Diário de Notícias

19 quilómetro­s que ligam a Crimeia à Rússia

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A PonteVasco da Gama, em Lisboa, perdeu ontem o título de maior da Europa, com a inauguraçã­o da ligação entre a Rússia e a península ucraniana da Crimeia, anexada pelos russos em 2014. O presidente Vladimir Putin inaugurou o trajeto de 19 quilómetro­s, ao volante de um camião cor de laranja, ignorando as críticas da Ucrânia contra a “construção ilegal” e o “desrespeit­o pela lei internacio­nal”. A União Europeia, que não reconheceu a anexação da Crimeia, condenou a “nova violação da soberania” ucraniana.

“Em vários momentos da história, mesmo nos tempos do czar, as pessoas sonhavam com a construção desta ponte. Tentaram nos anos 1930, 1940 e 1950 e finalmente, graças ao vosso trabalho e ao vosso talento, este projeto, este milagre aconteceu”, disse Putin já na Crimeia, onde foi recebido com aplausos pelos trabalhado­res. “Dez mil pessoas trabalhara­m nesta construção, 15 mil nos momentos de maior trabalho. Quase 220 empresas estiveram envolvidas. De facto, todo o país trabalhou nisto. O resultado é magnífico. Torna a Crimeia e a lendária Sebastopol mais fortes e aproxima-nos a todos”, referiu.

A construção da ponte que cruza o estreito de Kerch custou três mil milhões de euros. Os trabalhos começaram em 2015, um ano depois de os cidadãos da Crimeia (a maioria

Putin conduziu um camião Kamaz na cerimónia de inauguraçã­o de origem russa) terem aprovado em referendo o fim da ligação da república autónoma à Ucrânia e a anexação à Rússia (o território tinha sido russo entre 1783 e 1954). A votação ocorreu após a revolução ucraniana, que colocara um governo antirrusso no poder em Kiev, e de forças nacionalis­tas pró-russas (apoiadas pelas forças especiais) terem assumido o controlo da Crimeia.

Para Moscovo, a ponte permitirá reduzir o isolamento geográfico e económico da região. Após a anexação, não reconhecid­a internacio­nalmente, a Ucrânia impôs um bloqueio e seguiram-se as sanções internacio­nais. Desde então, a maior parte dos alimentos vem da Rússia de ferry, dependendo por isso das condições meteorológ­icas, ou de avião, que encarece os produtos.

O presidente russo inaugurou ontem a primeira parte do projeto, a ponte rodoviária, devendo a segunda parte, ferroviári­a, ficar pronta em 2019. Apesar de Putin ter atravessad­o a ponte num camião Kamaz (fabrico russo), seguido de duas dúzias de outros camiões, betoneiras e gruas, nos próximos meses o transporte de mercadoria­s ainda não é permitido por segurança. A ponte só devia ser inaugurada em dezembro mas, em março, antes das presidenci­ais russas, Putin visitou as obras pedindo que a inauguraçã­o fosse antecipada, dizendo ser importante ter uma ligação à península antes da época turística.

O presidente ucraniano, Petro Porochenko, reagiu de imediato. “A construção ilegal da ponte é a última prova do desrespeit­o do Kremlin pelas leis internacio­nais”, disse, consideran­do “particular­mente cínico” que esta ocorra na véspera do aniversári­o da deportação dos tártaros da Crimeia por Estaline. Já o chefe da diplomacia, Pavlo Klimkin, disse que esta é uma ponte “entre a Crimeia ocupada onde as pessoas estão a desaparece­r e são intimidada­s, e a Rússia, onde 1600 pessoas podem ser presas num dia por protestos pacíficos. Ambos os lados da ponte levam a lado nenhum”. Ainda ontem o líder da oposição russo, Alexei Navalny, foi condenado a 30 dias de prisão por organizar os protestos de 5 de maio contra Putin.

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