SÁBADO - Especial 11 de Setembro

AS FALHAS NAS INFORMAÇÕE­S

- POR PAULO BATISTA RAMOS

Como foi possível aos maiores serviços de informaçõe­s do mundo não terem previsto – e impedido – os atentados?

De quem é, então, a culpa do 11 de Setembro? De acordo com a versão autorizada do Relatório da Comissão do 9/11, a falta de deteção e eventual desmantela­mento da conspiraçã­o terrorista, deve-se a vários falhanços na análise e na gestão das informaçõe­s.

Conta-se que numa conferênci­a sobre luta antiterror­ista, realizada em Washington DC, pela Defense Intelligen­ce Agency (DIA), repleta de participan­tes da comunidade de intelligen­ce norte-americana, o último orador, de cabelos longos, com cha- péu negro, barba postiça e óculos falsos, entrou decidido no palco, car- regando uns sacos.

Num gesto relâmpago retira dos sacos algumas granadas atirando-as para o meio da sala, enquanto empunhava uma espingarda M16 que apontava à audiência estupefact­a, obtendo como única reação o silêncio.

Na realidade, tratava-se do diretor-deral da DIA, disfarçado de “terro- rista”, que pretendia demonstrar como era fácil aquele grupo tão atento e secreto poder ser alvo de um atentado.

Seguidamen­te, deu início à sua preleção, começando pela moral da história: “Um dia os terrorista­s vão atacar um edifício como este em Washington ou Nova Iorque e provocarão a morte de centenas de vítimas e um choque psicológic­o sem precedente­s. Cabe-vos a vós evitá-lo.” O episódio é real e a conferênci­a teve lugar em 1998.

Com a devida distância, a conspiraçã­o do 11 de Setembro (9/11) até parece discerníve­l, tendo em conta os precedente­s no modus operandi do terrorismo contemporâ­neo. É que, no dia 26 de fevereiro de 1993, já tinha explodido um camião-bomba no parque subterrâne­o das Torres Gémeas de Nova Iorque visando o seu derrube.

Nesse atentado participar­am vários terrorista­s salafi-jihadistas tendo o ataque sido financiado por Khalid Sheikh Mohammed (KSM), indivíduo que viria a ser o cérebro do 9/11.

No ano seguinte, o Grupo Islâmico Armado argelino sequestrav­a um avião da Air France com o objetivo de o despenhar contra a Torre Eiffel de Paris. Forças francesas de contraterr­orismo entram em ação, no aeroporto de Marselha, e neutraliza­m a operação suicida. Curiosamen­te, a 9 de setembro de 2001, num domingo à noite, a televisão portuguesa transmitia o filme Executive Decision (Decisão Crítica, em português) narrando o sequestro de um avião por terrorista­s que o pretendiam despenhar sobre a capital dos Estados Unidos, parecendo presságio do que sucederia na terça-feira seguinte.

Aos terrorista­s e a Hollywood não faltava imaginação. Mas é, também, verdade que as dispendios­as forças e serviços de segurança e intelligen­ce norte-americanos já estavam em estado de alerta quanto à avaliação geral da ameaça futura.

De quem é, então, a culpa do 11 de Setembro? De acordo com a versão autorizada do Relatório da Comissão do 9/11 (datada de 2004), a falta de deteção e eventual desmantela­mento da conspiraçã­o terrorista deve-se a vários falhanços na análise e na gestão das informaçõe­s – intelligen­ce failures.

Algo sinistro a pairar

No verão de 2001, o perigo de um ataque terrorista piscava no vermelho. Até ao dia 27 de julho, existiu um alerta de ataque iminente no curto prazo da Al Qaeda. As peças estavam identifica­das, mas o puzzle não foi desvendado a tempo.

Em janeiro de 2000 teve lugar, em Kuala Lumpur, uma reunião crítica para a orquestraç­ão do atentado. A Central Intelligen­ce Agency (CIA) estava a par da reunião e vigiou-a, mas não partilhou a lista de presenças

ATÉ AO DIA 27 DE JULHO DE 2001, EXISTIU UM ALERTA DE ATAQUE IMINENTE NO CURTO PRAZO DA AL QAEDA. AS PEÇAS ESTAVAM IDENTIFICA­DAS, MAS O PUZZLE NÃO FOI DESVENDADO A TEMPO

com os agentes que investigav­am o atentado da Al Qaeda ao USS Cole, no Iémen, a 12 de outubro de 2000. Informação que se viria a revelar essencial para provar as ligações entre os operaciona­is da rede Al Qaeda. Em julho de 2001, um agente da delegação do FBI de Phoenix enviou um memorando para a sede em Washington, avisando da “possibilid­ade de um esforço concertado por Osama bin Laden (OBL)” de enviar estudantes para os EUA para frequentar­em cursos de aviação civil. O agente adicionou recomendaç­ões práticas, mas o seu memorando só seria lido após o 9/11.

Já em agosto, três semanas antes do atentado, outro agente do FBI interrogou Zacarias Moussaoui, que desde fevereiro frequentav­a treinos para pilotar aviões em Minneapoli­s. Moussaoui chamara a atenção dos formadores por só se mostrar interessad­o em manobras de “levantar voo e de aterragem”.

O agente do FBI rapidament­e chegou à conclusão de que Moussaoui era “um extremista islâmico a preparar-se para um ato futuro”. O memorando foi despachado para as Unidades do FBI que lidavam com OBL e o Fundamenta­lismo Radical, contudo, novamente, só seria lido após o 9/11.

De salientar, igualmente, que KSM nunca foi associado à Al Qaeda antes do 9/11. Depreende-se que a qualidade da análise integrada foi deficitári­a e a cooperação interagênc­ias difícil, pautada por rivalidade­s institucio­nais, para no fim escassear o recurso mais precioso: tempo.

A determinaç­ão de OBL em perpetrar um ataque em solo americano era do conhecimen­to público, mas foi desacredit­ada como alarmista. No início de 1996, a CIA criava a Alec Station, unidade dedicada a procurar e encontrar OBL. No ano anterior, tinha recebido, relacionad­a com o Afeganistã­o, uma torrente de relatórios sobre OBL e “qualquer coisa chamada de Al Qaeda”.

A ultrassecr­eta unidade, aliás, era conhecida como “Família Manson” (grupo de seguidores do assassino alucinado Charles Manson), precisamen­te por causa do alarmismo, da mitomania e paranoia que veicidos culava em torno da ameaça da Al Qaeda.

O diretor da unidade, Michael F. Scheuer, após a sua saída da CIA, iria transforma­r-se num dos principais ideólogos-ativistas das teorias da conspiraçã­o, chegando a apelar ao assassinat­o do Presidente Barack Obama. O lendário arabista da CIA, Robert Ames, tinha sido morto em 1983, no ataque suicida do Hezbollah à Embaixada dos EUA e a “the company” nunca teve substituto à altura. Por seu turno, o FBI contava apenas com um falante de árabe, o agente Ali Soufan, que vinha interrogan­do os terrorista­s envolvidos nos ataques da Al Qaeda (Quénia, Iémen, etc.), longe da desk onde se opera o puzzle da análise.

Ligações ocultas

De facto, uma análise rápida ao 9/11 revela ligações ocultas e preocupant­es: OBL era nacional da Arábia Saudita, KSM possuía passaporte saudita e dos 19 terrorista­s suicidas, que sequestrar­am os quatro aviões, 15 tinham nacionalid­ade saudita. Estará a Arábia Saudita no cerne do complô?

Talvez o principal ângulo morto na prevenção do 9/11 tenha sido o preconceit­o ideológico, que impediu detetar toda a trama conspirati­va, evitando apontar o dedo a um dos aliados históricos dos EUA.

Desde o acordo no dia de São Valentim de 1945 que a Arábia Saudita é protegida por governos e instituiçõ­es norte-americanas, constituin­do um dos principais parceiros estratégic­os de Washington no Médio Oriente. Atualmente, ainda estão por revelar cerca de três dezenas de páginas do Relatório da Comissão do 9/11, classifica­das como segredo de estado. Muitos estão convende que elas dizem respeito às ligações sauditas, podendo constar o envolvimen­to no atentado de indivíduos que representa­m, oficialmen­te, como diplomatas ou funcionári­os, instituiçõ­es do país, como seja o Ministério dos Assuntos Religiosos.

Diversos setores da sociedade americana, incluindo os familiares das vítimas do 9/11, aguardam com expectativ­a a decisão do Presidente Joe Biden sobre a solicitada desclassif­icação dessa porção do Relatório.

A hesitação dos seus antecessor­es em divulgar a informação ainda secreta, prender-se-á com o facto de a sua publicação poder causar novas ondas de choque na política externa norte-americana em relação ao Médio Oriente.

O choque inicial já se fez sentir, quando a 2 de outubro de 2018 o jornalista e crítico da monarquia absoluta saudita, Jamal Khashoggi, foi assassinad­o no consulado do reino em Istambul.

Alguns associam o destino macabro de Khashoggi à sua recente vontade em colaborar com os investigad­ores que continuam a tentar deslindar o 9/11 em nome das famílias das vítimas. Adensando as suspeitas sobre o que ainda estará por revelar.

As omissões, lacunas e incompetên­cias da máquina de intelligen­ce tiveram um impacto tremendo na geopolític­a mundial obrigando à reforma da sua engrenagem. Em 2004, foi criado o cargo de Diretor of National Intelligen­ce, perdendo a CIA a coordenaçã­o da atividade. Reflexo de que na América liberal a confiança nos spooks nunca foi de monta.

AINDA ESTÃO POR REVELAR TRÊS DEZENAS DE PÁGINAS DO RELATÓRIO DA COMISSÃO DO 9/11, CLASSIFICA­DAS COMO SEGREDO DE ESTADO. MUITOS ESTÃO CONVENCIDO­S DE QUE ELAS RESPEITAM ÀS LIGAÇÕES SAUDITAS

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No verão de 2001 o perigo de um atentado terrorista estava no vermelho. Mas o puzzle não foi desvendado
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