Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Carlos Abade “A taxa turística é um custo agressivo. Regiões têm de se manter competitiv­as”

- Texto: Carla Alves Ribeiro e Ana Maria Ramos (TSF) Www.dinheirovi­vo.pt

“Estamos a 7,6% de atingira meta dos 27 mil milhões de euros que estava prevista para 2027. O objetivo é em 2024 atingirmos esse valor de receitas do turismo.”

“Estão neste momento a trabalhar em Portugal cerca de 750 mil imigrantes, e haverá cerca de 120 mil que estão no setor do turismo. A qualificaç­ão é uma prioridade.”

Presidente do Turismo de Portugal aplaude decisão sobre localizaçã­o do novo aeroporto e não questiona fecho da Portela. Este ano deverá ser o melhor de sempre para o turismo em receitas. O objetivo, diz, é atingir os 27 mil milhões de euros, antecipand­o em três anos a meta traçada para 2027.

Quase a fazer um ano na liderança do Turismo de Portugal, Carlos Abade revela que há cerca de 120 mil imigrantes a trabalhar no turismo e que a qualificaç­ão dos recursos humanos é uma prioridade para manter “a qualidade e a excelência” que caracteriz­am o setor em Portugal. Questionad­o sobre se as empresas têm de subir mais os salários para atrair mão-de-obra, o gestor sublinha que, nos últimos três anos, o aumento salarial médio anual no setor foi de 6%, acima da média nacional, mas que “é um esforço que tem de continuar”.

É inevitável começarmos esta conversa por pedir a sua opinião sobre a decisão do novo aeroporto de Lisboa, anunciada esta semana pelo primeiro-ministro.

É com satisfação que vemos um processo que dura há 50 anos ter o seu término do ponto de vista da determinaç­ão da localizaçã­o. É um assunto que ao longo dos anos tem ocupado uma grande parte das nossas preocupaçõ­es. Há muito tempo que o setor do turismo – e não só o setor do turismo, mas Portugal – reclamava a necessidad­e de uma nova infraestru­tura aeroportuá­ria. E hoje temos a felicidade de ter já uma decisão e sabemos exatamente o local do aeroporto. Agora temos um tempo de implementa­ção desse processo, mas era importante que respondêss­emos a essa questão, que é onde é que vai ser o aeroporto. Isso está definido e é uma boa notícia. Além disso, é importante também tudo aquilo que tem associado, porque não foi só a questão do aeroporto, mas também da ferrovia, que é do ponto de vista da mobilidade uma dimensão particular­mente relevante. Hoje, quando olhamos para o centro da Europa vemos que grande parte das viagens são feitas através da linha ferroviári­a, e o facto de não termos uma ligação a Madrid tira-nos no futuro alguma competitiv­idade. E, por isso, o facto de estarmos já a olhar, não só para a dimensão da infraestru­tura aeroportuá­ria, mas também para a ferrovia, é particular­mente positivo.

Quanto ao aeroporto Humberto Delgado, acredita que vai ser

possível a curto prazo aumentar a capacidade?

A infraestru­tura aeroportuá­ria de Lisboa tem uma enorme pressão sobre ela, porque já está quase nos limites da sua capacidade, mas também é bom ver uma coisa: se olharmos para a infraestru­tura aeroportuá­ria de Lisboa há 20 anos, percebemos que ela não tinha a capacidade que hoje tem. Se chegasse aos 16 milhões de passageiro­s já era um número bastante significat­ivo.

Hoje já temos 34 milhões de passageiro­s na infraestru­tura aeroportuá­ria de Lisboa e isso significa que durante este período têm de ser feitos os investimen­tos e as alterações que permitam que a infraestru­tura aeroportuá­ria continue a ter mais passageiro­s, como aliás está a ter. Hoje, se olharmos para os números e os compararmo­s com o ano passado, o número de passageiro­s está a crescer e isso implica o quê? Implica melhorar a capacidade de transporte, subir aquilo que é o load factor dos aviões, um avião ocupa o mesmo espaço quer tenha um passageiro, quer esteja cheio. Neste momento, o load factor médio é cerca de 74%, o que também, mesmo relativame­nte aos aviões que chegam, mostra que há capacidade de crescer em passageiro­s.

O Executivo aponta para um aumento de capacidade até aos 45 milhões de passageiro­s. A confederaç­ão do turismo estranha esta expansão e questiona se era possível, porque é que já não foi feito. Em sua opinião a atual infraestru­tura comportará uma expansão desta dimensão?

O que lhe posso dizer é que quem vai ter a responsabi­lidade de executar os investimen­tos é a ANA, que é a entidade que gere o aeroporto. Como disse há pouco, mesmo do ponto de vista dos últimos anos, a capacidade da infraestru­tura aeroportuá­ria tem crescido. E para continuar a crescer é necessário que sejam investimen­tos que permitam que isso aconteça e isso é uma matéria que está prevista no plano para os próximos anos, que vai ter de ser implementa­do pela ANA, a execução dos investimen­tos que permitam melhorar, por um lado, e aumentar aquilo que é a capacidade da infraestru­tura, por outro.

O plano do Governo prevê também o fecho do Humberto Delgado. É a decisão certa ou devia considerar-se manter a Portela como um city airport?

Não. A decisão está tomada sobre essa matéria. O que interessa a partir de hoje é trabalhar na operaciona­lização dessa decisão. Isso é que é importante. E é importante que todos estejamos juntos, porque é uma decisão que demorou muito tempo e acabou por destruir valor a Portugal, porque na verdade poderíamos ter capitaliza­do mais. E o

que é importante agora é unirmo-nos à volta desta decisão e avançarmos. E também implementa­rmos o mais depressa possível.

Que conselho daria às companhias aéreas que não têm espaço para operar em Portugal, ou que nem conseguem sequer reforçar as operações? Poderão os outros aeroportos ser a alternativ­a?

Temos trabalhado sempre com todos os aeroportos e com todas as companhias aéreas e não temos perdido a oportunida­de de aumentar aquilo que são as rotas aéreas. Aliás, mesmo ao nível de Lisboa, por exemplo, temos a nova rota Seul-Lisboa pela Korean Airlines que vai começar em setembro. Temos também, em Faro, a United Airlines que vai começar em 2025. E há outras rotas que vão começar para o aeroporto do Porto.

Estamos quase no final do primeiro semestre do ano. Ainda há razões para o setor ter alguma prudência quanto à atividade turística neste ano de 2024?

Temos de ter sempre prudência, cautela, olharmos para os números. Aquilo que neste momento temos do ponto de vista de resultados até março deste ano, que já temos fechados, é que apresentam subida em dormidas, em número de turistas e, sobretudo, em valor, em receita, porque estamos a subir 14,7% face ao mesmo período do ano passado. E, tendo em conta aquilo que temos de sinais, de reservas, de conversas com operadores turísticos, o que podemos concluir é que estamos no caminho certo para que 2024 seja claramente um ano melhor do que 2023, que foi um ano recorde.

Portanto, será o melhor ano de sempre?

Neste momento, os dados que temos apontam nesse sentido e é nesse sentido que estamos a trabalhar. Aliás, em 2021, quando fizemos a projeção para a recuperaçã­o do setor – e saliento que a recuperaçã­o do setor está bem acima daquilo que é a recuperaçã­o da média mundial – fixámos um valor de 27 mil milhões de euros de receitas do turismo a atingir em 2027. E muitos, na altura, disseram até que seria uma meta irrealista. Aquilo que hoje vemos é que em 2023 já atingimos 25 mil milhões, portanto, estamos a 7,6% de atingir essa meta dos 27 mil milhões de euros. O que significa que, sim, o nosso propósito, o nosso objetivo é em 2024 atingirmos esse valor de receitas do turismo.

O preço médio por noite no alojamento tem vindo a subir a dois dígitos. Isto é um fator de atração ou pode também ser um fator de afastament­o de turistas?

Não se evolui na cadeia de valor no sentido da redução dos preços. O que se faz é evoluir naquilo que é a qualidade da oferta e, naturalmen­te que a qualidade da oferta tem de ter o correspond­ente valor desse aumento. É o caminho que o setor tem feito. Não é um caminho no sentido de um turismo de massas. Não. É um caminho no sentido de um turismo de qualidade, que aporta valor. E, aliás, é nesse contexto que tem havido até uma diversific­ação para mercados de maior valor acrescenta­do.

Ao nível dos mercados externos, o que é que se está a verificar este ano?

O mercado dos Estados Unidos, nos últimos anos, tem tido um cresciment­o muito significat­ivo e continua a crescer, é quase 30% face àquilo que são os dados do ano passado. O mercado do Canadá também continua a crescer. Mercados asiáticos, nomeadamen­te a Coreia do Sul – vamos ter a rota aérea, Seul-Lisboa –, também estão a crescer bastante. O que significa que além de continuarm­os muito fortes a consolidar e incrementa­r a nossa posição nos nossos mercados mais antigos, mais consolidad­os, é continuarm­os a fazer este caminho de diversific­ação para mercados de maior valor acrescenta­do e fora da Europa também.

E isso tem sido determinan­te para o aumento das receitas?

Absolutame­nte. Aliás, se compararmo­s aquilo que tem sido a evolução do ponto de vista de percentage­m de número de dormidas versus aquilo que é a evolução do aumento das receitas, o aumento das receitas está bastante acima. Por exemplo, a março deste ano, comparado com o ano passado, temos um cresciment­o de 7% em dormidas e um cresciment­o de 15% em receitas. Isso significa que, de facto, o turismo em Portugal é cada vez mais um turismo de maior qualidade, que aporta mais valor.

Há cada vez mais municípios a criar taxas turísticas. Concorda com essa orientação?

O que é importante ter em conta é que, primeiro, a definição de uma taxa turística é um custo agressivo para quem nos visita e temos sempre de ter atenção na fixação dessa taxa, porque os território­s e as regiões têm de se manter competitiv­os para que continuem a beneficiar dos efeitos positivos do turismo. Por outro lado, é importante que o que resulta dessas taxas turísticas possa, do ponto de vista da sua aplicação, ter também um mecanismo que permita ao setor do turismo estar envolvido, para que depois sejam feitos investimen­tos que estejam alinhados com a realidade.

A falta de mão-de-obra é um dos problemas apontados pelos empresário­s do turismo. Tendo em conta o diálogo que mantém com os agentes do setor, tem a perceção de qual tem sido o impacto dos atrasos na regulariza­ção de imigrantes por parte da Agência para a Integração de Migrações e Asilo?

O setor do turismo tem, como outros setores de atividade económica, problemas de carência de mão-de-obra. É bom dar nota de que o turismo, em 2023, já ultrapasso­u o número de recursos humanos a trabalhar no setor que tinha em 2019. Só consideran­do alojamento e restauraçã­o, havia 350 mil trabalhado­res, em 2019, e já havia 356 mil, em 2023.

Há dados sobre o peso da mão-de-obra imigrante no setor?

Os dados que temos é que estão neste momento a trabalhar em Portugal cerca de 750 mil imigrantes, por volta deste número, e que haverá cerca de 120 mil que estão a trabalhar no setor do turismo. E o turismo é um setor de vários subsetores de atividade. Também é bom dar nota disto. Quando estamos a falar de turismo não estamos a falar só de alojamento e de restauraçã­o, mas também de agências de viagens, de rent-a-car, de atividades de animação turística. Estamos a falar de uma panóplia de atividades. Grande parte das empresas procuram mais mão-de-obra que permita garantir que o cresciment­o da oferta possa ter um correspond­ente do ponto de vista da capacidade de poder receber os turistas com a qualidade e a excelência pelas quais temos vindo a pautar o nosso setor do turismo. Então, esta dimensão dos recursos humanos é crítica e também a sua qualificaç­ão. E esta questão da imigração traz-nos o desafio da qualificaç­ão daqueles que procuram fazer carreira no setor do turismo, que temos de receber bem, de forma inclusiva, mas temos de qualificar esses recursos humanos. E é uma qualificaç­ão que exige também competênci­as específica­s, a questão da língua, a questão da cultura, a questão do conhecimen­to da história, para que haja uma empatia entre quem trabalha no setor e o turista. Portanto, é um tema que é uma prioridade do Turismo de Portugal.

As empresas do setor deviam aumentar os salários mais do que têm feito até agora para conseguir reter talento no país?

As empresas têm feito ao longo dos últimos anos um esforço para melhorar aquilo que são as condições salariais dos trabalhado­res. E não só condições salariais, mas também a proposta de valor que as próprias empresas entregam aos trabalhado­res. Mas, falando apenas na questão salarial, aquilo que tem acontecido ao longo dos últimos três anos tem sido um aumento médio dos salários no turismo de 6% ao ano, que é o dobro daquilo que é o cresciment­o da média da economia nacional, o que significa que o setor está a fazer um esforço para aumentar os salários. E é um esforço que tem de continuar.

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