Diário de Notícias

O Cabrinha não é vinho barato, beatas frescas e droga

O Casal Ventoso é agora Quinta do Cabrinha. Há quem recorde os tempos do velho bairro com saudade e algum desprezo para quem acha que sabe tudo sobre aquelas casas e quem lá mora.

- Catarina Reis

Lá estava ele, o senhor sem nome. Não deu espaço a grandes conversas. Recebeu-me com muros e logo apressou o passo. Fugindo de tudo o que não é silêncio. Subindo devagar, com o peso de tantos anos no corpo, aquelas escadas da Quinta do Cabrinha. Alcântara, onde renasceu o antigo Casal Ventoso. Sem nome, ainda teve tempo de me dizer, à moda da velha guarda, como tudo era tão melhor antes. Lá, de onde vem. Num Ventoso já longe da vista.

Um passo adentro é suficiente para nos tornarmos silêncio também. “Não vale a pena.” Falar para quê? Já sabemos tudo o que há para saber. Sabemos como ali nasceram aqueles, os tantos sem nome, como a vida deles lá foi desaguar. Que intempérie esta de viver naufragado num bairro que nunca escolhemos.

De tanto achar que sabemos, tão facilmente nos tornamos todos estrangeir­os, alheios ao que se passa, num bairro como o Cabrinha. Sabemos lá que casas sempre serão casas bonitas só por nunca se tornarem bonitas para nós. Somos todos senhores sem nome ou nomes nossos pelos quais ninguém se importa. Somos demasiado ali, onde ninguém nos necessita mais do que por passagem.

Quem lá passa não tem olhos que bastem para o mundo que cabe dentro daqueles muros. É impossível ver-se tanto empertigad­o num varandim tão pequeno. Vemos o que nos contam, estes contos e mitos, como a verdade absoluta que deu origem ao homem e ao universo nas suas mais imaculadas formas.

Quem lá passa não vê os avós, pais, filhos, netos e família de alguém. Não os olha. São eles cenários estranhos, numa ilha criada a rótulos antes de o ser sequer. Tudo o que o Cabrinha é foge-nos dos olhos. Sem querer. E por querer tanto também.

São os invisíveis, no meio das embalagens de vinho barato, das beatas frescas e da droga.

É como o Intendente, o Ventoso e tantos outros. Senhores sem nome, afinal. Vestidos a rigor para sempre serem muro para alguém. Tentando, devagarinh­o, subir uma qualquer escada, com o peso dos anos no corpo. São mudos para que nunca lhes saibamos o verdadeiro nome. Falar para quê? Já sabemos tudo.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal