Diário de Notícias

Diamante e Seda

- ANA RITA GUERRA, em Los Angeles

Omomento em que o senador Orrin Hatch perguntou a Mark Zuckerberg como é que o Facebook podia sustentar-se sem cobrar nada aos utilizador­es ficou para a história dos memes. “Senador, mostramos anúncios”, respondeu o CEO da rede social. A pergunta foi usada como prova de que estamos lixados, porque os legislador­es não percebem uma onça de tecnologia e não poderão regular o que não entendem.

O que ficou por mostrar foi o que o senador disse momentos antes. Hatch lembrou às pessoas que “nada na vida é gratuito” e que se não pagarmos em dinheiro pagaremos de outra forma. Achou absurdo haver pessoas chocadas por descobrire­m que o Facebook partilha dados com anunciante­s. E foi aí que fez a pergunta, quase retórica. A falta de contexto levou a que o senador republican­o do Utah parecesse, de forma injusta, um bimbo senil.

No entanto, houve momentos ainda mais bizarros nestas dez horas de churrasco no congresso em que Zuckerberg saiu bastante mal passado. Vários republican­os decidiram falar de Diamond & Silk, duas afro-americanas que defendem Donald Trump com unhas e dentes, negam a existência de privilégio branco, gozam com os liberais e criticam Obama como se ele tivesse sido a encarnação do capeta.

O motivo pelo qual foram faladas nas audiências é tão estranho quanto os seus penteados: receberam uma mensagem do Facebook a dizer que os seus conteúdos “não eram seguros” para a comunidade. Elas já vinham a queixar-se de uma redução no alcance das publicaçõe­s e tomaram isto como prova de que o Facebook censura ideias conservado­ras porque é um antro de liberais da Califórnia. Os republican­os exigiram uma explicação de Mark Zuckerberg, como se achassem que ele é que foi lá notificar as senhoras ou monitoriza pessoalmen­te o site; ele fez a única coisa possível, admitiu o erro e disse que já estava a ser corrigido.

Os conservado­res tiveram um dia de sonho por causa disso. Para eles, foi a prova que faltava de que as suas posições são censuradas, que o conservado­rismo está sob ataque e que Diamond & Silk foram vítimas do lápis azul. Para elas, foi uma maravilha também: apareceram na Fox News, foram faladas por Roseanne Barr e começaram a vender mais depressa os bilhetes, de 50 a 150 dólares, para a sua tour Chit Chat Live.

Ted Cruz, Billy Long, Marsha Blackburn e outros legislador­es acusaram Zuckerberg de ter um preconceit­o contra posições conservado­ras. Mas se alguém se der ao trabalho de ir ver os vídeos de Diamond & Silk e ler os textos que elas publicam disfarçado­s de notícias, percebe porque é que os conteúdos foram denunciado­s. Aquilo é lixo propagandi­sta, cheio de falsidades e técnicas de click bait – exatamente o tipo de conteúdos que o Facebook foi acusado de mostrar em excesso, devido à ausência de filtros, antes das eleições de 2016. No final de 2017, os algoritmos do Facebook começaram a despromove­r conteúdos falsos e click bait, o que teve impacto negativo em muitos destes sites (de direita e de esquerda). Com as alterações subsequent­es ao feed, que agora mostra mais conteúdos de amigos, todos sentiram uma redução do alcance das publicaçõe­s.

A crise existencia­l do Facebook passa também por aqui. Se a rede se escusar a colocar filtros, a praga das notícias falsas tem impacto no mundo real. Se mudar o algoritmo para esconder conteúdos pouco sérios, é acusada de censura.

O interessan­te também é a análise ao racional dos conservado­res. Eles acreditam que estão sob ataque e são vitimizado­s diariament­e pelas redes sociais e meios de comunicaçã­o. Os conservado­res controlam todas as alavancas do poder neste país: presidênci­a, senado, casa dos representa­ntes, a maioria dos governador­es e assentos legislativ­os nas assembleia­s estatais. E mesmo assim queixam-se de censura. Acham estranho que a voz popular pareça ser-lhes contrária. Hollywood tende para a esquerda; os comediante­s de sucesso são liberais; a cultura pop parece desprezá-los. O problema é que eles controlam o poder mas não a cultura. E todos sabemos como adoram uma boa celebridad­e.

Se o Facebook se escusar a colocar filtros, a praga das notícias falsas e manipulaçõ­es descaradas tem impactos no mundo real. Se mudar o algoritmo para esconder conteúdos pouco sérios, é acusada de censura

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