Um Brexit sem saída
Theresa May cancelou ontem a votação parlamentar do acordo alcançado com a União Europeia para a efectivação do Brexit, evitando assim uma derrota anunciada. Pela tarde, a primeira-ministra britânica anunciou que vai encetar negociações com Bruxelas de carácter de urgência para discutir eventuais alterações à solução encontrada, em particular as fronteiras rígidas com as duas Irlandas. Logo de seguida, em resposta, a Comissão Europeia garantiu que não quer renegociar nem o acordo de saída, nem a declaração política que estabelece os termos do entendimento futuro entre o Reino Unido e a União Europeia.
A partir de agora todos os caminhos, além de serem possíveis (já o eram anteriormente), são admissíveis. Começando pela demissão da primeira-ministra e terminando na convocação de um novo referendo, sendo que no entretanto Londres e Bruxelas podem ensaiar diversas estratégias de “bluff”. Pelo caminho há várias alternativas, a convocação de eleições antecipadas ou um “hard” Brexit, isto é, uma saída sem acordo. A queda da libra diz quase tudo sobre a forma como os mercados avaliam o comportamento serpenteante do Governo de Theresa May.
Neste jogo de xadrez sobra uma certeza, a de que os defensores do Brexit mentiram quando garantiram, durante a campanha eleitoral, que a saída do Reino Unido da União Europeia iria ser fácil. Figuras como Boris Johnson ou Nick Farage, que agora se transformaram em actores secundários desta tragicomédia, prometeram algo que era impossível de concretizar e fizeram-no com a consciência plena de que as suas simplificações da realidade eram um logro e podiam ter custos elevados. Este novo impasse no Brexit é eloquente da facilidade com que se prometem coisas inexequíveis e da candura passiva dos eleitores que valida essas juras fáceis. Ou como disse Churchill, “uma mentira dá uma volta inteira ao mundo antes mesmo de a verdade ter oportunidade de se vestir”.
O Brexit já não era fácil. Esta marcha atrás de May, pressionada pelos deputados, torna-o mais difícil e de desfecho imprevisível. A Comissão Europeia não pode ceder porque tal seria visto como um sinal inequívoco de fragilidade. Já o Governo do Reino Unido não consegue fazer aprovar entre portas um acordo que negociou livremente. O Brexit é cada vez mais um episódio do “Yes Minister!”, mas sem graça.