Diário de Notícias

Diferenças entre Sines e Montalegre F.C.

- Daniel Deusdado Jornalista

Quem viu o patrocinad­or das camisolas do Montalegre F.C., no estádio do Dragão na sexta-feira passada percebe como o marketing compra as influência­s locais para anestesiar projetos verdadeira­mente predadores. O futebol é sempre a maneira mais fácil de calar os machos-alfa das comunidade­s e, portanto, cá está o adoçar das resistênci­as de uma terra que, surpreende­ntemente, não se tem querido dobrar ao imperativo do interesse nacional/imperativo europeu do lítio. Porque, qual é o preço a pagar por estes bónus? A destruição de uma paisagem candidata a Património Agrícola Mundial, além do consumo da reserva de água do Gerês (e Trás-os-Montes no caso de Boticas) impossível de quantifica­r em valor, num mundo a caminhar para a seca. Não há subida de divisão que se compare.

O data center de Sines tem problemas, mas não se aproxima do devorar da paisagem de Montalegre e Boticas para extrair lítio – e aproveitar apenas 10% de cada montanha de pedra extraída. Em Sines, está em causa cumprir a legislação numa zona profundame­nte delapidada, onde se constrói um barracão. No lítio, o problema é mais profundo, ou seja, mais um caso-tipo de concessão de zonas com minérios em áreas protegidas ou nas imediações, numa febre desenvolvi­mentista que só vê o curto prazo. Bastaria olhar-se para o desastre absoluto da herança salazarist­a na Serra da Arrábida para se compreende­r o que é destruir ecossistem­as e paisagem, com prejuízos económicos no usufruto e no turismo, por séculos.

É, por isso, demasiado básico – confranged­or até – ver as aldeias e pequenas localidade­s serem seduzidas por brindes e rebuçados quando as consequênc­ias ficam para sempre. Foi exatamente assim na Barragem do Sabor, em 2008 – quando se arrasou um vale natural inestimáve­l, mas igualmente turístico. A EDP ofereceu carrinhas para as paróquias e pagou a atuação do coro da terra na Casa da Música. Houve sempre dinheiro a rodos (tostões) para pequeninas coisas na região e autarcas galvanizad­os com o progresso. O desenvolvi­mento chegou depois com centenas de trabalhado­res que ocuparam pensões e restaurant­es na construção. Mas ,depois, a obra acabou e ficou aquilo. A natureza morta. Um rio que anda para trás e para a frente. Quantos rios há em Portugal sem uma grande barragem?

Desenvolvi­mento nacional? As seis barragens do Douro (Sabor, Tua e as já antes construída­s no século passado) foram vendidas pela maioritari­amente chinesa EDP por 2,2 mil milhões aos franceses da Engie, e o negócio conseguiu evitar um IMI substancia­l: 115 milhões para as autarquias de uma das zonas mais pobres do país. Neste caso, a EDP, como já era dinheiro a sério, não partilhou a receita, nem o Ministério das Finanças foi capaz de definir até hoje se o imposto era devido ou não – está a ver os prazos prescrever­em sem decidir...

Construir barragens, no século XXI, depois de tudo o que sabemos sobre a capacidade da energia solar e eólica, é um crime pesado. E sim, a eólica também muda a paisagem, é um problema para as aves, mas passível de ir sendo mitigado à medida que a tecnologia vai reduzindo os impactos. O mesmo em relação à solar: é verdade que estamos a estender tapetes fotovoltai­cos na paisagem. Mas daqui a umas décadas, eles saem facilmente dali, porque já haverá outras opções mais eficientes, e as terras recuperam, porque não foram devoradas, como na mineração.

Portugal tem Sol, tem vento, tem energia hídrica, não precisa também de ser arrasado pelo lítio. Já bastam os eucaliptos.

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