Meia dúzia de exposições para ver em Madrid até acabar o verão
Hollywood e realeza, México em retratos, Senegal elegante. Quanto mundo cabe num festival de fotografia?
A geometria e a simetria das piscinas públicas da Eslováquia são o cenário em que trabalha a fotógrafa Maria Svarbova
Numa cena da série The Crown (Netflix), a rainha Mary, mãe de Isabel II, diz à filha mais nova, Margaret, falando de um conjunto de fotografias: “Vamos ver o trabalho magnífico do Cecil. Desta vez, ele realmente excedeu-se.” O diálogo pode ser ficção, mas a pessoa existiu. E é uma das exposições do programa da PhotoEspaña – Festival Internacional de Fotografia e Artes Visuais, para ver até setembro. 1. O que têm em comum Audrey Hepburn, Churchill e Isabel II? Cecil Beaton (1904-1980) foi o fotógrafo oficial da Casa Real britânica e autor destas fotografias da princesa, apenas uma parte do longo trabalho que desenvolveu entre as décadas de 20, em plenos Anos Loucos, e 70, entre músicos como Mick Jagger e modelos como Twiggy. “Soube adaptar-se”, nota Oliva Maria Rubio, curadora da exposição Ícones do Século XX, que se encontra na Fundación Canal até 19 de agosto. Passaram 50 anos desde a primeira retrospetiva do seu trabalho na National Portrait Gallery, em Londres.
Beaton passa por Hollywood nos anos 30, está na frente de batalha durante a II Guerra Mundial, enviado pelo Ministério de Informação britânico e na Swinging London dos anos 60. A exposição percorre os vários universos que tocou. A abrir, Hollywood e as suas estrelas, fotografadas em suites de hotel que ele mesmo decorava – Marilyn Monroe, Marlon Brando e as duas Hepburn. Audrey, grande amiga do fotógrafo, e Katherine, com quem as relações não foram boas, como escreveu num dos seis volumes de memórias. Neles relata também a paixão por Greta Garbo. Mantiveram uma relação intermitente entre 1946 e 47. Pediu a atriz em casamento. Ela recusou.
Entre os retratos de gente das artes e letras, o aristocrata Stephen Tennant merece destaque. Numa festa em sua casa, Cecil Beaton conheceu os Young Bright Things, um grupo de jovens intelectuais e boémios. “Foi o princípio de uma nova vida”, disse. Na sua casa, em Ashcombe, Inglaterra rural, passou a ser ele o anfitrião de festas onde as pessoas se disfarçavam, incluindo o próprio. A câmara fotográfica estava sempre com ele.
A seleção de fotos desta exposição pisca o olho ao país anfitrião. Há imagens de Pablo Picasso, Salvador Dalí e a mulher, Gala, de uma jovem Sofia de Espanha e do toureiro Dominguín. Foram escolhidas entre cem mil negativos e dez mil impressões vintage e 42 álbuns do próprio Cecil Beaton, adquiridos pela Sotheby’s em 1977 ao próprio fotógrafo. A leiloeira gere este fundo desde então. 2. Dentro da piscina, com Maria Svarbova “A arquitetura, as linhas puras, geometria e simetria inspiram as minha fotografias”, diz Maria Svarbova, autora da série Piscina, que pode ser vista na loja Delpozo, uma das sedes convidadas desta edição de PhotoEspaña (fica até 26 de agosto). Não é encontro acidental: Josep Font, diretor artístico da marca, socorreu-se das imagens da artista eslovaca para a sua mais recente coleção de roupa da marca.
Maria, 30 anos acabados de fazer, começou há quatro anos a fotografar piscinas dos anos do comunismo. Destacam-se pelas cores, uma mistura de tons pastel e outros mais vibrantes. Conta que atualmente os seus trabalhos envolvem cenógrafos, produtores de moda e modelos, e que se preocupa “muito” com o momento antes de carregar no botão. “Se calhar demora um mês a preparar e uma hora a tirar a fotografia.”
Uma das marcas do trabalho é a repetição, outra inspiração do bloco de leste. Começou com uma brincadeira com uma aplicação no telefone. “Repeti uma, achei interessante, recordou-me a Spartakiada [exibições de ginástica de massas] e usei esse esboço no telefone para o meu trabalho em Photoshop.” 3. O Senegal Elegante da primeira metade do século XX “Um homem encontrou um envelope com os negativos destas fotografias no momento em que desfazia a casa”, explica Fredérique Chapuis, comissária da exposição Senegal Elegante, que está no Círculo de Belas Artes, em Madrid, até 16 de setembro. “Não sabemos
quem é o autor, nem como ali foram parar, não sabemos se são os familiares de quem as tirou ou se é um fotógrafo profissional que ia à casa das pessoas”, completa. São 30, muitas de mulheres, “e levam-nos para as suas casas, para a sua intimidade”. A curadora chama a atenção, por exemplo, para uma delas, em que se vê uma mulher diante de um conjunto de fotografias. “Era uma tradição quando uma rapariga se casava, tirar estas fotografias que a família e vizinhos iam deixando e que se penduravam na parede.”
Esta é uma exposição a duas vozes: a do autor destas imagens capturadas na cosmopolita Saint-Louis da primeira metade do século XX e as de Mama Casset. “De um só temos os negativos, de outro, que conhecemos bem, só nos restam pequenas imagens”, diz o cocomissário Jean Loup Pivin.
Mama Casset, que desenvolve o seu trabalho em estúdio, perdeu tudo num incêndio em 1982. Ainda assim mantém-se como referência da fotografia senegalesa, referem os comissários sobre as imagens da coleção Revue Noire, uma revista fundada em 1991 para dar visibilidade à arte contemporânea africana. 4. O que conta a fotografia soviética Aleksander Rodchenko, Yevgeny Khaldei, Georgi Zelma, entre outros nomes importantes da fotografia russa do século XX, encontram-se no arquivo Lafuente e podem ser vistos na exposição que ocupa o primeiro andar do Círculo de Belas Artes, em Madrid, até 16 de setembro.
José María Lafuente, fundador e colecionador, estudava montagens de Rodchenko junto de um colecionador norte-americano, o primeiro a entrar na União Soviética e a conhecer os seus artistas. As primeiras imagens, de Moscovo, não impressionaram Lafuente, mas Georgi Zelma sim.
Acabaria por ficar com esta coleção e foi dela – cerca de 800 impressões – que escolheu as fotografias da exposição.
O que encontrou com o colecionador são primeiras impressões dos próprios fotógrafos ou realizadas por eles. “Tenho pena de que não possam ler as legendas atrás, com indicações dos próprios fotógrafos”, lamenta.
Destaca uma: Khalei fotografado no Julgamento de Nuremberga, que fotografou, com a máquina de Robert Capa na mão. “Acreditamos que a foto foi tirada pelo Robert Capa.” 5. Retratos do deserto mexicano Graciela Iturbide, nascida no México em 1942, recebeu este ano o prémio internacional de fotografia Alcobendas e é no centro cultural desta cidade-satélite de Madrid, até 25 de agosto, e também dentro da programação da PhotoEspaña, que se expõe uma retrospetiva do seu trabalho.
A fotógrafa mexicana começou a dedicar-se por inteiro à fotografia em 1974. Uma das suas imagens mais reconhecidas é a Nossa Senhora das Iguanas, tirada em Juchitán, em 1979. Faz parte de uma longa série em que a artista retratou mulheres desta região do México.
Outra série representada na retrospetiva é No Banho com Frida. Em 2006, mais de 50 anos volvidos sobre a morte de Frida Khlao, Graciela Iturbide foi uma das fotógrafas convidadas para registar aposentos muito íntimos da pintora mexicana. Selecionou alguns objetos pessoais, como os seus reconhecíveis coletes ou a bata que usava para pintar e fixou-os no seu quarto de banho. Algumas imagens desta série também estão no centro cultural.
E, ainda que o México seja o seu cenário de eleição – do deserto de Sonora a Oaxaca –, aqui também se encontram autorretratos e fotografias da sua passagem por Índia, Espanha, EUA, Itália ou Madagáscar. 6. A vertigem de Carmen Calvo No Museu Cerralbo, até 16 de setembro, a artista espanhola Carmen Calvo apresenta Inquietud y Vértigo, uma seleção das suas obras em que a fotografia é a base do trabalho.
Em dia de tomada de posse de novos ministros de Espanha, calhou partilhar o nome com a nova vice-presidente do governo. “Ela é que me imita a mim, porque eu nasci primeiro.”
A artista começou a trabalhar nos anos 1970, ainda em período franquista, mas foi só no final da década de 1990 que começou a resgatar de mercados de rua coleções de imagens, que depois manipula com cor e objetos à medida dos seus projetos. Esteve recentemente em Portugal para a ARCO Lisboa. “Em Portugal entendem muito bem o meu trabalho.”