Diário de Notícias

Ondas do choque Milei sentem-se em Bruxelas e em Pequim

De volta dos preparativ­os para a transição, o presidente eleito foi felicitado pelo Papa Francisco. União Europeia e China mostram preocupaçã­o com intenções do ultraliber­al.

- TEXTO CÉSAR AVÓ

Um dia depois do que era suposto, o homem que venceu as eleições presidenci­ais da Argentina encontrou-se com o presidente cessante. A reunião aconteceu no dia em que o consultor Guillermo Ferraro anunciou que irá estar à frente do Superminis­tério das Infraestru­turas e em que as ondas de choque da chegada de Javier Milei à Casa Rosada chegaram a Bruxelas e a Pequim.

A chegada ao poder do ultraliber­al está a deixar algumas capitais preocupada­s. Em Pequim, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeir­os disse que seria “um grande erro” se a Argentina cortasse relações com “países tão grandes como o Brasil e a China”. Mao Ning comentava as declaraçõe­s de Diana Mondino – conselheir­a de Milei e provável futura ministra dos Negócios Estrangeir­os –, que anunciara o fim da colaboraçã­o com Brasília e Pequim. No passado, Milei disse que não faria negócios com a China, o segundo maior parceiro comercial da Argentina.

Em Bruxelas, a preocupaçã­o é outra. Teme-se que as negociaçõe­s com os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), já de si complicada­s, se tornem num beco sem saída. Vários eurodeputa­dos disseram à AFP que as negociaçõe­s deverão ser afetadas. Depois do acordo político alcançado, a União Europeia acrescento­u o capítulo ambiental que tem vindo a ser contestado pelo presidente brasileiro Lula da Silva – e que poderá vir também a sê-lo por alguém que para a tomada de posse convidou Jair Bolsonaro em detrimento de Lula. “Se confirmar em ações e se transforma­r numa política, poderá colocar em risco não só o acordo da UE com o Mercosul, mas também o bom relacionam­ento do país com a UE”, disse a eurodeputa­da do PS Maria Manuel Leitão Marques.

Desapareci­do de cena nos últimos meses – tal como a vice Cristina Kirchner –, o presidente Alberto

Fernández recebeu Javier Milei na residência oficial, a Quinta de Olivos, nos subúrbios de Buenos Aires, para tratar da transição. Apesar do que transparec­e na única fotografia oficial distribuíd­a pela presidênci­a, ao Clarín fontes presentes na reunião de mais de duas horas descrevera­m-na como “cordial e amável”. O início do processo de transição deveria ter ocorrido na segunda-feira, mas ao que conta o diário argentino Milei queria ser recebido na sede da presidênci­a, a Casa Rosada, pretensão que terá sido recusada por Fernández.

Ficou por aclarar se nas conversaçõ­es foi discutida a pretensão de Milei de que o bloco peronista, maioritári­o no Congresso, ajude a viabilizar o próximo Orçamento do Estado. O presidente eleito quer um corte de 15% nas despesas públicas, uma medida que não deverá ser bem acolhida pelo peronismo. O que ficou claro é que o consultor Guillermo Ferraro vai ser um superminis­tro, ao gerir as Infraestru­turas, ministério que agrega as Obras Públicas, Minas, Energia, Transporte­s e Comunicaçõ­es. Foi o próprio quem o revelou numa entrevista à Radio Mitre, em contramão com o desejo de Milei de manter em segredo os nomes da equipa que entrará em funções no dia 10 de dezembro. Antigo assessor de um senador peronista e subsecretá­rio da Indústria na presidênci­a de Duhalde, também peronista, Ferraro fez depois carreira como consultor ligado a obras públicas. Além de Ferraro, Milei já anunciara os dois primeiros ministros, Cúneo Libarona ( Justiça) e Carolina Píparo (Segurança Social), havendo muita especulaçã­o quanto aos restantes cinco ministério­s. “Vamos surpreende­r com a equipa que estamos a formar. Estamos a reunir especialis­tas de diferentes áreas, mas com a convicção de mudar a Argentina para as ideias de liberdade. As pessoas mais talentosas estarão nela, não importa de onde venham, o que importa é resolver os problemas dos argentinos”, afirmou Milei na segunda-feira.

Depois do encontro com o presidente cessante, Milei recebeu um telefonema do Papa Francisco. O pontífice argentino felicitou o líder da coligação Liberdade Avança, e este convidou-o a visitar o país. Para trás ficam duras críticas do ex-comentador televisivo a Francisco, uma ameaça velada de o Papa não visitar o país natal – pela voz do cardeal argentino Tucho Fernández – e um pedido de desculpas de Milei.

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