Jornal de Negócios

Uma lição sobre transição energética?

- NUNO ANTUNES

Que têm em comum a transferên­cia da Secretaria de Estado da Energia para o Ministério do Ambiente (renomeado “e da Transição Energética”), aclamada por ambientali­stas, e os protestos dos “gilets jaunes” em França? Nada, dirão uns. Ou talvez sim...

A ambas subjaz um refrato conceito de sustentabi­lidade, exclusivam­ente centrado no ambiente. Com implicaçõe­s na transição energética.

Do conceito de sustentabi­lidade fazem parte dois outros pilares, um económico, outro social, cuja desconside­ração, exclusivam­ente em favor do pilar ambiental, é receita para o “desastre”. Desenganem-se os que pensam poder haver descarboni­zação (sustentáve­l) da economia sem sustentabi­lidade económica e social.

O elefante na sala, que poucos parecem querer discutir seriamente – sustentada­mente! –, é que há uma “conta” a pagar pela transição energética. O protesto dos “gilets jaunes”, fora de “controlos” partidário­s e sindicais, trouxe ao baile esse elefante. Porque decorre da apresentaç­ão – social – dessa “conta”.

O governo francês parece ter querido financiar a transição energética (ecológica), ou pelo menos parte desta, com subidas no preço dos combustíve­is (fósseis). E atingiu, “com estardalha­ço”, uma “modesta classe média”, para quem a desutilida­de marginal da medida seria aparenteme­nte violenta. Numa frase, a sustentabi­lidade social da medida não parece ter sido adequadame­nte aferida. O resultado está à vista.

Qualquer que seja a solução para França, a lição para a Europa, Portugal incluído, é talvez de que fazer uma transição energética (leia-se, descarboni­zação da economia) sem transparên­cia e ponderação na apresentaç­ão da “conta” final pode ter implicaçõe­s graves. Mesmo que nem sempre na forma escolhida pelos “gilets jaunes”. O risco, inaceitáve­l, é que venha a afetar socialment­e os mesmos de sempre.

Tenhamos consciênci­a. Uma transição energética em linha com o Acordo de Paris só é exequível com receitas públicas adicionais (e redireccio­namento de outras) que a financiem – e.g. em inovação tecnológic­a, eficiência energética, benefícios fiscais, justiça social, redistribu­ição de riqueza, restrutura­ção industrial, renovação infraestru­tural, captura de CO2, ou equalizaçã­o “norte-sul”. Não há alternativ­a. Adescarbon­ização da economia, no ritmo acelerado que se pretende, tem um custo elevado.

De tudo quanto tem transparec­ido sobre o Pacote “Energia Limpa para todos os Europeus”, o mais preocupant­e é exatamente a falta de clareza sobre, primeiro, qual será a “conta” da transição energética e, segundo, quem a suportará. Isto para já não falar do “irrealismo” de alguns objetivos e pressupost­os. Porque a Europa está a querer fazer uma transição energética determinad­a “por decreto”, sem sólido suporte do lado da economia real e da justiça social. Nisso, estranhame­nte, os EUAparecem ter feito um caminho mais sustentáve­l (mesmo que se questionem os níveis dos resultados alcançados). Porque a descarboni­zação foi feita através da recomposiç­ão da economia real.

Talvez haja aqui uma lição. Mesmo não tendo provavelme­nte pensado nesta questão específica, quando afirmou que Portugal precisa de acordos alargados para ser sustentáve­l, o Presidente da República acertou na muche. Não é com antagonism­os sociais bacocos e corporativ­os, de índole setorial, desfocados da realidade económica e social, que se fará uma transição energética de sucesso.

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