Cerco saudita ao Qatar ameaça equilíbrios no Golfo
O impasse no conflito abriu uma oportunidade ao aumento da influência do Irão e da Turquia na área
CARLOS SANTOS PEREIRA A Arábia Saudita mostra-se decidida a prolongar indefinidamente o boicote, o Qatar resiste ao isolamento e recusa-se a ceder às condições impostas pelos seus vizinhos. O bloqueio imposto há um ano ao Qatar pelos seus vizinhos e parceiros do Golfo ameaça arrastar a região para uma crise sem solução à vista.
A situação arrasta-se desde o início de junho do ano passado quando a Arábia Saudita, seguida pelos Emirados Árabes Unidos, pelo Bahrein e pelo Egito, impôs um bloqueio terrestre, aéreo e marítimo total ao Qatar em punição pelo alegado apoio de Doha ao terrorismo. As fronteiras terrestres e marítimas com o Qatar foram encerradas, as ligações aéreas suspensas, os cidadãos qatari expulsos, os laços diplomáticos com Doha suspensos. Já o escritório do canal televisivo Al-Jazeera em Riade foi encerrado.
A Arábia Saudita aponta o dedo ao acolhimento prestado em Doha a figuras gradas do Hamas e dos Irmãos Muçulmanos, à presença de uma representação dos talibã na cidade e ao alegado apoio do Qatar a outras organizações terroristas.
O Qatar rejeitou repetidamente as acusações considerando-as “infundamentadas” e denunciou a campanha dos seus vizinhos como uma tentativa de violação da soberania qatari e de impor uma custódia sobre o país. Doha reconheceu o apoio a organizações como os Irmãos Muçulmanos e a grupos que combatem o regime de Bashar al-Assad na Síria (que contam também com o auxílio da Arábia Saudita), mas negou as ligações à Al-Qaeda ou ao autoproclamado Estado Islâmico.
A 22 de junho os quatro países deram dez dias ao Qatar para cumprir uma lista de 13 exigências, reduzidas depois a seis grandes princípios – entre elas encerrar a Al-Jazeera, fechar a base militar turca em Doha e cortar relações com o Irão. O Qatar rejeitou a lista considerando-a “irrealista” e “impraticável”.
OsesforçosdemediaçãodeOman e do Koweit, dois países que não aderiram ao boicote, não conseguiram quaisquer resultados. Os próprios apelos dos Estados Unidos a uma rápida solução da crise de nada serviram. O Qatar alberga a maior base militar americana no Médio Oriente, Al-Udeid, e o então secretário de Estado norte-americano Rex Tillerson fez ainda algumas tentativas de mediação. Os observadores sublinharam ao mesmo tempo o facto de o boicote ao Qatar ter sido lançado pouco depois da visita do presidente americano Donald Trump a Riade. Rivalidades regionais Os diferendos entre Riade e Doha têm razões fundas. A questão mais espinhosa é a das relações do Qatar com o Irão, o grande rival xiita da Arábia Saudita, com que partilha o maior campo de gás natural do mundo.
A Al-Jazeera é outro ponto de discórdia. Alguns peritos consideram Qatar, que vai organizar o Mundial de 2022 de futebol, é tido pela Arábia Saudita como ator emergente nas áreas da energia, das finanças e do investimento mesmo que, na sequência do abalo provocado pela Primavera Árabe de 2011, regimes como a Arábia Saudita ou dos Emirados viram na cadeia televisiva do Qatar uma ameaça.
Os países do Golfo liderados pela Arábia Saudita notaram ainda o apoio dado por Qatar ao antigo presidente egípcio Mohamed Morsi, ele próprio membro da Irmandade Muçulmana.
Em 2014 a Arábia Saudita e os EAU chegaram a retirar por um breve período os seus embaixadores de Doha num claro aviso ao vizinho “dissidente”. Desafio à posição saudita Os peritos apontam por outro lado o dedo à condição geopolítica do Qatar, que coloca o pequeno país do Golfo numa situação de elevada dependência, mas que lhe confere ao mesmo tempo alguma margem de manobra. Nesta perspetiva, a Arábia Saudita veria no Qatar um ator global emergente nas áreas da energia, finanças e investimento e um desafio potencial à posição da Arábia Saudita como elemento dominante na área. Alguns analistas tendem assim a ver no bloqueio imposto ao Qatar uma manobra de Riade para punir as “dissidências” de Doha.
Ao cabo de um ano de bloqueio pelos seus vizinhos, a economia do Qatar parece ter resistido sem sobressaltos de maior. O Qatar é o maior exportador mundial de LNG (gás natural liquefeito) e continua a aumentar a produção. A crise não