Fintech, Regtech, Suptech: uma geografia financeira em constante mutação
Ainovação é origem e parte do processo evolutivo e do progresso da humanidade. O setor financeiro está acostumado às suas exigências, e tem de resto sido palco habitual de contínuos e rápidos processos de renovação exigindo dos respetivos atores uma intrínseca capacidade de ajustamento à mudança.
Dessa experiência, sabemos que a adaptação é tão mais bem conseguida quanto mais cedo forem percebidas as características e, muito importante, as consequências das transformações. Antecipar os impactos do rápido ritmo de inovação tecnológica, bem como das profundas alterações regulatórias que marcam as primeiras duas décadas do século XXI é, assim, um dos principais desafios tanto para a indústria como para os reguladores.
É neste espírito que a CMVM, o Banco de Portugal e a ASF se juntaram à Portugal FinTech para o lançamento da plataforma “Portugal FinLab – Where regulation meets Innovation”, à qual cria um canal de comunicação entre os reguladores e os inovadores na área dos serviços financeiros para, em conjunto, conseguirmos atrair e desenvolver inovação em Portugal.
A sustentabilidade dos mercados financeiros num contexto de evolução mais acelerada do que nunca exige, por um lado, um elevado padrão de eficiência, gerador de maiores poupanças e rendimentos e, por outro lado, como resultado das lições da recente crise financeira, um enquadramento regulamentar de acrescido rigor, refletido, entre outros, em sistemas de organização e “reporting” de informação transparentes e tempestivos, elevados padrões de controlo e gestão de risco e, de importância crucial, de modelos de governação e de tomada de decisão transparentes e baseados em reconhecidos princípios de ética e responsabilidade social
A rápida disseminação do fenómeno Fintech reacendeu, junto das autoridades, a questão da necessidade de transformação do próprio modelo de regulação e supervisão, garantindo a integridade e sustentabilidade dos mercados financeiros e a proteção e capacitação responsável e inclusiva dos agentes económicos.
É, assim, neste contexto, que se tem assistido, por parte das autoridades de um número crescente de jurisdições, ao acompanhamento e desenvolvimento de novas abordagens ao fenómeno Fintech, conceptualizadas designadamente nos processos hoje denominados de Regtech e Suptech, que importa caracterizar.
O termo Regtech pode traduzir-se na aplicação pelos agentes de mercado de um conjunto de soluções e instrumentos que, usando a inovação tecnológica, procuram responder de forma eficiente às crescentes exigências regulatórias e de “compliance”. A oferta destas soluções, não sendo nova, reveste-se hoje, num ambiente em que a digitilização é causa e efeito da democratização do próprio mercado, de uma granularidade e especificidade até hoje não vislumbráveis. A nova era de “dados intensiva”, comummente designada de era 3V (volume, velocidade e variedade), veio reforçar, por outro lado, a necessidade de atenção às matérias relativas à cibersegurança e, não menos importante, à, por vezes desafiante, compatibilidade com o cum- primento das novas regras de proteção de dados.
Ao se abordar o tema Regtech conflui-se naturalmente para outro ramal tecnológico em concomitante desenvolvimento, a Suptech, que pode ser definida como a aplicação da tecnologia à atividade de regulação e supervisão a qual deverá permitir às autoridades um controlo e gestão dos riscos abrangente e holístico baseando-os numa abordagem mais preditiva do que a resultante da extrapolação de comportamentos e informação históricos.
Alguns exemplos de transformações associadas ao fenómeno Suptech (ainda em fase piloto em algumas jurisdições) são a supervisão em tempo real, através da análise direta da informação à medida que é originada na instituição super- visionada; a supervisão baseada em resultados de exceção, identificando “outliers” que não configuram parâmetros predeterminados e desencadeando subsequentemente ações tempestivas de supervisão; supervisão de algoritmos em variadas atividades reguladas, tais como a transação de elevada frequência e aconselhamento e consultoria financeira robotizada.
A alteração do paradigma de funcionamento dos mercados e dos agentes económicos requer assim que também as autoridades sejam objeto de uma reconfiguração refletida nomeadamente numa abordagem de supervisão em que o conhecimento e utilização da tecnologia assumem relevo particular complementando, mas não substituindo integralmente, a abordagem tradicional, por vezes qualitativa, orientada por puros princípios económicos e/ou legais.
A CMVM, enquanto autoridade de supervisão, acompanha com proximidade e de forma proativa o processo de transformação que a envolve procurando antecipar os seus efeitos, capitalizando os respetivos benefícios e mitigando os riscos potenciais dele decorrentes.
A incorporação desta nova cultura tem benefícios tanto maiores quanto mais fluido o contacto, diálogo e partilha de experiências com outras autoridades e entidades relevantes. E é por isso que a CMVM tem vindo a celebrar protocolos de colaboração, com outros reguladores, com representantes setoriais como no caso do Portugal FinLab, mas também com algumas das mais prestigiadas universidades portuguesas. Isto ao mesmo tempo que continuaremos a apostar numa representação ativa e geradora de valor recíproco nos mais importantes fóruns internacionais, promovendo os melhores princípios e práticas, procurando sempre contribuir para uma adequada antecipação das mudanças que se adivinham.
A rápida disseminação do fenómeno Fintech obriga a mudanças no modelo de regulação.
A incorporação desta nova cultura tem benefícios tanto maiores quanto mais fluido o contacto.
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico