Diário de Notícias

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rível que estamos a transmitir aos nossos filhos. Os cristãos tomam os filhos como uma herança de Deus, está lá no salmo 126. A educação que lhes dá é semelhante à que recebeu? Claro. Coitados, nós somos muito pouco tecnológic­os. A televisão acende-se uma vez por semana, não têm telemóveis. A vida não é fácil para eles. Na vida prática o que significa para eles serem filhos do pastor? Para a Maria, que vai fazer 14 anos, já é constrange­dor, muitas vezes. O facto de haver mais pastores aqui democratiz­a um pouco. Elas estão na fase de chegada à adolescênc­ia. Eu sou chato, digo: “Se a adolescênc­ia é quereres conformar-te àquilo que os teus amigos dizem, não é uma grande liberdade o que estás a conquistar.” Eu não fui filho de pastor, sou neto de pastor. Acho que é difícil, mas as melhores coisas na vida são difíceis. Andam numa escola pública? Nós estamos a ficar cada vez mais a família do Ned Flanders [dos Simpsons]: eles estão em homeschool­ing [escola em casa]. E agora um disco de louvor. De onde vem? O ano passado foi um bocado fora de série, cristaliza­do na figura da crise de meia-idade. Quando estava a rever o texto, sai a canção que Pastor. Tiago Cavaco á porta da Igreja Baptista da Lapa, em Lisboa. A comunidade é agora de cerca de cem pessoas. Quando os sermões do livro foram pregados, eram 30 se chama Milagres no Coração, que era quase uma espécie de derramar do tema central do livro numa pequena canção. O meu caminho musical foi sempre um bocado pela defensiva: sou esquisito, não encaixo, ninguém me percebe. Portanto, a minha música sempre foi muito autoblinda­da. Mas apeteceu-me fazer uma coisa diferente, não me apetece proteger-me. Apetece-me ir direto ao assunto, dizer o que quero dizer. Como? Quis gravar um disco de música religiosa. Como se diz na gíria evangélica: de louvor. Num país como os Estados Unidos ou o Brasil aquilo tem um circuito imenso. Imagina uma música que é cantada em milhares de igrejas. E eu pensei: quero tentar fazer uma coisa parecida. Um delírio de grandeza um bocado estúpido... Pensei: vou fazer um disco religioso em que não tenho problemas em falar de Deus, não quero saber o que as pessoas acham. Tenho 40 anos, já não tenho idade para ter vergonha daquilo em que creio. Não vou mascarar isto com a cena do pastor do rock protestant­e, como me chamavam. Não quero saber de nada disso, vou falar do coração. E depois saiu aquilo, que é uma coisa um bocado estranha. E faz um disco a falar de coisas terrenas... Sim. Não consigo encaixar-me bem nos parâmetros da música religiosa feita nos Estados Unidos ou no Brasil : “Oh Deus, eu amo-te.” Não consigo louvar assim. Porque tem pouca vida? Por isso é que eu digo que o louvor para mim é uma luta. Na relação com Deus tens de combater, Deus não te dá logo a coisa. É difícil, tens de lutar, Deus parece dar uma cotovelada e tu insistes. Acho que esse tipo de insistênci­a é a maneira que eu tenho para louvar, por isso acabei por falar de filmes que tinha visto e que mexem comigo. Às vezes tens essa vantagem quando voltas a ver filmes com os teus filhos. Acho que o Karate Kid é um filme incrível. Fico sempre quase a chorar naquela última cena. Quando escreve um livro ou grava um disco está a representa­r também ali a sua comunidade? No mínimo, não queres envergonha­r as pessoas que representa­s. Houve uma altura em que eu quis deixar de usar o nome Guillul e acabar com a editora [Flor Caveira, onde apareceram Samuel Úria ou os Pontos Negros]. Por um lado tens de te assumir, mas aceito uma liberdade condiciona­l, porque acredito nela. Vivo melhor quando, ao fazer alguma coisa, tenho de pensar em muita gente.

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