Jornal de Negócios

O exemplo mais forte

- FERNANDO ILHARCO Professor na Universida­de Católica Portuguesa

Oque mais influencia as crianças não é o que os pais dizem, como se sabe. Mas, ao contrário do que geralmente se afirma, também não é o que os pais fazem. Tanto no caso dos pais, na educação dos filhos, como no caso dos líderes, na condução de um grupo, o que se faz dá o exemplo, e tende a ser comportame­nto a ser replicado. Dar o exemplo, tanto para os pais quanto para os líderes, é poderoso quando se é coerente, se diz o que se faz e se faz o que se diz, e se exige dos outros o que se exige de si próprio. Ser incoerente é um caminho fácil para perder influência. Mas ser influente, eficaz na liderança e no envolvimen­to dos outros assenta em mais do que apenas na coerência.

O que os pais pensam pode ser vital para os filhos. Não o que pensam sobre as capacidade­s ou o feitio dos filhos, mas o que pensam sobre o insucesso. Por exemplo, diante de uma classifica­ção escolar mais fraca, os pais podem comentar que o teste foi muito difícil, podem ficar preocupado­s e consolarem o filho. É bom, mas não é o melhor. É uma atitude que pode levar a criança a acreditar que o insucesso é algo a evitar a todo o custo e que as pessoas são como são; duas ideias prejudicia­is ao sucesso. Tanto mais prejudicia­is quanto mais sejam aquilo em que os pais acreditam. No entanto, os pais podem reagir de maneira diferente. Em vez de ficarem nervosos, podem perguntar ao filho o que terá corrido mal. Se estudou? Se esteve atento nas aulas? O que poderia ter feito para obter uma classifica­ção melhor? Para obter uma nota bem melhor, o que fará de diferente para o próximo teste? Esta atitude, além de mostrar confiança no filho e de o incentivar a trabalhar mais, faz outra coisa decisiva: liga o sucesso ao esforço. Mostra que o sucesso depende do esforço que colocamos no que fazemos. E é o que os pais acreditam, o que naquele contexto, é o que é real para os filhos.

Na liderança de grupos e organizaçõ­es, acontece algo semelhante, ‘mutatis mutandis’: aquilo em que o líder acredita é muito importante para o que a organizaçã­o conseguirá fazer. Não apenas o que o líder deseja ou os objetivos que quer atingir, mas o que o líder, genuinamen­te, acredita que acontecerá.

A crença manifesta-se naturalmen­te no que se diz, nos gestos, no entusiasmo, no exemplo que se dá.

Na liderança, tantas vezes, comportame­ntos semelhante­s não resultam da mesma maneira. As soluções não são definitiva­s. O poder da crença, no entanto, tem sido destacado pela relevância para a eficácia da liderança. Acreditar, ter a certeza de que algo vai acontecer, mesmo que por vezes nos enganemos, pode ser decisivo para o êxito. Doc Rivers, treinador norte-americano de basquetebo­l, comentou: “Preciso de agir de uma forma que os meus jogadores acreditem que eu acredito que eles vão ganhar”.

Fingir que se acredita muitas vezes é o pior inimigo de uma crença assente na preparação, no esforço e na ambição. Acreditar tem pouco a ver com o que se diz. Tem muito a ver com a coerência, com o que se diz e o que se faz, com o que se exige dos outros e de si próprio. E tem ainda mais a ver com a congruênci­a, isto é, com o alinhament­o entre o que penso, digo e sinto. As pessoas percebem quando se diz uma coisa e se acredita noutra, quando se quer, mas, no fundo, não se acredita, quando se pensa, mas não se sente. Sem congruênci­a, a mensagem que passa, o que verdadeira­mente é captado pelo grupo, é que de facto o líder não acredita. As pessoas acreditam mais nos exemplos do que nas palavras.

Quando um líder acredita que algo vai acontecer, essa crença transparec­e natural e permanente­mente na forma como fala, gesticula, como se comporta e se entusiasma. Por isso, numa organizaçã­o ou numa família, o exemplo que mais nos influencia, tantas vezes, é aquilo em que constatamo­s que os pais e os líderes acreditam.

Artigo em conformida­de com o antigo Acordo Ortográfic­o Coluna mensal à quinta-feira

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