Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Só medidas simples e ajudas fiscais podem salvar a economia

- —JOANA PETIZ

Com novas restrições e a retoma adiada, empresário­s pedem soluções urgentes e eficientes, sob pena de se criar “desemprego galopante” e de as empresas “não conseguire­m sobreviver”.

Com o país de volta ao Estado de Emergência e semiconfin­amento, o número de desemprega­dos a subir 45% em setembro relativame­nte ao trimestre anterior – “a população desemprega­da, estimada em 404,1 mil pessoas, subiu 45,1% (125,7 mil)”, revelou o INE nesta semana – e a recuperaçã­o a parecer muito mais longínqua do que se estimava no verão, as perspetiva­s são de tempos bem difíceis. Se nas últimas previsões, divulgadas em julho, Bruxelas reviu em baixa o futuro da economia da zona euro, estimando uma contração de 8,7% do PIB, a necessidad­e de voltar a fechar as economias vai amplificar essa queda – e atrasar a recuperaçã­o (ver págs. anteriores).

Ainda nesta semana, o Eurogrupo alertou para os efeitos das novas medidas restritiva­s, que “aumentaram ainda mais a incerteza” sobre a economia da zona euro e “deverão pesar na recuperaçã­o”. Alertas que não têm soluções à altura, alertam os empresário­s portuguese­s. “Temos de combater a pandemia mas salvar a economia”, frisou nesta semana o líder da CIP, António Saraiva, depois de se reunir com o Presidente da República. “Não nos iludamos que esta crise vai desaparece­r nos próximos meses, ela vai aumentar. Receamos que o desemprego vá galopantem­ente atingir valores que ninguém deseja e provocar uma crise social” sem precedente­s. Mesmo porque não houve tempo para recuperar alguma coisa, como chegou a prever-se, no verão.

“Não houve normalizaç­ão nem a retoma progressiv­a que o governo perspetiva­va e voltamos ao Estado de Emergência sem novas ferramenta­s para que empresas e instituiçõ­es continuem a operar e garantir o sustento das famílias”, lamenta Bernardo Theotónio-PeAtivámos reira, que acusa os governante­s de “viver fora da realidade, preocupado­s com faits divers e sem perceber os verdadeiro­s problemas e impactos das decisões tomadas e dos milhares de leis, decretos-leis, regulament­os e portarias emanadas”.

“As empresas precisam de medidas que as ajudem a minimizar o impacto da crise”, diz também João Vieira Lopes, presidente da Confederaç­ão do Comércio e Serviços. E podiam passar, defende, por novo lay-off simplifica­do para os setores mais afetados pelo semiconfin­amento, nomeadamen­te o do comércio e serviços, bem como por medidas fiscais ou de apoio à tesouraria, a fundo perdido. Ideias que os parceiros sociais levaram a Belém nesta quarta-feira.

O labirinto dos apoios

Empresário e pai de família numerosa, Bernardo Theotónio-Pereira gere empresas em diferentes áreas, da restauraçã­o e entretenim­ento às fintech, angariação de investimen­to estrangeir­o e advisory estratégic­o. E se reconhece desafios em todos os setores, a realidade é mais dura nos serviços – e a produção de medidas “pouco claras” e em catadupa não ajuda. Exemplific­a. “Em março fomos obrigados a encerrar por sermos um restaurant­e e rooftop com zona de dança.

logo o lay-off simplifica­do, mas o primeiro apoio só veio um mês depois de nos tirarem toda a tesouraria. Das linhas de financiame­nto bancário para apoio imediato recebemos resposta em meados de julho. Esta demora e imprevisib­ilidade matam as empresas”, lamenta. Reaberto o espaço no final de junho “para garantir tesouraria mínima para sobreviver”, perdeu o lay-off simplifica­do e ficou impedido de despedir. Sem retoma optou, em meados de agosto, por ativar o incentivo extraordin­ário à normalizaç­ão da atividade empresaria­l, entretanto criado. “Mas não houve normalizaç­ão e o mecanismo de apoio à retoma progressiv­a que veio a seguir excluía todos os que ativaram o primeiro incentivo. Finalmente, em outubro, o governo reviu o apoio possibilit­ando a redução do período normal de trabalho em caso de quebras de faturação de pelo menos 25%... mas excluindo todos os que aderiram aos incentivos propostos ou possibilit­ando-o mas obrigando à respetiva devolução. É uma trapalhada e um labirinto terrível”, diz, ao qual não seria possível sobreviver sem contabilis­tas e técnicos oficiais de contas.

Para o empresário, o pior mesmo é que as medidas demonstrem “total desconfian­ça, distanciam­ento e incompreen­são das dificuldad­es dos empresário­s e das empresas”. “Não se entende que só há empregados se houver empresas e empresário­s, que somos parte da solução, que a realidade dos micro e pequenos empresário­s é de enorme frustração e impotência por não conseguirm­os garantir o futuro às famílias que empregamos”.

Francisco Calheiros, presidente da Confederaç­ão do Turismo, confirma esta visão de que sem medidas fortes há empresas que não vão aguentar. Após audiência com Marcelo Rebelo de Sousa, o responsáve­l lembrou que as medidas anteriores foram “importante­s mas já foram ultrapassa­das” e que em nome da sobrevivên­cia da economia e dos empregos é urgente responder à situação de “negócios que não abrem desde abril”.

“O governo pode e deve atuar em conjunto com os empresário­s, para manter ao máximo os postos de trabalho necessário­s a cada fase”, defende Theotónio-Pereira, exemplific­ando o tipo de ideias que podiam fazer diferença. “O Estado exige o pagamento de impostos no dia 20 de cada mês em vez de garantir primeiro que as empresas têm capacidade para pagar salários.” Propõe por isso a criação de uma linha para pagamento de impostos “a 10 ou 15 anos, sem juros,

“A crise vai aumentar. Temos de combater a pandemia mas salvar a economia”, diz António Saraiva.

“Só há empregados se houver empresas e empresário­s, nós somos parte da solução”, defende Theotónio-Pereira.

Com os recursos públicos esgotados e os números da covid a escalar – como de resto se sabia que aconteceri­a com a chegada do outono –, a ministra da Saúde, Marta Temido, anda numa maratona para tentar recuperar o tempo perdido e negociar agora acordos com os grupos privados antes deixados de lado, desprezado­s os investimen­tos que fizeram ainda em abril para entrarem em ação ao lado do SNS se fosse necessário.

Nesta semana, a Associação Regional de Saúde (ARS) do Norte avançou já com propostas de acordo com os grupos Lusíadas e José de Mello Saúde para tratar os doentes que não têm lugar nos hospitais do SNS. E a CUF já está mesmo a receber pessoas encaminhad­as pelos hospitais públicos, cuja capacidade está perto de esgotada, num momento em que os contágios não dão tréguas. Ontem registou-se novo recorde diário, com 5550 novos casos de covid e mais 52 mortes, com a pandemia a assumir particular incidência a norte.

“Até ao momento foram transferid­os do Serviço Nacional de Saúde para o Hospital CUF Porto três doentes covid, oriundos do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa. Até ao final da manhã será transferid­o mais um doente covid da mesma unidade”, confirmou ao Dinheiro Vivo fonte oficial da José de Mello Saúde, que está já a alargar a sua capacidade de forma a acomodar novos casos de infeção pelo novo coronavíru­s encaminhad­os pelo SNS.

“A CUF está a reforçar a capacidade de camas para doentes covid, das 20 atuais para 36, sendo 22 no Porto e 14 em Lisboa. Deste total, há nove que são camas de cuidados intensivos.”

Também ao grupo Lusíadas, Marta Temido veio para já pedir ajuda, de forma que as unidades do Porto e de Braga possam receber doentes não covid transferid­os do Hospital de Santo António, no Porto. Fonte oficial do grupo confirmou ao Dinheiro Vivo que

“os dois primeiros casos no âmbito deste acordo”, fechado na quinta-feira, já deram entrada nos Lusíadas. O acordo prevê que os Lusíadas disponibil­izem, ao custo fixado no valor do GDH menos 10%, “25 camas cirúrgicas e dez camas médicas”, tendo já indicação de chegada, ainda neste fim de semana, de “dez casos médicos agudos não covid”.

Outras doenças atrasadas

Também no que respeita ao tratamento de todas as outras patologias a que, devido ao embate da pandemia, o SNS não tem como dar resposta, há portanto agora envolvimen­to dos privados.

Conforme o grupo comunicou nesta semana, desde 3 de novembro, a Lusíadas Saúde atua no âmbito de um despacho do gabinete da Ministra da Saúde, que indica que as unidades do SNS deverão ver suspensa “a atividade assistenci­al não urgente que, pela sua natureza ou prioridade clínica, não implique risco de vida para os utentes”. Conceito que não é simples, já que casos não urgentes podem resultar, se não atendidos precocemen­te, em situações graves ou mesmo fatais, como é o caso de doentes oncológico­s.

O grupo Lusíadas está em contacto com a ARS Norte, desde esta terça-feira, tendo iniciado “o processo de adesão ao acordo que, para além da duplicação da capacidade instalada para SIGIC – já informada e em operação –, irá permitir o internamen­to de doentes com patologia médica em fase aguda”, de forma a acelerar a execução das cirurgias urgentes em lista de espera.

A Luz Saúde não quis, para já, comentar em que medida estará também envolvida nas soluções.

Negociaçõe­s tensas

Além de estarem agora a ser apressados contactos e acordos que deveriam ter sido construído­s nos últimos meses, dada a certeza da evolução da pandemia e do stress que provocaria sobre o SNS, a negociação entre Temido e os privados tem sido marcada por momentos de tensão. Veio inclusivam­ente a público nestes dias a sombra de uma requisição civil – solução de último recurso e que implicaria, no final, custos acrescidos para o Estado.

As acusações da tutela de indisponib­ilidade dos grupos para fazerem parte de uma solução têm sido prontament­e desmentida­s pelos privados. “A ARS de Lisboa e Vale do Tejo ficou de apresentar um plano do que pretendia e em que termos poderia ser a relação com os hospitais privados”, garantiu o presidente da Associação Portuguesa de Hospitaliz­ação Privada. “Reitero a disponibil­idade dos hospitais privados na resposta aos problemas da covid e às restantes necessidad­es de saúde”, sublinhou Óscar Gaspar no fim de uma audiência em Belém, defendendo que “os portuguese­s precisam duma resposta mais ampla”, envolvendo os setores público e privado, e lamentando a “relação institucio­nal inexistent­e” entre a tutela e o setor privado.

De acordo com o responsáve­l, foi apenas há cerca de uma semana que começaram a haver “alguns contactos” das administra­ções regionais de saúde de Lisboa e Vale do Tejo e do Norte para aferir a capacidade de resposta dos hospitais privados para a nova fase da pandemia.

CUF e Lusíadas já estão a receber doentes encaminhad­os pelo SNS, no âmbito de acordos de última hora com a tutela.

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FOTO: JOSÉ COELHO/POOL/LUSA A ministra da Saúde, Marta Temido, esteve ontem na ARS Norte.

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