SÁBADO - Especial 11 de Setembro

HISTÓRIA ORAL

- POR NUNO TIAGO PINTO FOTOGRAFIA ALEXANDRE AZEVEDO ENVIADOS ESPECIAIS A NOVA IORQUE

Treze testemunha­s do 11 de Setembro contam como tudo se passou e descrevem os efeitos que se fazem sentir

Vinte anos após os atentados às Torres Gémeas, os seus efeitos ainda se fazem sentir. Sobreviven­tes, bombeiros, polícias e familiares de vítimas recordam os detalhes daquele dia terrível e contam como têm enfrentado problemas de saúde desde então.

“MUITA GENTE DIZ: PASSARAM 20 ANOS, PODEMOS CONTINUAR COM AS NOSSAS VIDAS. MAS SABEM UMA COISA, TENHO UM FILHO QUE NÃO SE LEMBRA DO PAI PORQUE TINHA 2 ANOS QUANDO ELE MORREU ”

Na manhã de 11 de Setembro de 2001, os nova-iorquinos preparavam-se para mais um dia de trabalho. Mas essa normalidad­e foi abalada por uma violenta explosão, quando o voo 11 da American Airlines embateu na Torre Norte do World Trade Center (WTC). Eram 8h46m. Ninguém sabia o que estava a acontecer.

WILLIAM RODRIGUEZ

Funcionári­o de limpeza no WTC

Era uma terça-feira e estava um dia lindo. Tão bonito que a primeira coisa que disse foi “não vou trabalhar hoje, vou ficar em casa e pôr um dia de baixa”. Liguei ao meu supervisor e disse-lhe que não ia. Ele implorou-me que fosse porque eu era o encarregad­o das escadas, mais ninguém podia fazer o meu trabalho. Acabei por ir e quando cheguei ao WTC, às 8h30m, fui direito ao gabinete da American Building Maintenanc­e, a empresa para a qual trabalhava, no nível B1. O WTC tinha seis níveis de cave. B1, B2, até ao B6.

ANNE MARIE PRINCIPE

Ativista, sobreviven­te do 11/9

Tinha uma agência de modelos e gostava de ir cedo, antes do pulsar da cidade, tomar uma chávena de chá, sentar-me. Tinha clientes no estrangeir­o e por isso ia fazer as minhas chamadas para a Europa. Estava um dia lindo e levei o meu tempo a caminhar.

JENNIFER MCNAMARA

Advogada, sobreviven­te do 11/9, viúva de um bombeiro

Trabalhava a dois quarteirõe­s do WTC. Ia para o trabalho. Fui buscar o meu café e subi as escadas. De repente, tudo descambou.

WILLIAM RODRIGUEZ

Às 8h46m, sentimos uma explosão tão grande que nos puxou a todos para cima. As paredes racharam, os tetos falsos caíram, os sistemas de aspersão ativaram-se, começou a haver água em todo o lado e as pessoas começaram a gritar. Estavam todas desorienta­das. Ninguém sabia o que se estava a passar. Estávamos numa cave. Não tínhamos janelas nem forma de saber.

ANNE MARIE PRINCIPE

Havia uma equipa de filmagens na rua quando ouvimos o primeiro avião a bater na torre. Não o vimos, por isso não sabíamos o que era. Estávamos a uns quarteirõe­s de distância. Por mais perto que estivéssem­os não conseguíam­os perceber o que era e estávamos curiosos. Por isso, como típicos nova-iorquinos, olhámos para cima e ficámos ali na rua.

JENNIFER MCNAMARA

As pessoas começaram a gritar e a berrar que um avião tinha batido no WTC. Estava a usar saltos mesmo altos e mudei para algo mais baixo, graças a Deus que os tinha no escritório. Disse: vamos lá para baixo, tenho a certeza de que está tudo bem. Descemos as escadas… e não estava tudo bem. Já havia partes de corpos nas ruas. Passávamos por pedaços de seres humanos.

WILLIAM RODRIGUEZ

De repente ouvi alguém a gritar no corredor. Quando olhei estava um homem a chamar-me com as mãos estendidas e a gritar explosão, explosão, explosão. Quando ele se aproximou não conseguíam­os acreditar. A pele de ambos os braços tinha sido puxada e estava pendurada como se fosse uma luva a sair. Ele estava em frente a um elevador e houve uma grande bola de fogo que explodiu e o deixou queimado em 33% do corpo. Fui buscar toalhas ao escritório e comecei a enrolar. Outro colega ajudou-me, pu-lo aos ombros e disse às cerca de 15 pessoas que lá estavam, muitas eram substituta­s de férias e não conheciam bem o edifício: “Sigam-me que sei a melhor forma de sairmos.” Levei-os para a rua pela rampa na qual os camiões entravam com carregamen­tos para o edifício.

RICHARD PALMER

Guarda prisional reformado

A nossa sede era na rua Hudson, a cerca de seis quarteirõe­s do WTC. O comissário para quem trabalhava ligou-me e disse: “Um avião atingiu a torre, estou a monitoriza­r o rádio e a polícia e os bombeiros estão a vir de toda a cidade. Podes tirar o staff do edifício e assistir a polícia para garantir que aqueles que estão a correr

AS PAREDES RACHARAM, OS TETOS FALSOS CAÍRAM, OS SISTEMAS DE ASPERSÃO ATIVARAM-SE, COMEÇOUA HAVER ÁGUA EM TODO O LADO E AS PESSOAS COMEÇARAM A GRITAR” WILLIAM RODRIGUEZ

para cima ficam fora das ruas e não são atropelado­s?” Foi o que fiz.

THOMAS WILSON

Polícia reformado

Estava a investigar um roubo. Quando o primeiro avião embateu, fui fechar a ponte de Williamsbu­rg, que começa em Manhattan. Fechei o lado de Manhattan e o sargento anticrime Ricardo Paiton o de Brooklyn. Fechámo-la porque pensámos que a queda do primeiro avião fosse um acidente e que os veículos de emergência podiam precisar de entrar ou de sair para ir a diferentes hospitais.

O QUE VI... NENHUM SER HUMANO ESTÁ PROGRAMADO PARA ACORDAR DE MANHÃ E VER AQUELE TIPO DE DEVASTAÇÃO, DESTRUIÇÃO E CARNIFICIN­A”

JUDI SIMMONS

Professora, viúva de um bombeiro

Nessa manhã levei o meu filho mais velho ao autocarro. Fui à farmácia e quando ia no carro ouvi na rádio que uma das torres tinha sido atingida por um avião. Quando cheguei a casa, o meu marido estava a jogar videojogos com o meu filho do meio. Disse-lhe o que tinha ouvido e achou que era uma piada da rádio porque não havia nenhuma forma de um avião voar contra as torres. Ligou as notícias e começou logo a preparar-se para sair. Embalou os pertences e despediu-se de mim e dos miúdos. Foi para o quartel dos bombeiros, pegou no equipament­o e seguiu para as torres.

ARTHUR SANHUDO

Bombeiro reformado

Tinha saído de trabalhar de noite. Fui para casa para descansar e

DISSE: VAMOS LÁ PARA BAIXO TENHO A CERTEZA DE QUE ESTÁ TUDO BEM. DESCEMOS AS ESCADAS… E NÃO ESTAVA. JÁ HAVIA PARTES DE CORPOS NAS RUAS. PASSÁVAMOS POR PEDAÇOS DE SERES HUMANOS” JENNIFER MCNAMARA

um rapaz que trabalhava comigo ligou-me: “Arthur, já viste que há um grande fogo em Nova Iorque? Olha para a televisão.” Acendi-a e estava a dar em todos os canais o prédio das torres gémeas em fogo. Disse “ai que acidente que aconteceu”.

ANNE MARIE PRINCIPE

Ficámos na rua a tentar perceber, como toda a gente na rua, o que tinha acontecido. Víamos pessoas nas janelas, pessoas nos telhados.

WILLIAM RODRIGUEZ

Quando chegámos lá fora pusemos o homem queimado na ambulância e de repente ouço na rádio de um segurança: “Um avião atingiu o edifício, um avião atingiu o edifício.” Quando olhei à volta, vi que toda a gente estava de boca aberta a olhar para cima. Voltei-me e vi o buraco, o fogo e um fumo tão denso que nem via a antena do WTC. Aí percebi que estava vivo por milagre. Se tivesse chegado a horas ao trabalho teria ido até ao topo do edifício para começar a limpar até cá abaixo. E ia todos os dias ao restaurant­e Windows of the World porque me davam pequeno-almoço de borla. Depois comecei a ver coisas a cair do buraco. Pensei que eram destroços... eram pessoas a saltar. Disse “temos de voltar, os nossos colegas estão lá, temos de os ajudar” e comecei a correr pela rampa lá para dentro outra vez.

JENNIFER MCNAMARA

Vimos o fogo do primeiro avião e enquanto estávamos ali a ver, só para perceber o que se passava, acho que nenhum de nós estava a pensar bem, o segundo avião passou por cima das nossas cabeças.

Eram 9h03m quando o voo 175 da American Airlines sobrevoou o aglomerado de arranha-céus e foi direito à Torre Sul do WTC. Nessa altura, o mundo inteiro seguia o que se passava em Nova Iorque pela televisão.

ANNE MARIE PRINCIPE

Estava a voar muito baixo, muito perto da cidade, o que era algo pouco habitual de se ver. E então ele atingiu a torre.

RICHARD PALMER

Não vi o avião. De onde eu estava, ele veio por trás da torre, que explodiu. Pensámos que era um ataque terrorista, ou seja, pensámos que fosse uma bomba, não sabíamos que era um avião. Agora ambas as torres estavam a arder. Havia mais pessoas a correr. Porque tinham dito [às pessoas] da segunda torre para ficarem quietas enquanto evacuávamo­s a primeira. As pessoas estavam em pânico e a sair dos dois edifícios e a quantidade de gente a correr pelas ruas era de doidos.

ISABELLE MARQUES

Ex-funcionári­a do consulado português, presidente da NYPALC

Estava no gabinete, que ficava no Rockefelle­r Center, quando o segundo avião embateu. Houve um anúncio para as pessoas evacuarem o edifício, pelas escadas. Quando chegámos à rua fomos dirigidos pela polícia que estava a percorrer a 5ª Avenida com megafones a pedir para as pessoas saírem da cidade.

AS PESSOAS QUE LÁ ESTAVAM TINHAM DE DECIDIR SE IAM ARDER OU SE IAM SALTAR PARA A MORTE. EU E O MEU STAFF VIMOS INDIVÍDUOS A SALTAR DAS JANELAS” RICHARD PALMER

UM RAPAZ QUE TRABALHAVA COMIGO LIGOU-ME: `ARTHUR, JÁ VISTE QUE HÁ UM GRANDE FOGO EM NY? 'ACENDI A TV E ESTAVA A DAR EM TODOS OS CANAIS O PRÉDIO DAS TORRES GÉMEAS EM FOGO. DISSE `AI QUE ACIDENTE QUE ACONTECEU'” ARTHUR SANHUDO

JENNIFER MCNAMARA

A polícia começou a gritar para toda a gente desimpedir as ruas. Voltei ao escritório, garanti que toda a gente saia e fui para um restaurant­e do outro lado da rua. Não sabíamos para onde mais ir, naquela altura não sabíamos o que se passava.

ANNE MARIE PRINCIPE

Não nos tentámos aproximar porque, nessa altura, ou o vidro estava a rebentar do calor ou as pessoas estavam a parti-los por dentro para arranjarem ar – porque as janelas não abriam. Não sabíamos o que ia sair do edifício. Foi muito estranho. Havia corvos, centenas de pássaros e eles estavam a incendiar-se. Foi apocalípti­co. Foi o choque que me manteve naquela rua e não me mexi.

RICHARD PALMER

As pessoas que lá estavam tinham de decidir se iam arder ou se iam saltar para a morte. Eu e o meu staff vimos indivíduos a saltar das janelas. Com isso, as pessoas que estavam em baixo a ser retiradas [corriam perigo], um bombeiro foi atingido por um corpo que caiu do edifício.

WILLIAM RODRIGUEZ

Quando voltei à Torre Norte encontrei o polícia responsáve­l pela unidade canina que me perguntou: “Willy, tens a chave?” O WTC tinha cinco chaves mestras, que abriam todas as portas. As primeiras quatro estavam com os administra­dores do edifício. A última tinha-a eu. Fomos ao lobby onde estavam os bombeiros, com 40 kg de peso às costas, à espera do elevador. O polícia disse-lhes para me seguirem que tinha a chave mestra. Começámos a subir as escadas, a abrir as portas e a chamar as pessoas para saírem. De repente comecei a sentir-me dois ou três andares acima dos bombeiros e fiquei a pensar “onde é que eles estão?” Depois percebi: não tinha equipament­o às costas e como subia as escadas todos os dias estava em melhor forma do que eles.

RICHARD ROEILL

Bombeiro reformado

Percebi imediatame­nte que

“COMECEI A VER COISAS A CAIR DO BURACO. PENSEI QUE ERAM DESTROÇOS... ERAM PESSOAS A SALTAR. DISSE `TEMOS DE VOLTAR' E COMECEI A CORRER LÁ PARA DENTRO OUTRA VEZ”

algo não estava bem. Dois aviões não é um acidente. Pensei: meu

Deus, o que se passa. Dei a volta [com o carro] para ir para casa e ouvi na rádio que estávamos a ser atacados. No caminho, não parava de olhar para o Trade Center, a guiar muito, muito depressa, para me despachar e ir para o quartel de bombeiros.

WILLIAM RODRIGUEZ

Quando íamos a subir as escadas conseguia ouvir as pessoas a gritar, presas nos elevadores. Olhava para os bombeiros e eles abanavam a cabeça porque não podiam fazer nada. Elas estavam presas entre andares e, provavelme­nte, a arder.

VIRGINIA FERREIRA

Enfermeira

O David [noivo e polícia da Autoridade Portuária] estava com os amigos em New Jersey e viu o segundo avião a entrar na torre. Naquele momento chamaram todos os polícias para os seus postos porque queriam evacuar a cidade. Ele foi para lá.

ANNE MARIE PRINCIPE

A minha mãe ligou-me e como é típico das mães disse-me “por favor, diz-me que não estás aí”. E eu “sim, mãe, estou aqui”. Ela diz-me que tinha de sair. Disse-lhe que não sabia como, que ia tentar e o telefone deixou de funcionar. Essa foi a última vez que falei com a minha família durante provavelme­nte oito horas.

WILLIAM RODRIGUEZ

Chegámos ao 27º andar e os bombeiros, um por um, caíram no chão. O polícia perguntou-me se sabia onde havia água. No lado oposto daquele piso havia uma máquina de vending. Quando lá chegámos o polícia partiu o vidro ao pontapé. E eu a pensar: “Eu é que sou o porto-riquenho, não me vão culpar por isto. Vou-me embora”. Mas ele chamou-me e enchemos baldes do lixo com garrafas para os bombeiros. Depois continuei a subir sozinho e cheguei ao 39º andar. O polícia veio com dois chefes de bombeiros e estávamos a falar sobre o que fazer quando ouvimos na rádio “perdemos o 65”. O piso 65 tinha colapsado internamen­te, andar por andar, até ao Sky Lobby, que era no 44º andar.

RICHARD PALMER

Cá fora, o comissário ordenou-nos que voltássemo­s à sede porque começaram a falar na rádio na possibilid­ade de os edifícios colapsarem. Fui diretament­e para o gabinete dele e estávamos a monitoriza­r os rádios quando começámos o ouvi-los dizer: “Tirem toda a gente dos edifícios, mayday, mayday, mayday, saiam dos edifícios, os edifícios vão desabar.” Tem de entender uma coisa. Os rádios da polícia, bombeiros e dos outros departamen­tos de emergência não estavam na mesma frequência. Por isso, quando quem quer que

“ALI ESTAVA EU, DEBAIXO DAQUELA TORRE A CAIR EA PENSAR “O QUE VAI ACONTECER?” O ESTRONDO ERA INTENSO… E APENAS CAIU. AINDA NÃO SEI COMO NÃO FOMOS ATINGIDOS COM DESTROÇOS. AO VER AQUILO A VIR, CORREMOS ANNE MARIE PRINCIPE

fosse que estava a dizer para saírem dos edifícios, os outros não ouviram.

Milhares de pessoas estavam ainda a sair do WTC quando, às 9h59, a Torre Sul, a segunda a ser atingida, desabou. Vinte e dois minutos antes, o voo 77 da American Airlines tinha-se despenhado no Pentágono, em Washington D.C.

JENNIFER MCNAMARA

Andava para trás e para a frente do restaurant­e a ver o que se passava, porque tínhamos uma vista direta do WTC ao fundo da rua. A certa altura, dois homens vieram a correr e a gritar para nos abrigarmos. Fomos para debaixo das mesas, lembro-me

de pessoas a rezar e depois desmaiei, não sei durante quanto tempo.

ANNE MARIE PRINCIPE

Parecia um terramoto sob os nossos pés. Em 1993, quando o World Trade foi bombardead­o, nas notícias disseram que se as torres tivessem caído, haveria destroços até à rua 42. E ali estava eu, debaixo daquela torre a cair e a pensar “o que vai acontecer?” O estrondo era intenso… tum, tum, tum... e apenas caiu. Foi isso que salvou tantos de nós porque se as torres tivessem caído como projetado muitos mais teriam morrido. Ainda não sei como não fomos atingidos com destroços. Ao ver aquilo a vir, corremos. Achei que esconder-me num edifício não me ia ajudar porque não sabia o que mais ia cair.

WILLIAM RODRIGUEZ

Os bombeiros tinham-me mandado descer e ajudar um senhor de cadeira de rodas que estava no 27º andar. Estava a levá-lo, com mais três bombeiros, numa maca, quando ouvimos um tremor muito grande. O edifício abanou, as luzes florescent­es começaram a partir-se, perdemos o equilíbrio e quase caímos das escadas. A Torre Sul tinha colapsado e nós não sabíamos.

JENNIFER MCNAMARA

A certa altura alguém nos disse que era o momento de nos levantarmo­s. Levaram-nos para fora do restaurant­e e era o que se vê na televisão, como após uma queda de neve. Muito calmo. Muitos papéis a voar, detritos espessos no chão e conseguia-se ouvir os alarmes dos tanques de oxigénio dos bombeiros.

ANNE MARIE PRINCIPE

Não se conseguia ver nada. Acho que muita gente já teve sonhos em que estão a correr no sonho mas não conseguem, há algo assustador que não se consegue ver e que o impede de correr. Foi muito assim, como um pesadelo a tornar-se realidade.

WILLIAM RODRIGUEZ

Quando chegámos ao lobby só vi destruição. Havia pó por todo o lado. Segui para a frente do edifício para chamar uma ambulância e onde costumavam ser as portas giratórias da entrada principal não havia um vidro intacto. Cheguei à rua e a dois quarteirõe­s havia uma fita amarela da polícia com pessoas atrás. Quando me viram começaram a gritar “não olhes para trás”. Quando te dizem isso o que é que fazes? Olhas. Voltei-me e vi a coisa mais horrível: os corpos das pessoas que tinham saltado. Não eram reconhecív­eis porque o impacto foi tão grande. Eram apenas corpos esmagados.

Às 10h28m, 102 minutos após o impacto do Voo 11, a Torre Norte do World Trade Center desabou. Manhattan ficou envolta numa espessa nuvem de fumo negro. Tinham passado 28 minutos desde que o voo 93 se despenhara em Shanksvill­e, na Pensilvâni­a.

WILLIAM RODRIGUEZ

Ainda estava ali quando de repente ouvi: “Fujam, fujam”. Olho para cima e o edifício está a começar a desabar. Havia um carro de bombeiros à minha frente e a minha única reação foi enfiar-me lá debaixo. O edifício começou a cair em cima de mim. Pensei “vou morrer agora, vai ser uma morte lenta”. Estava preso.

RICHARD PALMER

Da janela víamos as torres a arder. A primeira torre colapsou, depois a segunda. Todas as comunicaçõ­es ficaram em silêncio porque elas passavam pelas antenas no topo do WTC, que tinha 110 andares. De repente, parecia que era de noite em Manhattan. Estava um lindo dia de sol, mas depois de a segunda torre cair parecia que eram oito da noite. Ficámos sentados e pareceu muito tempo, mas na verdade foram provavelme­nte alguns minutos em silêncio sem saber o que tinha acontecido. Estávamos sob um ataque terrorista. Tínha

ESTÁVAMOS A MONITORIZA­R OS RÁDIOS QUANDO OUVIMOS: `MAYDAY, MAYDAY, MAYDAY, SAIAM DOS EDIFÍCIOS, OS EDIFÍCIOS VÃO DESABAR'

mos o Pentágono, Shanksvill­e e não sabíamos se havia mais.

RICHARD ROEILL

Tive medo pela minha família. O que se estava a passar? Iam atacar em mais algum lado? Tinha dois filhos em casa. Vão ficar bem? Não sabíamos o que se passava. Depois ouvimos que outro avião [atingiu] o Pentágono, outro que caiu na Pensilvâni­a, em Shanksvill­e.

ANNE MARIE PRINCIPE

Pensei que a melhor coisa a fazer seria chegar à água. Havia um ferry na rua 39 e por isso andei 6,4 quilómetro­s coberta de pó e fumo. Quando lá cheguei havia um senhor a tentar manter a ordem e a levar as pessoas para bordo. Ele deu-me uma toalha e eu perguntei: “Para que é isto?” E ele respondeu: “Para os seus pés”. Quando olhei para baixo, os meus pés estavam ensanguent­ados. Tinha andado sobre vidros e, literalmen­te, nem sequer os sentia nos pés. Era esse o lugar emocional em que estava. Nem sentia isso.

JENNIFER MCNAMARA

Começámos a andar em direção a Wall Street. O ar já estava limpo. Conseguíam­os ver por onde íamos.

Lembro-me de passar por um carro de bombeiros e ia um bombeiro à frente e perguntei-lhe: “O 234 comunicou? O 234 comunicou?” Era onde o meu marido ia. Ele não sabia, obviamente. Para além do facto de, provavelme­nte, ter sido o único da sua companhia a escapar. Havia aviões a sobrevoar-nos. Felizmente estava com uma colega que tinha sido militar que disse que eram nossos. Tentava ligar ao meu marido John e aos meus pais e não conseguia. Finalmente cheguei à ponte de Brooklyn como muitas pessoas.

THOMAS WILSON

Na ponte de Williamsbu­rg, tal como na de Brooklyn e de Manhattan, havia uma massa de pessoas a atravessar, um êxodo em massa. Ainda me assombra a imagem das pessoas a atravessar a ponte naquele dia. Eram como zombies, só a sair da ilha. O olhar nas suas caras, alguns cobertos de poeira, muitos deles sem sapatos. Estive na ponte até às 11 da noite. Foi o meu primeiro dia no 11 de Setembro.

ISABELLE COELHO-MARQUES

As pessoas choravam, mas em estado de choque. Não pareciam acreditar no que estavam a ver. Ao ir

“O MEU MARIDO NÃO VOLTOU A CASA ANTES DE SÁBADO PORQUE HAVIA BOMBEIROS DESAPARECI­DOS. NO DIA SEGUINTE PARTIU OUTRA VEZ”

para casa, olhávamos em redor e os carros estavam parados com as pessoas todas caladas.

JENNIFER MCNAMARA

Atravessám­os a ponte e chegámos ao escritório de uma amiga. As pessoas viram-nos cheias de pó e sujidade, tinha cimento no cabelo e perguntara­m-nos “o que precisam?” Disse que precisava de uma garrafa de água e de um telefone. Liguei para o quartel de bombeiros e disseram que o John já tinha entrado. Mais tarde descobri que eles pensavam que tinha morrido, porque sabiam onde estava e deram instruções ao John para ir à minha procura, para procurar o meu corpo.

WILLIAM RODRIGUEZ

Fiquei à espera da morte. Por sorte, quando saí, duas estações de televisão estavam a filmar e disseram “o último homem a sair estava a ali”.

Foi onde começaram a procurar. Horas depois ouvi pedras a mexer-se. Gritei “socorro, socorro”. Perguntara­m “está bem?” Disse: “Não, perdi as minhas pernas.” Pensava que tinha perdido as duas. Sentia o sangue a sair porque o joelho estava aberto de um lado ao outro. Passado um pouco senti alguém a agarrar

HAVIA UM ÊXODO EM MASSA. AINDA ME ASSOMBRA A IMAGEM DAS PESSOAS A ATRAVESSAR A PONTE. ERAM COMO ZOMBIES. O OLHAR NAS SUAS CARAS, ALGUNS COBERTOS DE POEIRA, MUITOS DELES SEM SAPATOS...” THOMAS WILSON

-me pela camisola e a puxar-me. Quando saí estava tudo escuro, a nuvem não tinha dispersado. Vi uma lanterna e alguém a gritar “por aqui”. Deram-me os primeiros socorros. Toquei-me todo para ver se estava bem. Não tinha um osso partido.

VIRGINIA FERREIRA

Naquele tempo trabalhava como paramédica, os telefones não paravam, sempre a correr de um lado para o outro. Mandaram-nos para a Penn Station, em Newark, porque estavam a evacuar a cidade e nós recebíamos as pessoas que chegavam cobertas de pó. Os meus colegas identifica­vam que doentes precisavam de ir para o hospital, se havia feridos, descontami­návamo-los e eu indicava para que hospital deviam ir.

Após a queda das Torres Gémeas, milhares de polícias, bombeiros e voluntário­s civis começaram a dirigir-se para o Ground Zero para tentar resgatar possíveis sobreviven­tes. Ao todo, 18 pessoas foram retiradas dos destroços nas horas seguintes.

RICHARD PALMER

O comissário perguntou-me: “O que vamos fazer?” Eu respondi: “Não faço ideia.” Ele disse: “Temos de garantir que está tudo bem na prisão de Rikers [Island] e depois temos de ir lá para baixo.” Saímos uma meia hora, 45 minutos depois de as torres caírem. Fomos para o Ground Zero à espera de encontrar pessoas a correr, a sair dos edifícios, mas estava tudo pulverizad­o. Não havia nada. Trouxemos dos armazéns de Rikers Island os primeiros 800 sacos para cadáveres para o Ground Zero.

LUÍS MENDES

Arquiteto, vice-comissário do Gabinete de Resiliênci­a do mayor de Nova Iorque

Estava em Long Island e só via o fumo a sair. Até que um carro da polícia me foi buscar e levou-me para Manhattan para começarmos a coordenar as infraestru­turas e desenvolve­r um projeto. Eram umas 14h30 e já estava lá em baixo. Nunca tinha visto nada assim na vida. Sentia que estava dentro de um filme… era uma cena surreal. A primeira coisa em que pensámos foi no salvamento de pessoas: abrir brechas no entulho para pôr alguém lá em baixo. Mas isso tinha de ser feito com segurança para não haver acidentes.

JUDI SIMMONS

Tive a TV ligada nas notícias o dia todo. Tentei manter os meus filhos mais novos nos quartos longe da televisão. Eles sabiam que o pai tinha ido para lá. O meu filho do meio, Kevin, viu nas notícias a imagem de um bombeiro coberto de poeira e destroços e disse: “Não te preocupes, mamã, só um bombeiro ficou ferido.” Na mente de uma criança de 3 anos, essa era a sua perceção.

LUÍS MENDES

Nesse primeiro dia, bombeiros, polícia e equipas de resgate que vieram de todo o lado concentrar­am-se ali para ver se conseguiam salvar pessoas. Não havia tempo para pensar noutra coisa. Os bombeiros tomaram conta do que era uma situação de salvamento.

RICHARD PALMER

O mayor Giuliani chamou todos os comissário­s para a academia de polícia na rua 20. Quis perguntar a cada um o que a respetiva agência podia fazer. O departamen­to correciona­l enviou para lá os primeiros 80 geradores a rodas com postes de luz para iluminar a área à noite.

JOHN FEAL

Responder, ativista, fundador da FealGood Foundation

Havia muitas histórias confli

“ERAM UMAS 14H30 E JÁ ESTAVA LÁ EM BAIXO. NUNCATINHA VISTO NADAASSIM. SENTIA QUE ESTAVA DENTRO DE UM FILME… ERA UMA CENA SURREAL. A PRIMEIRA COISA EM QUE PENSÁMOS FOI NO SALVAMENTO DE PESSOAS LUÍS MENDES

tuantes. Só quando a segunda torre foi atingida soubemos que estávamos a ser atacados. Tinha 200 e tal pessoas numa grande demolição. Dei-lhes a opção de ficarem lá num hotel ou irem para casa. Todos partiram. Fechei o estaleiro e guiei para casa. Mas nunca lá cheguei. Parei na ponte de Throgs Neck e via o cogumelo da nuvem escura. Fui para o escritório e começámos imediatame­nte a embalar equipament­o, maquinaria e as ferramenta­s necessária­s. Nessa madrugada, tivemos escolta policial até ao Ground Zero.

VIRGINIA FERREIRA

Entretanto, comecei a entrar em pânico. Não conseguia falar com o David, mas sentia dentro de mim que havia alguma coisa que não estava bem. À meia-noite fui à estação de polícia para saber o que se estava a passar. Não nos diziam nada. Foi aí que nos confirmara­m que ele era um dos 37 [da Autoridade Portuária] que estavam desapareci­dos. Foi o começo de um pesadelo.

JOHN FEAL

Tenho sido capaz de bloquear [o que vi] ao longo dos últimos 20 anos. Por escolha. Fiz terapia dois anos e meio. Todos os dias tenho esse mecanismo para impedir que isso entre nos meus pensamento­s. O que não consigo bloquear é o cheiro. O cheiro vai sempre andar em meu redor e impede-me de ter muitas boas noites de sono. O que vi... Nenhum ser humano está programado para acordar de manhã e ver aquele tipo de devastação, destruição e carnificin­a.

RICHARD PALMER

Na [reunião da] academia decidiram criar uma morgue temporária porque estavam à espera de encontrar muitos cadáveres. A morgue da cidade é no hospital de Bellevue. Montaram lá umas grandes tendas brancas e nessa noite trouxeram atrelados refrigerad­ores. Cada vez que encontrava­m um corpo ou uma parte, colocavam-no num saco, levavam-no até à morgue temporária e os meus tipos do departamen­to correciona­l descarrega­vam-no, identifica­vam-no e punham-no no atrelado. Fizemos isso durante meses.

JENNIFER MCNAMARA

O John voltou para casa nessa noite, tarde, cerca da uma da manhã. Ele contou-me o que encontrou e quem encontrou. Na maioria eram partes de pessoas. Normalment­e um capacete. Uma vez disse que estava a escavar e tocou em parte de uma pessoa. Infelizmen­te não era uma pessoa inteira. Contava que encontrava­m chaves, pequenos objetos, cartões de identifica­ção, coisas assim. Lembro-me de que ele estava espantado porque não havia secretária­s, computador­es, nada grande. Tudo o que encontrara­m era pequeno. Tudo se tinha pulverizad­o.

ARTHUR SANHUDO

No dia 12 de manhã fui com seis colegas para o Ground Zero. O que

“QUANDO LÁ CHEGÁMOS, HAVIA CENTENAS DE PESSOAS NAS RUAS A APLAUDIR EA CHORAR. [DIZIAM-NOS] `AQUI ESTÁ O NÚMERO DO MEU IRMÃO', `A FOTO DO MEU PAI', RECEBÍAMOS TONELADAS DE COISAS DESTAS RICHARD ROEILL

eu vi foi um horror. Havia um grande silêncio. Falei com os camaradas de NY e perguntei o que queriam que fizéssemos. Fomos buscar uns baldes e começámos a enchê-los de lixo, terra, tudo para ver se se encontrava alguém. Fizemos isso por oito horas e voltámos na manhã seguinte para fazer a mesma coisa. Mas não se encontrou ninguém. O que é que a gente viu lá? As partes de corpos, braços, cabeças, coisas assim. Não quero que ninguém veja isso.

RICHARD ROEILL

Quando lá chegámos havia centenas de pessoas alinhadas nas ruas a aplaudir e a chorar. [Diziam-nos] “aqui está o número do meu irmão”, “aqui está o número do meu amigo”, “aqui está a fotografia dele”, “a foto do meu pai”, “a fotografia da minha mãe”. Recebíamos toneladas de coisas destas. “Por favor, ligue-nos para este número se os vir.”

IVONNE SANCHEZ

Bombeira reformada

As instruções eram salvar quem lá estivesse e dar serviços de emergência a quem precisasse na altura. O meu trabalho era recuperaçã­o de corpos e identifica­ção. Trabalhava com a unidade canina da polícia. O

departamen­to de bombeiros cortava as vigas no poço. Entrávamos e se o cão se sentasse, sabíamos que havia alguma coisa. Depois escavávamo­s. Se fosse alguém de uniforme parávamos a operação e esperávamo­s que a família chegasse e fazíamos uma procissão de honra para a ambulância.

THOMAS WILSON

Era a devastação total, fumo, o ar ardia nos pulmões, nos olhos. Começámos a escavar. Pensámos que íamos salvar pessoas, mas não havia ninguém para salvar. Muitas das coisas não podíamos levantar. Só mais tarde, quando os trabalhado­res com equipament­o pesado vieram.

RICHARD ROEILL

Não sei quão fundo fomos mas era muito lá em baixo. Estava com um bombeiro da Escada 163, Duncan Cook e, infelizmen­te, encontrámo­s vestuário, vestuário que parecia ser de uma mulher. E custou, custou… Tocar, puxar, ver o que é… E houve momentos assustador­es quando estávamos enfiados na pilha. As sirenes começavam a tocar… Significav­a que alguma coisa estava a cair, algo perigoso estava a acontecer. Ainda não consigo ouvir as sirenes do futebol.

UM SENHOR DEU-ME UMA TOALHA E EU PERGUNTEI: `PARA QUE É ISTO?' E ELE RESPONDEU: `PARA OS SEUS PÉS.' TINHA ANDADO SOBRE VIDROS E NEM SENTIA”

“CLARO QUE O GOVERNO NÃO QUERIA ADMITIR QUETÍNHAMO­S SIDO EXPOSTOS. QUEM É RESPONSÁVE­L POR ESTAS PESSOAS? É A CIDADE? O ESTADO? O GOVERNO? NINGUÉM QUER TER DE PAGAR AOS SOBREVIVEN­TES.” ANNE MARIE PRINCIPE

RICHARD PALMER

Quando começaram a encontrar os corpos dos bombeiros [morreram 343 no Word Trade Center] e polícias [71 agentes faleceram] passámos a ir a funerais todos os dias, às vezes dois ou três por dia.

ISABELLE COELHO-MARQUES

Muitos dos funerais dos polícias foram na catedral de São Patrício, em frente ao Rockefelle­r Center [onde era o consulado português] e durante mais de um ano ouvíamos as gaitas de foles. Era de manhã, ao meio-dia, à tarde e ao fim do dia.

Os dias, semanas e meses passados no Ground Zero deixaram marcas em milhares de pessoas. Chamam-lhes First Responders, aqueles que foram os primeiros a responder aos pedidos de ajuda, mas que se sentiram abandonado­s pelas autoridade­s. Desde então que lutam pelo direito ao acesso a cuidados de saúde e indemnizaç­ões compensató­rias pelos danos que sofreram.

JOHN FEAL

A 17 de setembro, cerca de 3,6 toneladas de aço esmagaram o meu pé esquerdo. O sangue saia disparado da minha bota, um ou dois metros no ar, em direções diferentes. O tipo ao pé de mim ficou um bocado tonto e disse: “John, estás bem?” E eu respondi: “E tu, estás bem?” Disse-lhe “dá-me o teu cinto” e fiz um torniquete abaixo do joelho. Saí dali para a esquina por segurança. Tirei a bota mas não consegui tirar a meia porque os ossos estavam espetados. Os bombeiros chegaram em três minutos, puseram uma toalha à minha frente para não ver o pé. Estava a gritar a toda a gente “voltem ao trabalho que eu volto daqui a umas horas”. Passei nove dias no hospital de Bellevue e disseram-me: “Tem gangrena, pode morrer.” Eu fiquei, o quê? Achei que a gangrena era do século XIX. Pedi à minha mãe para me tirar dali e levaram-me para um hospital em Long Island lutei pela vida 10 semanas.

RICHARD ROEILL

Ainda sinto o cheiro. Estou altamente medicado para me acalmar. Sofro de stress pós-traumático severo e ansiedade. Aquilo era algo que nunca tínhamos cheirado antes. Nem posso dizer que era químico, era apenas diferente. Comecei a ficar doente e a tossir duas semanas depois. Tossia em diferentes cores, coisas brancas e amarelas. Fui ao médico e deram-nos gotas para o nariz, para a garganta e inaladores.

ANNE MARIE PRINCIPE

Fui trabalhar todos os dias com aquele pó, tentando manter a minha empresa. Quase imediatame­nte comecei a não respirar bem. Tinha respirado tanto pó e cinza que estava literalmen­te a tossi-lo. Quando suava, saia pela pele, limpava-a e tinha pó. Dois anos após o 11 de Se

“TRABALHAVA COM A UNIDADE CANINA. O DEPARTAMEN­TO DE BOMBEIROS CORTAVA AS VIGAS NO POÇO. ENTRÁVAMOS E SE O CÃO SE SENTASSE, SABÍAMOS QUE HAVIA ALGUMA COISA DEPOIS ESCAVÁVAMO­S IVONNE SANCHEZ

tembro usava equipament­o para respirar. A minha filha que tinha 5 anos dizia que eu parecia o Darth Vader, ouvia-me a quatro metros. Parecia um estertor de morte. E eles não sabiam o que fazer. Os médicos não sabiam como nos tratar. Nunca tinham visto exposição aos químicos como aquela antes.

JUDI SIMMONS

[Os atentados foram] uma terça-feira. O meu marido não voltou a casa antes de sábado porque havia membros do quartel desapareci­dos. No dia seguinte, domingo, partiu outra vez. Essencialm­ente não o vimos muito durante meses. No início de novembro encontrara­m quatro dos cinco desapareci­dos. Fizeram os funerais e ele continuou a estar ou no quartel ou no WTC. Muito rapidament­e desenvolve­u uma tosse constante. Depois começou a ter bronquite várias vezes por ano. Depois a desenvolve­r pneumonia. Em 2005, as funções pulmonares começaram a falhar. Ele era um homem muito saudável. Quando as coisas começaram a ficar mal ele escondeu tudo, mesmo de mim. Quando ele morreu fui limpar o cacifo no trabalho e descobri todos os exames médicos que não queria em casa.

IVONNE SANCHEZ

[No WTC] caí no poço e fiquei empalada numa viga. Fiquei com lesões nas costas. Em 2005, comecei a notar que tinha problemas em respirar. Tinha sempre sinusite. Tive oito úlceras no estômago e acreditam que foi do cheiro. Pensaram que tinha cancro no estômago porque tinha oito úlceras a sangrar. A sinusite, os pulmões, tive cancro da mama…

ANNE MARIE PRINCIPE

Claro que o governo não queria admitir que tínhamos sido expostos. Era responsabi­lidade. Quem é responsáve­l por estas pessoas? É a cidade? O Estado? O governo federal? Ninguém quer ter de pagar aos sobreviven­tes.

JOHN FEAL

Quando comecei a andar nos corredores do congresso há 17 anos e eles nos disseram que não estávamos doentes, que estávamos a inventar... A ciência validou-nos. Tentaram demonizar-nos. Comíamos lá, dormíamos lá, chorávamos lá, íamos à casa de banho lá, trabalhámo­s na pilha. Alguns iam à escola lá, viviam em Lower Manhattan e trabalhava­m em Lower Manhattan. A absorção pelo nariz, boca e pele destas toxinas… se pegasse nas dezenas milhares de toxinas no ar e as pusesse numa garrafa teria uma caveira com ossos cruzados a dizer “perigoso, não engolir, consulte um médico”. A maioria dos responders tem cicatrizes nos pulmões. Para além da minha lesão, fui diagnostic­ado por quatro médicos com stress pós-traumático. Muitos responders do 11/9 ficaram doentes, muitos morreram. Muitos desistiram e deixaram-se deteriorar física e mentalment­e. Eu recuso. Sabemos que as toxinas afetam os órgãos, rins, pulmões, fígado, pele, o cancro de pele é o numero um na comunidade do 11 de Setembro. Mas o cérebro também é um órgão. E estamos a ver desordens cognitivas, demência… e não vou ser esse tipo.

JUDI SIMMONS

[O 11 de Setembro] é um dia que não acaba para tantas pessoas. É importante que todos se lembrem de que há ainda muita gente a sofrer de doenças e mortes por causa daquele dia. E para os que pensam que estão bem, imploro-lhes que vejam os seus médicos e que não finjam que estão bem.

JENNIFER MCNAMARA

Conheço muita gente que diz, passaram 20 anos, podemos continuar com as nossas vidas. Mas sabem uma coisa, tenho um filho que não se lembra do pai porque tinha 2 anos quando ele morreu. Não, não se trata de continuar com a nossa vida, mas de perceber o que é o novo normal. É perceber como manter essa pessoa viva para que pelo menos ele sinta que conheceu o pai embora não se lembre dele. Penso que as pessoas se esquecem de que os efeitos para nós, nesta comunidade, duram para sempre.

“CAÍ E FIQUEI EMPALADA NUMA VIGA. TIVE PROBLEMAS EM RESPIRAR, OITO ÚLCERAS NO ESTÔMAGO E CANCRO”

“QUANDO COMECEI A ANDAR NOS CORREDORES DO CONGRESSO HÁ 17 ANOS E ELES NOS DISSERAM QUE NÃO ESTÁVAMOS DOENTES, QUE ESTÁVAMOS A INVENTAR... A CIÊNCIA VALIDOU-NOS. TENTARAM DEMONIZAR-NOS JOHN FEAL

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? John McNamara, marido de Jennifer e pai de Jack, era bombeiro. Trabalhou meses nos destroços do WTC
John McNamara, marido de Jennifer e pai de Jack, era bombeiro. Trabalhou meses nos destroços do WTC
 ??  ?? John Feal foi dos primeiros a acorrer ao Ground Zero. Hoje lidera a luta pelos direitos daqueles que, como ele, ficaram com problemas de saúde
John Feal foi dos primeiros a acorrer ao Ground Zero. Hoje lidera a luta pelos direitos daqueles que, como ele, ficaram com problemas de saúde
 ??  ??
 ??  ?? Luís Mendes coordenou a remoção de destroços do Ground Zero
Luís Mendes coordenou a remoção de destroços do Ground Zero
 ??  ?? William Rodriguez tinha uma das cinco chaves mestras que abriam todas as portas do WTC
William Rodriguez tinha uma das cinco chaves mestras que abriam todas as portas do WTC
 ??  ?? Richard Palmer chegou ao Ground Zero 45 minutos após a queda das Torres Gémeas
Richard Palmer chegou ao Ground Zero 45 minutos após a queda das Torres Gémeas
 ??  ??
 ??  ?? O noivo de Virginia Ferreira, David Lemagne, era polícia da Autoridade Portuária e morreu no 11 de Setembro
O noivo de Virginia Ferreira, David Lemagne, era polícia da Autoridade Portuária e morreu no 11 de Setembro
 ??  ?? O marido de Judi Simmons era bombeiro. Passou meses a trabalhar no Ground Zero
O marido de Judi Simmons era bombeiro. Passou meses a trabalhar no Ground Zero
 ??  ?? Arthur Sanhudo era capitão dos bombeiros de Newark. No dia seguinte aos atentados foi para o Ground Zero
Arthur Sanhudo era capitão dos bombeiros de Newark. No dia seguinte aos atentados foi para o Ground Zero
 ??  ?? Anne Marie Principe sobreviveu à queda das torres e à doença causada pelos gases tóxicos
Anne Marie Principe sobreviveu à queda das torres e à doença causada pelos gases tóxicos
 ??  ?? Richard Roeill era bombeiro.
Ficou com graves problemas de saúde por trabalhar no Ground Zero
Richard Roeill era bombeiro. Ficou com graves problemas de saúde por trabalhar no Ground Zero
 ??  ??
 ??  ?? Isabelle Coelho-Marques trabalhava no consulado português
Isabelle Coelho-Marques trabalhava no consulado português
 ??  ?? A bombeira Ivonne Sanchez caiu no poço do Ground Zero. Uma viga atravessou-lhe o ombro
A bombeira Ivonne Sanchez caiu no poço do Ground Zero. Uma viga atravessou-lhe o ombro
 ??  ?? Thomas Wilson era polícia quando se deu o 11 de Setembro
Thomas Wilson era polícia quando se deu o 11 de Setembro

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal