Diário de Notícias

Nuno Borges “Ser a despedida do João Sousa, e poder ser o último Estoril Open, é uma facada grande no ténis português”

- ENTREVISTA ISAURA ALMEIDA

Melhor português da atualidade critica o ATP por decisões que beneficiam maiores torneios e penalizam jogadores fora do top-20. Tenista da Maia confessa que por vezes é o seu pior inimigo e fala do lado negro da modalidade: o match fixing e as mensagens de ódio.

Profission­al desde 2019, Nuno Borges (nascido a 9 de fevereiro de 1997, na Maia) entrou em grande na época, chegando aos oitavos-de-final do Open da Austrália. Acabou de vencer o Torneio de Phoenix e quer chegar o mais longe possível no Estoril Open, que decorre até dia 7 no Clube de Ténis do Estoril.

Entrou no Challenger de Phoenix como Campeão e saiu como Bicampeão...

Eu adoro o sítio, criei as melhores memórias lá, mas passei por um misto de sensações. Todos me cumpriment­aram e fizeram-me sentir como, acredito, que um Djokovic se sinta ao entrar em Melbourne Park. Fiquei no mesmo hotel, acabei por ter uma rotina semelhante, o que foi muito bom para mostrar o meu melhor ténis. Mas meti muita pressão a mim próprio para revalidar o troféu e quando começo a comparar sensações muitas vezes não consigo jogar como quero e fico mais crítico. Dias antes do torneio estava um bocadinho perdido, mas assim que comecei a jogar mudei a forma de pensar e o melhor ténis saiu.

Quer dizer que pode ser o seu pior adversário...

Por vezes sim. O adversário conta e nem tudo estará perfeito do outro lado, por isso é preciso jogar com isso e não estar só a pensar em mim e enfiar-me num buraco sozinho. Isso também se treina? Tem ajuda profission­al?

Tenho uma equipa que vai da preparação técnica e física até à psicológic­a e nutriciona­l. A Federação tem uma equipa montada para um grupo de jogadores que ajuda muito, é uma máquina que já está bastante bem oleada e, para mim, é essencial neste momento, é o mínimo para poder fazer aquilo que quero da mede, lhor maneira. Claro que se pudesse ter tido estas condições mais cedo cedo, se calhar, podia ter sido ainda melhor mais cedo ou podia ter-me fartado. Quando comecei com 6 anos queria era brincar ao ténis. Nessa altura, o ténis dividia atenções com o futebol e acabou por levar a melhor...

No ténis fiquei um bocadinho intimidado e triste, porque não ganhei logo tudo à primeira. Eu adorava ganhar tudo e reagia muito mal quando perdia. Ficava horas fechado no quarto até alguém ir lá dizer ‘Nuno já chega, anda comer’. Mas algo me fez agarrar ao ténis, que o futebol não conseguiu. Tive um jogo, acho que foi um Ermesinde-Maia, terrível, perdemos 21-1. Era franzino e mal sabia chutar a bola e os outros eram uns matulões, davam-me um encontrão e eu ia logo ao chão. Como era defesa e estava farto de ver a bola passar e dar golo, não foi a melhor experiênci­a e deixei o futebol. Acabei por deixar todas as atividades para continuar a jogar ténis e lá para os 15 anos comecei a ter resultados... Competia imenso, ia para aos torneios sozinho, ficava nos hotéis mais baratos, Pousadas da Juventude, mas sentia-me um pouco culpado por gastar tanto dinheiro aos meus pais. A partir do primeiro torneio que ganhei comecei a conseguir poupar o suficiente. Acabava o verão e ainda conseguia ter algum para mim. Ir para os Estados Unidos com uma bolsa foi o ideal e comecei a ter saldo positivo para compensar todos os anos que investimos na carreira. Na Maia era só terra batida. Nos EUA evoluí muito, tornei-me bastante disciplina­do e desenvolvi o meu jogo no piso rápido.

Até chegar a N.º 47 do Mundo... Acabou por ser um percurso espetacula­r até ao top-50. Chegar onde estou hoje é um sonho tornado realidamui­to mais do que alguma vez imaginei e permite-me colocar novos objetivos a mim mesmo a cada torneio. Apesar das lesões, as coisas têm-me saído muito bem e olhando para trás... zero arrependim­entos.

Mas com muitas lesões...

Muitas mesmo. Já torci os pés três vezes, os joelhos já têm problemas há muito tempo – ultimament­e tem estado melhor e hoje em dia já não considero um grande problema –, dores nas costas é desde os 14 anos, tive algumas contratura­s e houve uma altura que até já mancava por causa das dores. Também tive problemas no ombro, nos pulsos...

Fez história ao chegar aos oitavos de um Grand Slam. Há um antes e um depois do Open da Austrália? Austrália foi... Tinha levado uma tareia em Auckland na semana antes e estava com a cabeça lixada e a duvidar do processo. E depois chego à Austrália e corre tudo bem. Não diria que há um antes e um depois, mas é o ponto alto da minha carreira, sem dúvida. Foi toda uma excitação e atenção mediática, consegui melhorar o meu nível ao ponto de ter hipótese de alguma coisa daquelas acontecer e de chegar tão longe. Venceu o Dimitrov entre outros... O nome do adversário importa?

Se meto a expectativ­a do outro lado vou criar uma barreira gigante e vou diminuir-me. É importante olhar para o outro e tentar ver os buracos onde se pode jogar. E é nesses momentos que eu consigo competir melhor. Ou jogas sabendo que está lá um jogador, mas sem ver que é um Dimitrov, um grande nome do ténis, mas com debilidade­s, afinal é humano. Ou passo-lhe o testemunho, do género: ‘Agora faz melhor.’ São poucos os momentos em que estou a gostar da maneira que estou a jogar, mas na Austrália houve vários momentos memoráveis.

Agora vem o Estoril Open...

É uma prioridade, para mim e para os outros portuguese­s, jogar ao melhor nível possível. Cada vez que participo no Estoril Open sinto-me mais bem preparado, mas não quer dizer que as coisas corram súper bem este ano. Se calhar o ranking condiz com essa sensação de me sentir bem, mas a expectativ­a continua a ser jogo a jogo. Gostava de fazer mais do que já fiz, chegar aos quartos e final, mas dependerá muito de quem estiver do outro lado da rede e da maneira como eu me conseguir adaptar à terra batida, depois de uma série de jogos em piso rápido.

Vai reeditar a dupla com o Francisco Cabral e jogar pares? Eu e o Francisco quase que fizemos um pacto de ‘OK, no Estoril temosde jogar juntos’, depois daquilo que aconteceu em 2022 [venceram]. Acho que não só nós, mas o público português merece, e o Presidente Marcelo exige [risos].

O Estoril Open está, para já, fora do calendário de 2025...

É importantí­ssimo manter o Estoril Open. Não consigo dizer de outra maneira. Ser o último torneio do

João Sousa e poder ser o último Estoril Open ao mesmo tempo, é uma facada grande no ténis português. É especialme­nte triste pela retirada do João. Sem o Estoril Open, os tenistas portuguese­s vão penar um bocadinho. Um torneio tão bem concebido, já com bastante história, desde os tempos em que era realizado no Jamor, não pode sair do quadro ATP. Agrada-lhe a ideia de se alongar os

Masters e aumentar os ATP500?

Para o torneio é ótimo, mas para os jogadores não acho que seja o ideal, porque um torneio de duas semanas implica que um jogador que perde na primeira ronda fica sem competir. Já não perde uma semana, perde duas no circuito principal. Precisamos de descanso, mas se formos a ver só o top beneficia disso, porque fora do top-20 não há um jogador que passe duas semanas sem perder. Para um jogador como eu, entre os 60/70 do ranking, poder ter outro torneio para competir era importante. Por isso diria que os jogadores não estão muito satisfeito­s com essa decisão e acabamos por perder o Estoril Open e outros ATP250. Nós só queremos jogar e ganhar, mas devíamos envolver-nos mais nesse tipo de decisões, porque sem jogadores não há ténis.

Nos grandes torneios há mais probabilid­ade de jogar com os melhores. No ATP500 de Barcelona do ano passado defrontou o Carlos Alcaraz e disse que se sentiu um pouco como um macaco no zoo pela atenção mediática. Porquê?

A atenção é boa e sentirmos apoio é muitas vezes o que nos move e motiva. E, de certa maneira, eu gostava de ter essa atenção, de alguém me ir ver a mim, mas ao mesmo tempo também gosto de poder ter o meu espaço e andar na rua tranquilo. Tenho a certeza de que o Alcaraz e o Djokovic não conseguem andar tranquilos na rua. Um dia, na Maia, fui jantar com amigos e assim que me sentei à mesa reparei que um casal e a filha ficaram a olhar para mim atentament­e. Eu fiquei sem saber o que fazer. É engraçado ter esse tipo de atenção e sentir reconhecim­ento. O carinho é fixe, mas há todo um outro nível de exposição má...

Como nas derrotas?

Eu não encaro as derrotas com leveza, mas tenho de relativiza­r quando as pessoas não ficam satisfeita­s. Às vezes estou a dar o meu melhor em condições difíceis, outras vezes o meu adversário é melhor do que eu. Alguém achar que se perde de propósito é surreal. Não acho que haja, pelo menos ao melhor nível, jogadores a vender resultados.

Esse lado, associado às apostas é o pior do ténis. Alguma vez foi abordado para perder um jogo? Lembro-me de ser aliciado, não pessoalmen­te, felizmente, porque seria intimidant­e e acho que ia fugir a sete pés, mas recebo mensagens constantem­ente através das redes sociais. Eu não consigo usar o Instagram ou o Facebook para comunicar. Até evito abrir as mensagens para me proteger desse tipo de insultos. Ninguém é impermeáve­l a isso, ninguém. Eu posso achar que estou no melhor momento de sempre, mas se quiser meter-me para baixo é só ir lá e ver as mil mensagens. Mesmo nas publicaçõe­s, as pessoas vão lá e comentam as minhas fotos, metememoji­s de cocós, lixo, a dizer que sou um palhaço... coisas mesmo muito sérias, que a minha família devia morrer toda, isto por causa de um jogo que eu perdi ou ganhei. É a realidade mais triste do ténis e é a parte mais difícil de gerir.

Vencer e ganhar dinheiro é a parte boa? Um top-100 vive bem do ténis?

A partir do top-200 dá para subsistir e quando se começam a jogar Grand Slams, habilitamo-nos a ganhar muito dinheiro. Dá sempre para investir em mais um treinador, um preparador físico, um fisioterap­euta.Viajar com mais de três pessoas é muito mais em hotéis e viagens. O dinheiro que se pode gastar no ténis é quase infinito, porque essas despesas são todas arrecadada­s pelo atleta e no final do ano são milhares e milhares de euros investidos.

E a nível pessoal, qual o luxo que se permite ter?

Sempre fui muito poupado. Talvez comprar legos de vez em quando... e os legos são caros. Ultimament­e não tenho como, nem onde montá-los. Quando estou em casa gosto de fazer bolos com a minha mãe. O descanso físico e mental é importante e essas são duas coisas que me distraem e que valorizo.

Se conseguiss­e construir o jogador perfeito, o que é que colocava de si e o que ia buscar a outros jogadores e a quem? Acho que tinha de ir buscar a minha energia, não acredito que seja o melhor do mundo em nada, mas a minha melhor maneira de competir é com a minha energia e, quando estou muito positivo, sou realmente a melhor versão de mim mesmo. E completava com a direita do Roger Federer, a esquerda do Novak Djokovic e a resposta dele também, o serviço do John Isner e o jogo na rede do Salisbury.

“Adorava ganhar tudo e reagia muito mal quando perdia. Ficava horas fechado no quarto até alguém ir lá dizer ‘Nuno já chega, anda comer.’ Mas algo me fez agarrar ao ténis, que o futebol não conseguiu.”

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