob conseguiu fazer de uma pequena cidade que vivia à sombra de Nice, um dos maiores eventos mundiais. Cannes reúne cerca de 3500 jornalistas, congrega as maiores distribuidoras de cinema e os maiores produtores, realizadores e atores mais conhecidos. Suscitou ainda a construção de um edifício massivo, o Palácio dos Festivais, em que se realizam, além do festival e durante todo o ano, os maiores congressos do audiovisual na Europa. Claro que Jacob não esteve sozinho. Com ele esteve sempre o Governo francês que o financiou, os poderes locais que sempre o incentivaram e os empresários que patrocinaram porque compreenderam as potencialidades do que começou como uma festa de cinéfilos com “starlettes” meio despidas na praia que nos anos 50 promovia vedetas como Brigitte Bardot. E foi esta receita, feita de cinefilia, sensacionalismo e visão turística e empresarial que fez também de Cannes um lugar especial, com hotéis cheios todo o ano, lugar de extravagâncias e luxo, reino dos “paparazzi” e dos talentos emergentes. Não devemos, contudo, esquecer que a França defende a sua indústria cinematográfica com unhas e dentes, como todos os anos se pode ver na lista de filmes de competição, a maioria dos quais tem financiadores franceses. Pode-se argumentar que a França é um país central, tem dinheiro e uma sociedade liberal. É verdade. Mas libertou-se há muito da mentalidade reinante por cá, feita de compadrios e protecionismos.
Antes do Fantasporto, havia em Portugal o Festival de Cinema da Figueira da Foz em que José Vieira Marques era a cara principal. Durou cerca de 30 anos e acabou em 2002. É certo que, nos anos 70, o catálogo chegava no último dia do evento e a organização era um pouco caótica. Contudo, havia cinema. Estávamos sob a ditadura, mas foi lá que vimos cinema polaco, russo, checo, húngaro. Lá que se discutiam com liberdade os filmes que víamos e conhecemos Eduardo Prado Coelho, Lauro António, Fernando Lopes, Fonseca e Costa, gente que vivia o cinema todos os dias e sabia comunicar o seu amor cinéfilo. Outro baluarte da 7.ª Arte era dirigido por Fernando Duarte em Santarém, um festival que nasceu em 1971 numa cidade que teve um papel pioneiro na divulgação do cinema com uma sessão do animatógrafo em junho de 1896, no Teatro Rosa Damasceno. Tanto o festival da Figueira como o de Santarém não sobreviveram muito aos seus fundadores .
Há presentemente dois festivais que, com o meu Fantas, celebraram já três décadas. Muito antigo e ainda em atividade o FICA – Festival de Cinema do Algarve, que vai na 37.ª edição, o mais antigo do país dedicado à curta-metragem. E o Cinanima – Festival de Cinema de Animação de Espinho, também ainda pujante na sua 39.ª edição, que tem desde há muito um papel fundamental na divulgação deste tipo de cinema, e por onde já passaram os maiores nomes mundiais. E um dia, na eventualidade de acabarem, Portugal ficará mais pobre de facto, por muitos eventos similares que entretanto surjam. Porque todos estes foram feitos e duraram, pela generosidade pura de verdadeiros cinéfilos.