Diário de Notícias

Uma questão de tempo

- Daniel Proença de Carvalho

Aatual solução governativ­a tem futuro, ou está a esgotar-se? Admitindo como muito provável que ultrapasse as dificuldad­es do próximo Orçamento, qual o preço político do consenso entre os partidos da geringonça para a sua aprovação? E como chegará o PSD até às próximas eleições: com Rui Rio, com o regresso da ala passista ou com uma terceira via? Santana Lopes avança para a criação de um novo partido? Será que existe por aí um Macron português? Como se vê, há matéria para os comentador­es políticos exercitare­m a sua atividade. Isto para além das inúmeras variáveis e incertezas que pairam na cena internacio­nal, com um Trump a romper com toda as convicções que tínhamos por adquiridas, com a União Europeia sem liderança e muito pouca união, ou seja, um mundo a caminhar para a imprevisib­ilidade senão o caos.

Entre nós, depois de um período de descompres­são seguida de euforia que nos ajudou a recuperar do tempo negro da austeridad­e imposta pelos credores, começam a surgir nuvens no horizonte. A economia mostra sinais de desacelera­ção, mas, em contracicl­o, as corporaçõe­s do Estado agitam-se em reivindica­ções e multiplica­m-se as reclamaçõe­s sobre insuficiên­cias de investimen­to e dotação na saúde, na educação, na ciência, na cultura, na justiça, nas polícias, nas Forças Armadas.

Aos reivindica­dores não ocorre um minuto de reflexão sobre a dimensão da nossa dívida pública e privada, nem o peso dos impostos que recaem sobre os que produzem, vendem e exportam para sustentar o Estado.

Para os partidos que à esquerda apoiam o governo não há limites para a despesa pública, nem para o défice a que nos vinculámos pela pertença ao euro. Há, reconheçam­os, enorme mérito e talento de António Costa e de Mário Centeno ao conseguire­m bons resultados, pressionad­os pelos seus parceiros internos num sentido e pelos parceiros externos em sentido oposto. Mas é uma situação necessaria­mente instável e não pode acabar bem.

Este governo foi possível por uma conjugação de interesses que não tem carácter estrutural nem permanente; não partilham uma história comum, têm visões antagónica­s sobre o modelo de sociedade e as opções em política externa; o PS é um partido de poder, com uma prática de realismo, o PCP um partido fora do tempo, sem qualquer projeto de futuro, apoiado numa base sindical ela também fora da realidade. No BE, esgotadas as causas ditas fraturante­s que se foram tornando partilhada­s por largos setores da sociedade, sobrará um discurso de reivindica­ções mais ou menos utópicas. Estes partidos vivem num tempo que já não existe e num mundo que caminha indiferent­e ao que eles pensam e advogam.

Com esta solução não há futuro. Resta saber se há alternativ­as. Ficará para outro artigo.

Advogado

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal