Sobre a fragilidade dos Estados: a dos outros e a nossa
Os ministros da UE para os Assuntos Europeus estiveram reunidos esta semana sob a coordenação de Josep Borrell para tomar decisões na área da ajuda ao desenvolvimento. A agenda focou-se em três temas considerados prioritários: a reconstrução da Ucrânia, incluindo o financiamento das reformas que o país deverá levar a cabo, para poder aderir, a seu tempo, à UE; o apoio humanitário ao povo e ao novo governo da Autoridade da Palestina, mas com a ressalva que a UE não reconhece o Estado palestiniano, o que considero um erro estratégico, condicionado pelos estados-membros que se opõem a esse reconhecimento; um erro que tem um impacto negativo na ambição geopolítica europeia; e, como terceiro grande assunto, discutiu-se qual deveria ser a nova orientação em matéria de assistência aos estados considerados frágeis, ou seja, em crise ou numa rota política e social de risco, donde poderá resultar uma convulsão interna muito grave.
Esta última questão, a da fragilidade política que prevalece em muitos países, é tão complexa como as duas outras. A prevenção de conflitos tem sido um dos assuntos mais debatidos, ao longo dos anos e em vários fóruns, mas sem grandes sucessos. Os governos não aceitam, regra geral, que se diga que o seu país está a caminhar para o caos. E os membros do Conselho de Segurança também não querem ouvir dizer que um país que faz parte da sua esfera de influência se encontra num processo político e social que, mais tarde ou mais cedo, conduzirá essa nação ao desastre, à fragmentação e mesmo à guerra civil.
Casos típicos houve em que tentei chamar a atenção do Conselho de Segurança para a falência acelerada das instituições de soberania de um determinado Estado, para, de seguida, receber uma série de recados de um ou de outro dos cinco membros permanentes do Conselho. A mensagem que me transmitiam não variava muito: você está a ver a situação com demasiado pessimismo e não deve partilhar essa visão com o Conselho de Segurança, nem nas reuniões formais ou nos contactos informais, nem de modo bilateral. E acrescentavam uma adenda à mensagem: se surgir alguma complicação nessa nação, que foi uma antiga colónia nossa, ou equivalente, e é agora um aliado na região, nós, com os nossos meios, estaremos prontos para evitar a catástrofe.
A República Centro-africana (RCA) pode ser mencionada como um exemplo concreto. Quando comecei a trabalhar com esse país, na segunda metade da década de oitenta, tornou-se rapidamente claro que a governação nacional ia no sentido do abismo. Estávamos, então, numa fase do processo em que ainda era possível corrigir o tiro e salvar boa parte da mobília. O antigo poder colonial não queria, no entanto, nem ouvir os argumentos em que se fundamentava a análise da representação da ONU no país nem ver a realidade. Com o passar dos anos e a contribuição adicional de fatores que não haviam entrado na nossa reflexão, mas que vieram acelerar as tensões existentes – o avanço da desertificação para sul e as consequentes migrações do Sahel para as regiões mais húmidas do centro de África – a crise anunciada estoirou. Temos agora uma situação catastrófica na RCA, de difícil resolução e com custos humanos e financeiros de grande monta.
Esta e outras experiências permitiram-me identificar uma bateria de indicadores que, se ocorrerem, devem ser antevistos como sinais de alerta. A má governação conduz à fragilidade nacional, ao retrocesso e à falência das funções do Estado.Verifica-se quando a classe política no poder não consegue assegurar o bom funcionamento de seis domínios fundamentais. Ou seja, quando: (1) a segurança interna é precária e a capacidade de defesa da soberania é notoriamente insuficiente; (2) a administração da justiça é lenta, desigual, ineficaz e não inspira confiança; (3) a coesão nacional, o equilíbrio entre as regiões e a proteção das minorias não funciona; (4) a gestão da economia é profundamente burocrática e aleatória; (5) os serviços sociais não respondem às necessidades básicas das populações; (6) a representação internacional do país é frouxa e insuficiente na defesa dos interesses nacionais.
Talvez pareça estranho uma crónica deste tipo. A verdade é que a fragilidade política interna existe na UE. Borrell e os ministros europeus podem discutir a fragilidade que encontramos por esse mundo fora. Creio, no entanto, que conviria começar a discussão aqui, na nossa casa, e agora, tendo presente os indicadores que a experiência me ensinou.