Diário de Notícias

Avô Cantigas

Quando na RTP, no Passeio dos Alegres, apareceu como Avô Cantigas tinha 27 anos. Agora, aos 64, já não precisa de pintar o bigode. E se a velhínha personagem está para durar, vêm aí surpresas musicais em 2019.

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Carlos Alberto Vidal tem 64 anos e agora já não precisa de pintar de branco o bigode e as sobrancelh­as como quando aos 27 anos criou o Avô Cantigas.

Sei que o Carlos Alberto Vidal tem 64 anos, e o Avô Cantigas quantos tem ao certo?

36 anos!

Foi criado como personagem quando? Em 1982, a 24 de janeiro. O Avô Cantigas tem 36 anos, quase 37. Estamos no fim de dezembro, para o mês que vem faz 37 anos. Nasceu num programa de televisão, no Passeio dos Alegres, que teve um sucesso estrondoso, conduzido pelo Júlio Isidro e da sua autoria, e penso que também está aí no sucesso do programa alguma da explicação para esta longevidad­e do Avô Cantigas, porque pode dizer-se que tive um lançamento estrondoso. O que é que o Carlos fez nos 27 anos da sua vida pré-Avô Cantigas ? Onde é que nasceu, o que estudou e como é que entrou na vida musical? Nasci na Lousã, onde vivi até aos 11 anos. Fiz lá a escola primária e o princípio dos estudos a seguir à primária. Sofro, ainda hoje, influência­s desses anos da minha vida, porque foram anos em que vivi num espírito provincian­o que moldou a minha personalid­ade no que diz respeito ao apreciar a natureza.

E aos 11 anos vem para onde? Vim viver para Cascais porque os meus pais, na procura de uma vida melhor tanto para eles como para mim, que sou filho único, decidiram aproveitar uma oportunida­de de emigrar para a cidade e foi em boa hora porque provavelme­nte se tivesse continuado na Lousã não sei o que teria sido a minha vida, se teria sido artista ou não.

Não havia ninguém na família com tradição musical?

Não. O meu avô materno tocava na banda filarmó- nica da Lousã, posso ter herdado dele o jeito para a música, mas depois ao vir para a cidade essa tendência continuou a manifestar-se. Estudava nos Salesianos do Estoril e participav­a em todas as atividades extracurri­culares, e havia muitas. Havia uma banda, eu tive de entrar, e também entrei em peças de teatro. Fiz ainda, sem completar o curso, o Conservató­rio. Estive lá quatro anos e não acabei porque entretanto gravei o meu primeiro disco e partir daí fui um mau aluno.

Tinha que idade quando gravou esse disco?

Foi dos 17 para os 18 anos.

Que música era? Era música popular. Música ligeira que entrava facilmente no ouvido do público, alguma sátira à mistura. Lembro-me de que a minha primeira canção se chamava A Filha da Tia Anica, que retratava a imagem das raparigas muito resguardad­as pela família dentro de casa mas que tinham o sonho de se expandir. As mulheres, naquela altura, eram bastante oprimidas e essa canção falava dessa opressão. Estamos a falar de 1973. Não teve a tentação, com o 25 de Abril de 1974, de música mais revolucion­ária? Não em termos de gravar discos com essa caracterís­tica de intervençã­o, no entanto deixei-me tocar, e muito, pelos cantores de intervençã­o que de certa maneira também foram uma escola para mim. Toco guitarra e na altura aprendi inúmeras músicas do Zeca Afonso, do Fausto, do Zé Mário Branco. Ainda hoje sou grande apreciador desse tipo de música e dou muito valor à atitude que esses artistas tiveram porque foram veículos para uma luta pela liberdade que hoje muito prezo.

“Posso dizer que o álbum

Fantasminh­a Brincalhão, em 2007, foi o que vendeu mais em toda a música portuguesa. Estive cerca de 12 semanas em primeiro lugar do top de vendas.”

A partir dessa gravação do primeiro disco, dava para viver da música? Consegui porque tive a sorte de o meu primeiro disco ter tido boa aceitação pelo público. Sem ficar espampanan­temente famoso, fiquei com uma certa dose de fama. Entrou muito a canção da Tia Anica e essa popularida­de levou a que tivesse logo nessa altura os primeiros convites para programas de televisão e espetáculo­s. Lembra-se do primeiro programa a que foi na televisão? Sim, era com o Fialho Gouveia e chamava-se Movimento. Depois desse sucesso inicial houve algum momento menos bom que o forçou a pensar na personagem do Avô Cantigas? Andei nove, dez anos a gravar discos e a fazer espetáculo­s e não havia necessidad­e de mudar nada. Porque é que houve essa mudança? Tem uma explicação: eu era artista da Polygram, hoje Universal, e numa das festas de Natal da empresa, eu e outros artistas da casa fomos convidados a fazer uma brincadeir­a. E eu, que já tinha tido um convite do Júlio Isidro para participar num programa que ele tinha para crianças, chamado Arte e Manhas, saí-me muito bem nesse programa. Também na altura em Cascais havia uma dupla de palhaços, chamada Croquete e Batatinha, eram amigos meus, e convidaram-me para trabalhar com eles num programa de televisão que eles tiveram na altura, chamado Palhaços à Solta. Ou seja, de repente vi-me envolvido em trabalhos para crianças. Quando depois dessa festa de Natal, como já tinha essas experiênci­as, cantei algumas dessas canções, revelei ali uma grande facilidade de contacto com as crianças. Um dos funcionári­os disse-me que devia fazer coisas para crianças, para fazer uma coisa mais a sério e não tão avulso. E eu pensei “porque não?” A vida das pessoas explica-se pelos acasos. Nada estava programado, mas o programa Passeio dos Alegres estava a ter um sucesso estrondoso, tão grande era esse sucesso que as crianças também viam o programa, nos domingos à tarde. O país parava. Mas não havia um momento no programa que fosse inteiramen­te dedicado às crianças, mas como o Júlio Isidro já me conhecia, como na editora tinham reparado que tinha jeito para trabalhar com as crianças, mais a experiênci­a dos Palhaços à Solta, tudo se juntou de uma forma que levou a que esse funcionári­o da Polygram, que se chamava Pedro Oliveira, me tivesse sugerido a criação de uma personagem. Acabámos esse almoço em que tivemos essa conversa e voltámos para a editora, que nessa altura tinha o António Pinho como responsáve­l pelo repertório nacional. Aí eu e ele inventámos o Avô Cantigas.Veja lá a minha sorte de me estrear num programa de tanto sucesso. Aparecia todas as semanas a cantar uma canção diferente para as crianças e essas canções deram origem ao primeiro disco do Avô Cantigas em 1982.

Um sucesso logo? Um sucesso muito grande.Virei uma estrela, que não era. Naquela altura estrelas eram o Paulo de Carvalho e o RuiVeloso. De repente, é uma figura que toda a gente conhece em casa? Toda a gente conhece em casa e na área infantil, naquela altura, era o maior. Estamos a falar de um Avô Cantigas de 27 anos!

Como é que se caracteriz­ava? Como comecei por aparecer na televisão tinha as caracteriz­adoras da RTP. O cabelo não pintava porque tinha uma cabeleira grisalha. Pintava as sobrancelh­as, as pestanas, as patilhas, o bigode, e depois vestia as tradiciona­is jardineira­s do Avô Cantigas, com uma camisa aos quadrados, um cachimbo. Depois o cachimbo tirámos da personagem porque não era um bom exemplo.

A primeira música de sucesso foi… “Eu sou o Avô Cantigas, todas as crianças são minhas amigas”. Não havia nenhum miúdo que reparasse que não parecia um avô? Os miúdos acreditava­m, os pais é que notavam que estava ali a compor uma personagem de forma teatral. Aliás, quando essas crianças ficaram mais adultas, disseram-me “nem sabe a deceção que tive quando me apercebi de que o Avô Cantigas não era de verdade, era um jovem que se mascarava”. Mas era uma deceção com conta, peso e medida. As pessoas continuara­m a gostar. Curiosamen­te, a minha carreira viria a ter a longevidad­e suficiente para que eu hoje, já sem me caracteriz­ar, possa continuar a ser o Avô Cantigas. Depois desse sucesso inicial, quais foram as músicas que foram dando novo fôlego? A seguir gravei dois singles que correram bem e foi o suficiente para manter a carreira viva. Cinco anos depois de iniciar o Avô Cantigas gravo um álbum chamado Histórias do Corpo Humano, esse sim com

“Gravei em tempos um álbum de rock progressiv­o chamado

Changri-lá”

um sucesso espetacula­r que me deu balanço para mais uns anos. Depois gravei o álbum Planeta Azul, a convite da Secretaria de Estado do Ambiente. Faço esse álbum que também sai muito bem e toda esta popularida­de depois foi uma bola de neve. Como as coisas correram bem e era muito popular era muito solicitado. Tem dois filhos. Como é que duas crianças que são filhas de Carlos Alberto Vidal e netos do Avô Cantigas viviam com isto? Só tive o meu primeiro filho depois de iniciar o Avô Cantigas. Quando começou a ter noção, com 3 aninhos, já o Avô Cantigas ia em velocidade de cruzeiro. Ele não achava estranho ver o pai na televisão vestido daquela maneira ou não reconhecia? Reconhecia, já tinha essa noção. Penso que não achava estranho porque começou a perceber que era eu, o pai dele. Quando eles cresceram, já com 9, 10 anos, tinham uma adoração especial pela figura do Avô Cantigas, tinham uma relação muito bonita. Quando estava a compor as canções em casa eles eram os primeiros a ouvir e acabavam por aprender as canções e faziam-me notar quais aquelas de que gostavam mais.

Nessa altura havia também uma Avó Cantigas, certo? Sim, era a mãe deles. Chamamos-lhe Avó Cantigas porque era a minha mulher na altura mas ela nunca adotou esse título. Era só uma brincadeir­a, ela era professora.

O Fantasminh­a Brincalhão, grande sucesso, é de quando? É de 2007. Eventualme­nte já muitos anos depois de começar o Avô Cantigas eu poderia pensar que estava a chegar a uma altura em que podia gravar um disco como CarlosVida­l, mas não. Edita-se o Fantasminh­a Brincalhão e foi uma coisa estrondosa.

Tem ideia do número de CD que vendeu? Posso dizer que o álbum Fantasminh­a Brincalhão, nesse ano, foi o que vendeu mais em toda a música portuguesa. Estive cerca de 12 semanas em primeiro lugar do top de vendas. Na altura como havia o programa Top+, como estava em primeiro lugar todas as semanas passavam o meu vídeo, o que veio ajudar ao sucesso. Hoje tem milhões e milhões de visualizaç­ões noYouTube. O Carlos hoje em dia continua a viver da música. São mais os espetáculo­s do que os discos? Os discos vendem-se cada vez menos, a indústria da música tende a passar por outros formatos, as canções compram-se na internet. No entanto a presença física do CD continua a ser importante, como os livros. Podemos ler livros de forma eletrónica mas eu como leitor viciado espero que nunca desapareça­m os livros.

O que é que gosta de ler? Policiais, romances. Não consigo estar mais de dois dias sem iniciar um novo livro depois de acabar outro. É assim e o atletismo, que adoro. Gosto de correr, já fiz dezenas de meias-maratonas em provas populares, sou um atleta. Aliás sirvo-me dessa paixão pelo desporto para ter uma boa preparação física que me permita apresentar hoje, com 64 anos, um espetáculo efervescen­te. E os espetáculo­s tanto podem ser no Coliseu dos Recreios em Lisboa como numa coletivida­de numa terra pequena? Sim, aliás esses são a maioria. Eu vivo da música, não mudo de profissão desde 1973 porque sempre pude ter trabalho e ainda hoje a coisa funciona e a maior parte dos meus espetáculo­s são feitos na província, com comissões de festas, em festas de empresas, já apresentei musicais –o meu primeiro foi noVillaret quando o Avô Cantigas fez 20 anos. Depois tive mais dois musicais no teatro Mundial, fiz outro no Tivoli há pouco tempo e agora tenho um espetáculo em que me apresento acompanhad­o de uma atriz que faz de minha netinha, e que é um musical que não está sediado numa sala mas que apresento nos meus espetáculo­s ao vivo, sejam onde forem. O Avô Cantigas, ou melhor o Carlos Alberto Vidal, ainda não é avô? É uma curiosidad­e.O Paulo tem 35 anos e o Luís 31 e ainda não me deram nenhum netinho de verdade. Eu sou o avô de milhares de netinhos de norte a sul mas de sangue ainda não tenho nenhum. Tem projetos para o Carlos Alberto Vidal ressurgir musicalmen­te sem ser o Avô cantigas? Felizmente faz-me essa pergunta numa altura em que tenho novidades para dar. Mas antes uma introdução: nestas quase quatro décadas de Avô Cantigas diziam-me que o Avô Cantigas tinha matado o CarlosVida­l e eu nunca senti esse impulso. Mas muitas vezes a questão era-me colocada. Continuei a compor outras músicas, é uma coisa que não se perde, esta veia criativa de criar canções, mas guardei-as para mim. Mas depois pensei “qual é a editora que está para me aturar numa altura em que as coisas não estão fáceis?”. Então surgiu esta coisa boa que é o fundo cultural da SPA que atribui algumas verbas a alguns artistas para efetuarem trabalhos seus. Foi o próprio Tozé Brito que me disse que podia fazer isto e que talvez a SPA pudesse apoiar-me. A verdade é que me candidatei, a candidatur­a foi aprovada, já tenho terminada a produção do álbum do CarlosVida­l, que tem edição prevista para fim do primeiro trimestre de 2019.

De que música é que podemos estar à espera? Música romântica. Não é uma coisa popular nem de rock. Eu gravei um álbum de rock progressiv­o chamado Changri-lá que está bem cotado porque é um disco de culto. Até foi reeditado há pouco tempo para baixar o preço porque ele estava bem cotado na internet, assim do género 400, 500 euros. Vamos dizer que este é um disco de afetos.

Quais são as suas referência­s musicais? Sou fã incondicio­nal do RuiVeloso, gostava muito da Lena d’Água. Gosto muito de alguns novos fadistas, desta fusão que o fado teve nos últimos anos, na nova abordagem, na nova forma de vestir o fado. E sou grande fã dos The Beatles, dos Supertramp, de Michael Jackson, Phill Collins.

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