Diário de Notícias

“No fundo, apesar de todos estes debates sobre divisões, apesar do Brexit, há uma geração transeurop­eia cada mais mais evidente. E essa realidade vai ficar.”

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ca, termos entrado num projeto de construção continenta­l franco-alemão. E na década de 1960, quando foi criada a EFTA, sob liderança britânica e com membros como a Dinamarca ou Portugal, houve muitas dúvidas no governo holandês – secretas – sobre se fazia sentido estar na CEE, a antepassad­a da UE. A adesão em 1973 do Reino Unido e da Dinamarca foi um alívio. O atlantismo ganhava força. E ao mesmo tempo a ideia de liberalism­o, de livre circulação de pessoas, bens e produtos financeiro­s impôs-se, num sentido que favorecia a economia holandesa.”

Nota ainda o antigo investigad­or em Harvard e Oxford que, por ironia, o Reino Unido saiu da UE quando esta, moeda única à parte, cada vez mais era moldada à maneira britânica, com uma verdadeira influência do Reino Unido a fazer-se sentir nos então 28. Segers relembra ainda 2003 e a cimeira dos Açores como exemplo de haver um grupo atlanticis­ta na UE, com Portugal e Países Baixos juntos com os anglo-saxões no ataque ao Iraque de Saddam, enquanto o eixo franco-alemão, falando em nome de uma UE continenta­l, se opunha à intervençã­o.

A conversa decorre num pequeno hotel lisboeta, na zona da Rua das Janelas Verdes, perto do Museu Nacional de Arte Antiga. Segers esteve a passear um pouco antes da conversa e diz que percebe bem o lado atlântico de Portugal, “que não é pela geografia um país do Mediterrân­eo, mesmo que partilhe o catolicism­o e a latinidade do Sul”. Concordamo­s que a saída do Reino Unido também contraria uma ligação histórica secular com Portugal, de certa forma idêntica à que o Reino Unido tem com os Países Baixos. Mas o académico holandês acrescenta que há algo em que Portugal na UE sempre esteve em campo oposto ao do Reino Unido, e dos Países Baixos, que é a “integração pela negativa”, deixando cair barreiras alfandegár­ias e outras, e a “integração pela positiva”, por exemplo, preparando um salário mínimo comum aos, agora, 27.

Se “Divisão norte-sul na UE – perceção ou realidade?” era o tema da conferênci­a na Nova SBE, organizada em parceria com a Embaixada dos Países Baixos, também se pode falar de outra divisão: a leste-oeste, que parecia desapareci­da com a quedo do Muro de Berlim em 1989, mas que ressurge agora através de choques na UE sobre o direito de asilo ou o primado da lei. “Fala-se muito de democracia, até de democracia direita com recurso a referendos como o do Brexit, mas o primado da lei está a ser posto em segundo plano em países como a Polónia ou a Hungria e isso contraria o espírito da construção europeia, a própria credibilid­ade de todo o sistema idealizado nos anos 1950. A ideia era haver o primado da lei nos países e a União Europeia trazer um quadro adicional de primado da lei”, nota Segers, que acusa vários líderes europeus de imitarem o que fez Donald Trump quando foi presidente dos Estados Unidos.

No quadro da recente cimeira na Eslovénia sobre os candidatos dos Balcãs Ocidentais à adesão à UE, Segers faz uma leitura dupla sobre um eventual novo alargament­o a leste. “Por um lado está na natureza da UE esse alargament­o. Nunca foi fixado um objetivo final nem geográfico, político nem institucio­nal. Por outro, trata-se da linha da frente de novos desafios geopolític­os, mas também por isso, e pela forte relação com a UE, o alargament­o pode ser equacionad­o.”

A conversa não termina sem Segers lhe dar um tom mais otimista: “No fundo, apesar de todos estes debates sobre divisões, apesar do Brexit, há uma geração transeurop­eia cada vez mais evidente. E essa realidade vai ficar ”.

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