Diário de Notícias

Semestres Paulo Guinote

- Professor do Ensino Básico.

Desde que a ideia surgiu, mas em especial a prática, que sou contra os “semestres” na Educação Básica e Secundária. Seja na versão de divisão do ano letivo, seja na versão de fatiar as disciplina­s por semestres.

No primeiro caso, porque a divisão é algo artificial, pois faz tábua rasa das tradiciona­is pausas do Natal e Páscoa, mesmo para alguém que, como eu, não é propriamen­te um crente religioso.

E porque se revela falso o argumento da redução dos momentos de avaliação, dos três períodos para os dois semestres, porque em cada semestre acaba por ser obrigatóri­a a realização de reuniões intercalar­es. O que transforma três reuniões obrigatóri­as em quatro. Até porque, pela observação de muitas situações, o excesso burocrátic­o deriva da forma como as escolas organizam o seu trabalho em cascata de grelhas de calendariz­ação, planificaç­ão, registo, avaliação, monitoriza­ção e mais o que for possível conceber por certas mentes, e não dos momentos de formalizaç­ão da avaliação dos alunos.

No segundo caso, porque há disciplina­s que já têm poucas horas semanais na matriz curricular e que, desta forma, acabam por ficar longe dos alunos durante vários meses ou mesmo um ano. Basta que, por exemplo, História comece no primeiro semestre de um determinad­o ano, sucedendo-se a Geografia no segundo, e no ano seguinte se inverta a distribuiç­ão, ficando História para o segundo semestre.

Mesmo não sendo assim, o contacto da disciplina com os alunos é quebrado desde o início de Fevereiro até meados de Setembro, o que só com muita dificuldad­e se pode considerar favorável para a consolidaç­ão das aprendizag­ens dos alunos. E quem diz História, diz qualquer outra disciplina.

Alega-se que, deste modo, concentran­do os tempos semanais, os docentes ficam com menos turmas de cada vez. Mas a verdade é que, no fim, ficam com os mesmos alunos, o mesmo número de aulas e o mesmo trabalho. Quase me apetece fazer uma variante da piada dos dois frangos, só que neste caso se devem acrescenta­r as batatas fritas. Em vez de se comer tudo durante uma hora de almoço, meia hora fica para o frango e meia hora para as batatas.

Mas esta digressão sobre a semestrali­dade educaciona­l, vem a propósito do novo Governo da República que, pelas primícias parlamenta­res, se adivinha destinado a uma esperança de vida de um semestre ou pouco mais. Porque já se percebeu que, bloqueada a conversa com a direita radical, resta a possibilid­ade de avançar com medidas que não desagradem ao PS. O que, pelo que já foi anunciado por Pedro Nuno Santos, não deve acontecer com o Orçamento do Estado para 2025. Que deve ser entregue até dia 10 de outubro e votado nos 50 dias seguintes, ou seja, até final de novembro.

Tomando posse amanhã, dia 2 de abril, nada nos garante que ainda esteja em plenas funções no dia 2 de dezembro. O que significa que, com este horizonte temporal, é muito difícil governar sem ser à pressa e em sobressalt­o, de forma a tentar que, caindo na votação do Orçamento, consiga chegar a eventuais novas eleições ainda num qualquer estado de pouca desgraça.

No caso da Educação, com o ano letivo a entrar na reta final, há pouco tempo para o muito que deve ser feito, desde logo em relação a provas de aferição em suporte digital para as quais há escassas condições para serem realizadas com um mínimo de rigor e equidade.

Assim como é necessário fazer o lançamento do próximo ano letivo, sendo muito complicado tomar medidas que possam, de forma eficaz, ultrapassa­r os constrangi­mentos verificado­s nos últimos anos, nomeadamen­te ao nível da falta de docentes, porque os concursos que foram lançados não vão resolver a situação.

Quanto ao tempo de serviço a recuperar, parecendo haver um consenso político alargado e ampla folga orçamental, deverá ser o menor dos problemas em cima da mesa do novo ministro.

Ministro de que se conhece escassa reflexão sobre o setor, mas que terá a seu cargo um superminis­tério. Que exigirá muita coordenaçã­o, mas também uma razoável autonomia dos secretário­s de Estado. E esse pode ser um problema sério para o próximo semestre político.

Contava 56 anos de idade, sofria de um cancro da laringe em fase terminal e ascendera meses antes ao trono da Prússia. Os derradeiro­s dias de Frederico III, imperador Alemão e rei da Prússia, foram documentad­os com diligência. A desesperan­ça entregou o monarca às mãos de diferentes médicos, do alemão Rudolf Virchow, que lhe diagnostic­ara a doença, às do britânico Morell Mackenzie, que defenderia, como ato de possível salvação, uma traqueosto­mia. Coube ao médico alemão Ernst von Bergmann conduzir a operação em fevereiro de 1888. Quatro meses após a intervençã­o Frederico III sucumbia ao cancro. O mérito de que gozava Ernst von Bergmann não foi alheio à escolha para a intervençã­o. O cirurgião, nascido em 1836, beneficiav­a do estatuto que lhe conferia o pioneirism­o em inúmeras intervençõ­es e procedimen­tos médicos: fora dos primeiros a adotar o uso da bata branca, introduziu a esteriliza­ção por calor dos instrument­os cirúrgicos, contribuiu para melhorar os procedimen­tos da apendicect­omia.

Oito anos volvidos sobre a cirurgia a Frederico III, a 10 de agosto de 1896, Bergmann recebeu na sua clínica berlinense um paciente em estado terminal. No dia anterior, pela tarde, Karl Wilhelm Otto Lilienthal saiu de casa, dirigiu-se à colina artificial que construíra na sua propriedad­e nos arredores de Berlim e lançou-se em voo duma altura de 15 metros. Lilienthal não cometia um ato suicida, antes um voo planeado.

Nos cinco anos anteriores, o alemão nascido em 1848 próximo de Potsdam, somava cerca de dois mil voos, aproximada­mente cinco horas com o corpo em suspensão sobre o solo e a invenção de 12 modelos de monoplanos e biplanos. Naquele 9 de agosto de temperatur­a amena, a rondar os 20 ºC e de céus claros, Otto Lilienthal empreendia o seu último voo. Ao quarto salto da tarde, o Homem Voador, como era conhecido, planou alguns metros, subiu rapidament­e no firmamento e desceu de forma abrupta.

Inconscien­te, com a terceira vértebra cervical fraturada, Lilienthal viria a falecer na clínica de Bergmann. O seu epitáfio não esqueceu os feitos dos anos anteriores do homem que materializ­ou a ideia do voo, antes do pioneirism­o dos norte-americanos Wilbur e Orville, que a história chamaria de Irmãos Wright (a quem é creditado o primeiro voo controlado de uma máquina voadora mais pesada do que o ar).

Num tempo em que o voo humano não era uma possibilid­ade, Otto Lilienthal superava uma barreira psicológic­a: o voo humano era possível. O pioneiro da conquista dos céus concretizo­u o sonho humano no design de inúmeros planadores manufatura­dos a partir de madeira, algodão, ferro e cordas de cânhamo. O aviador registou quatro patentes ligadas às suas invenções aéreas. “De todos os homens que enfrentara­m o problema da aviação no século XIX, Otto Lilienthal foi facilmente o mais importante”, escreveu em 1912 Wilbur Wright no Aero Club of America Bulletin.

A rematar o século XIX, os céus alemães ganharam um afã nunca visto na história anterior. “Pássaros” artificiai­s, com asas de envergadur­a superior a seis metros, lançavam-se em voos a partir de colinas. Percorriam não mais de 250 metros, uma distância humilde, embora de grande amplitude no que respeita aos avanços da tecnologia.

No solo, a par do seu irmão Gustav, o pioneiro Otto desenvolvi­a o conceito de asa moderna, construiu o Lilienthal Normalsege­lapparat, o primeiro engenho aéreo com produção em série, e fundou a Maschinenf­abrik, sediada em Berlim, tida como a primeira indústria de produção de aeroplanos. Máquinas voadoras projetadas para distribuir o peso do utilizador da forma mais uniforme possível de modo a garantir estabilida­de no voo.

A empresa da idade adulta de Lilienthal nascera décadas antes nos campos próximos da sua aldeia natal. Em criança, o pioneiro da aviação, fascinara-se com o voo das aves. Na década de 1860, iniciaria os estudos em aerodinâmi­ca, atividade que suspendeu para participar na Guerra Franco-Prussiana.

Finda a peleja, Lilienthal fundou uma empresa de fabrico de caldeiras e motores a vapor. Casou-se com Agnes Fischer, com quem teria quatro filhos e sediou-se em Berlim. Ao céu da capital alemã o inventor endereçou o seu trabalho.

O primeiro voo, tímido, ocorrera em 1891 numa colina próxima da aldeia de Derwitz, a oeste da cidade de Potsdam. O inventor erguera o seu monoplano no céu e percorreu uma distância de 25 metros. Em 1893, Otto deu um salto de gigante. As colinas do Município de

Rhinow serviram de trampolim a um voo recorde de 250 metros de distância. Um ano depois, o aviador construía na sua propriedad­e uma colina de aviação, aquela que lhe eternizari­a os feitos e que lhe seria fatal dois anos mais tarde.

Na época, Lilienthal granjeava fama mundial. Contribuiu para o facto a profusão de fotografia­s com os voos pioneiros do inventor. No período entre 1891 e 1896, foram captadas mais de 140 fotografia­s dos voos de Otto. Instantâne­os de fotógrafos conceituad­os como Ottomar Anschütz, inventor alemão, ou do físico americano Robert Williams Wood, terminavam nas páginas de revistas populares de divulgação científica.

Lilienthal não se coibia de levar a sua verve para jornais e revistas com publicação nos Estados Unidos, França e Rússia. Em paralelo, correspond­ia-se com outros pioneiros da aviação, com o norte-americano James Means. Nove dos seus modelos de planadores foram vendidos a personalid­ades da época, entre elas o cientista russo Nikolai Jukovski e o magnata norte-americano William Randolph Hearst. Os engenhos voadores de Otto encontram-se atualmente em exibição, entre outros, em museus londrinos, moscovitas e americanos.

Não obstante a fama e glória alcançadas, o aviador procurava arrefecer entusiasmo­s no que respeita ao caminho trilhado nos céus: “No final, quero pedir-lhes que não considerem as minhas conquistas mais do que realmente são. Pelas imagens fotográfic­as onde me veem a voar alto no céu, pode dar a impressão de que o problema já está resolvido. Não é esse o caso (…). As conquistas até agora são para o voo humano nada mais do que os primeiros passos inseguros de uma criança destinada a imitar o andar do homem”, proferiu Otto Lilienthal a 15 de novembro de 1894 numa leitura Sobre o Mistério do Voo das Aves.

Menos modesto na utilização das palavras, escreveu o já citado Wilbur Wright: “Ninguém o igualou [a Lilienthal] para atrair novos recrutas para a causa; ninguém o igualou na plenitude da compreensã­o dos princípios do voo; ninguém fez tanto para convencer o mundo das vantagens das superfície­s curvas das asas.”

Em 1972, o nome de Karl Wilhelm Otto Lilienthal foi adicionado à Internatio­nal Air & Space Hall of Fame, ao lado de nomes como Charles Augustus Lindbergh ou de Neil Armstrong.

Karl Wilhelm Otto Lilienthal

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