Uma lição sobre transição energética?
Que têm em comum a transferência da Secretaria de Estado da Energia para o Ministério do Ambiente (renomeado “e da Transição Energética”), aclamada por ambientalistas, e os protestos dos “gilets jaunes” em França? Nada, dirão uns. Ou talvez sim...
A ambas subjaz um refrato conceito de sustentabilidade, exclusivamente centrado no ambiente. Com implicações na transição energética.
Do conceito de sustentabilidade fazem parte dois outros pilares, um económico, outro social, cuja desconsideração, exclusivamente em favor do pilar ambiental, é receita para o “desastre”. Desenganem-se os que pensam poder haver descarbonização (sustentável) da economia sem sustentabilidade económica e social.
O elefante na sala, que poucos parecem querer discutir seriamente – sustentadamente! –, é que há uma “conta” a pagar pela transição energética. O protesto dos “gilets jaunes”, fora de “controlos” partidários e sindicais, trouxe ao baile esse elefante. Porque decorre da apresentação – social – dessa “conta”.
O governo francês parece ter querido financiar a transição energética (ecológica), ou pelo menos parte desta, com subidas no preço dos combustíveis (fósseis). E atingiu, “com estardalhaço”, uma “modesta classe média”, para quem a desutilidade marginal da medida seria aparentemente violenta. Numa frase, a sustentabilidade social da medida não parece ter sido adequadamente aferida. O resultado está à vista.
Qualquer que seja a solução para França, a lição para a Europa, Portugal incluído, é talvez de que fazer uma transição energética (leia-se, descarbonização da economia) sem transparência e ponderação na apresentação da “conta” final pode ter implicações graves. Mesmo que nem sempre na forma escolhida pelos “gilets jaunes”. O risco, inaceitável, é que venha a afetar socialmente os mesmos de sempre.
Tenhamos consciência. Uma transição energética em linha com o Acordo de Paris só é exequível com receitas públicas adicionais (e redireccionamento de outras) que a financiem – e.g. em inovação tecnológica, eficiência energética, benefícios fiscais, justiça social, redistribuição de riqueza, restruturação industrial, renovação infraestrutural, captura de CO2, ou equalização “norte-sul”. Não há alternativa. Adescarbonização da economia, no ritmo acelerado que se pretende, tem um custo elevado.
De tudo quanto tem transparecido sobre o Pacote “Energia Limpa para todos os Europeus”, o mais preocupante é exatamente a falta de clareza sobre, primeiro, qual será a “conta” da transição energética e, segundo, quem a suportará. Isto para já não falar do “irrealismo” de alguns objetivos e pressupostos. Porque a Europa está a querer fazer uma transição energética determinada “por decreto”, sem sólido suporte do lado da economia real e da justiça social. Nisso, estranhamente, os EUAparecem ter feito um caminho mais sustentável (mesmo que se questionem os níveis dos resultados alcançados). Porque a descarbonização foi feita através da recomposição da economia real.
Talvez haja aqui uma lição. Mesmo não tendo provavelmente pensado nesta questão específica, quando afirmou que Portugal precisa de acordos alargados para ser sustentável, o Presidente da República acertou na muche. Não é com antagonismos sociais bacocos e corporativos, de índole setorial, desfocados da realidade económica e social, que se fará uma transição energética de sucesso.