Uma questão de tempo
Aatual solução governativa tem futuro, ou está a esgotar-se? Admitindo como muito provável que ultrapasse as dificuldades do próximo Orçamento, qual o preço político do consenso entre os partidos da geringonça para a sua aprovação? E como chegará o PSD até às próximas eleições: com Rui Rio, com o regresso da ala passista ou com uma terceira via? Santana Lopes avança para a criação de um novo partido? Será que existe por aí um Macron português? Como se vê, há matéria para os comentadores políticos exercitarem a sua atividade. Isto para além das inúmeras variáveis e incertezas que pairam na cena internacional, com um Trump a romper com toda as convicções que tínhamos por adquiridas, com a União Europeia sem liderança e muito pouca união, ou seja, um mundo a caminhar para a imprevisibilidade senão o caos.
Entre nós, depois de um período de descompressão seguida de euforia que nos ajudou a recuperar do tempo negro da austeridade imposta pelos credores, começam a surgir nuvens no horizonte. A economia mostra sinais de desaceleração, mas, em contraciclo, as corporações do Estado agitam-se em reivindicações e multiplicam-se as reclamações sobre insuficiências de investimento e dotação na saúde, na educação, na ciência, na cultura, na justiça, nas polícias, nas Forças Armadas.
Aos reivindicadores não ocorre um minuto de reflexão sobre a dimensão da nossa dívida pública e privada, nem o peso dos impostos que recaem sobre os que produzem, vendem e exportam para sustentar o Estado.
Para os partidos que à esquerda apoiam o governo não há limites para a despesa pública, nem para o défice a que nos vinculámos pela pertença ao euro. Há, reconheçamos, enorme mérito e talento de António Costa e de Mário Centeno ao conseguirem bons resultados, pressionados pelos seus parceiros internos num sentido e pelos parceiros externos em sentido oposto. Mas é uma situação necessariamente instável e não pode acabar bem.
Este governo foi possível por uma conjugação de interesses que não tem carácter estrutural nem permanente; não partilham uma história comum, têm visões antagónicas sobre o modelo de sociedade e as opções em política externa; o PS é um partido de poder, com uma prática de realismo, o PCP um partido fora do tempo, sem qualquer projeto de futuro, apoiado numa base sindical ela também fora da realidade. No BE, esgotadas as causas ditas fraturantes que se foram tornando partilhadas por largos setores da sociedade, sobrará um discurso de reivindicações mais ou menos utópicas. Estes partidos vivem num tempo que já não existe e num mundo que caminha indiferente ao que eles pensam e advogam.
Com esta solução não há futuro. Resta saber se há alternativas. Ficará para outro artigo.
Advogado