Um dia com Sofia, a primeira cega a integrar um governo
A história de uma secretária de Estado que dá o exemplo e luta com a sua história de vida contra a indiferença e o preconceito.
Nos anos da troika, repetia-se muitas vezes, e ainda hoje se diz, que o governo de Passos e Portas, de que orgulhosamente fiz parte, retirou esperança às pessoas. Num tempo difícil, o discurso realista de Passos, dizia-se, era desesperançado, apostado, como se dali retirasse prazer, em repetir à exaustão as dificuldades que tínhamos pela frente. E a falta de esperança, também se foi dizendo, é uma antecâmara da descrença, do desespero, que atira as pessoas para as franjas onde medram o radicalismo e o populismo.
Não há dúvida de que foram anos de chumbo: um país confrontado com o abismo e nas mãos dos credores, a precisar de recuperar a credibilidade para poder voltar àquela segura e calma normalidade que permite, lá está, a esperança. Era possível ter dado mais esperança em anos tão duros? Talvez fosse. É sempre possível fazer melhor. Mas só quem está de fora, ou chega com o trabalhinho feito, pode dizer que era fácil oferecer um discurso só de esperança.
Mas convém esclarecer o que é isso de dar esperança, sobretudo como antídoto contra populismos. Uma coisa é não perder o foco, o ponto de chegada, e tê-lo claro na apresentação das políticas; é apresentar suplemento anímico de estímulo, de confiança, exibir a convicção de que vamos, sem deixar ninguém para trás, conseguir vencer. Outra coisa é não dar a cara pelas medidas duras, fingir que nem existem, dizer que não se está a cortar quando se está a cortar, deixar de investir jurando que estamos a investir, dizer que já passou o pior e que o pior só existiu porque alguém o desejou.
Uma coisa é dar esperança, outra coisa, muito diferente, é, a pretexto da esperança, iludir, mentir. Não confundamos a essencial esperança com a dispensável espertice, mesmo quando esta se mascara de habilidade. Em dicionário algum o verbete de esperança se confunde com o de pantomina.
Repetir à exaustão que o país está muito melhor, que a austeridade já passou, que não há cortes, que há investimento a rodos, que antes era o mal e agora é o bem, pode, por uns tempos, servir o propósito da esperança e da neutralização de protestos, mas tarde ou cedo gerará uma reação mais desesperada.
Não está em causa que não haja coisas que estejam melhores. Mal seria se, finda a intervenção externa, as coisas não melhorassem. O que está em causa é a falsa expectativa, a negação da austeridade, desde logo nos serviços públicos, é a desconformidade entre o que as pessoas ouvem do governo e aquilo que veem e sentem: as pessoas que diariamente se apercebem do que se passa nos hospitais vão pensar o quê, quando chegarem a casa e ouvirem jurar que não há cortes nem cativações e que, pelo contrário, está tudo melhor?
Essa estratégia pode circunstancialmente dar certo, mas não só dura pouco como intensifica o problema do populismo, abrindo-lhe espaço. É um caminho perigoso e que devia responsabilizar quem o anda a trilhar. As pessoas aceitam mal a desesperança, mas aceitam muito pior o engano, a mentira, a ilusão. E se a falta de esperança é a antecâmara da descrença, a mentira é a sua escancarada porta, um convite ao populismo e ao radicalismo, uma via verde para os messiânicos braços dos que, a pretexto do “eles são todos iguais”, vão semeando desconfiança na democracia.
Qualquer projeto de ambição, esperança, regenerador, que motive o enorme espaço da moderação, deve, assim, fundar-se num firme compromisso com o possível, com a realidade, com a verdade, com os factos. Convém, por isso, não cair no erro de achar que “pelo sonho é que vamos”, esquecendo que esse enorme espaço, que sempre ditou vitórias eleitorais, é bem mais prudente do que temerário.