Legionela nos hospitais é “banal”. É preciso fazer inspeção regular
Já foram contactadas 160 das 800 pessoas que estiveram internadas no Hospital CUF Descobertas. Só duas apresentavam sintomas
Portugal registou em 2017, 233 casos de infeção, sendo 174 casos isolados e 59 do surto do São Francisco Xavier
Hospital São Francisco Xavier, Hospital de Torres Vedras, CUF Descobertas. Em menos de três meses foram identificados três focos de contaminação por legionela em hospitais, o que, de acordo com os especialistas ouvidos pelo DN, é uma situação “banal”, mas que agora é mais “mediatizada”, existindo também mais meios para identificar a doença. No dia em que foram confirmados mais dois casos de doença dos legionários no hospital privado CUF, pedem a entrada em vigor de inspeções regulares para a deteção da bactéria. Ao DN, o Ministério do Ambiente diz que o governo se prepara para levar uma proposta nesse sentido à Assembleia da República.
O surto de legionela no hospital CUF Descobertas provocou até ao momento seis infetados, cinco mulheres e um homem, existindo fortes suspeitas de que os chuveiros tenham sido a fonte provável da transmissão. Sobre o facto de este ser o segundo surto de legionela conhecido em cerca de dois meses – em Torres Vedras não houve infetados –, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, lembrou ontem que atualmente há “maior capacidade de detetar” a doença, graças a um teste rápido à urina, fazendo parecer que há mais surtos.
A confirmar-se a origem do foco, o pneumologista Agostinho Marques diz que “é uma coisa banal, que se está a tornar reconhecida”. Segundo o diretor do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar de São João, “a grande maioria das pneumonias não é caracterizada”. É feito o diagnóstico e é tratada, mas não é identificado o agente da infeção. “Desde que há uma atenção maior à legionela, é natural que as situações banais sejam agrupadas. E é natural que surjam mais no futuro, porque há mais atenção e há um teste que permite identificá-la facilmente”, reforça o professor catedrático de Medicina.
Hotéis e hospitais são locais propícios para a propagação desta bactéria. “Porque há muitas pessoas a usar água da mesma rede. Pode apanhar-se uma pneumonia destas num chuveiro de uma casa, mas é um caso isolado.” Destacando que “vivemos no meio de bactérias”, o pneumologista considera que “deve haver um controlo mais regu- lar e apertado nos sítios públicos”. “Nos hospitais, o controlo da legionela tem de ser mais apertado. Há um aspeto psicológico importante: o hospital serve para curar, não para adoecer.”
Os equipamentos onde a bactéria se reproduz (como as torres de arrefecimento) existem em vários locais, mas nos hospitais existem pessoas mais vulneráveis, o que ajuda a explicar o número de casos. “Há um sistema europeu de vigilância onde são registados todos os casos. Ocasionalmente, há situações associadas a unidades hoteleiras, mas nos hospitais há pessoas mais vulneráveis e os casos são mais mediáticos”, indica Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública. O especialista reconhece, ainda, que “as pessoas estão alerta, pesquisam mais sobre pneumonias e identificam mais casos”.
Segundo os dados revelados ontem, Portugal registou no ano passado 233 casos de infeção por legionela, sendo 174 casos isolados e 59 do surto do Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, que resultou em cinco mortes.
Na sequência de mais seis casos de infeção num hospital, Tiago Rogado, vice-presidente da Associação Portuguesa de Engenharia do Ambiente, lembra que “os focos vão sempre existir”, mas é importante que exista legislação sobre “quem deve analisar, o quê e como”, para “evitar focos tão comuns”. Reconhecendo que agora “há mais mediatização destes casos, que de certeza vão sempre surgindo”, conside-
ra que deveriam existir “duas ou três auditorias por ano nos locais com maior risco”.
Desde 2013 que não há uma lei em Portugal que obrigue à fiscalização da legionela. Ao DN, o gabinete do ministro do Ambiente adiantou que “o governo está a ultimar uma proposta de lei específica para a prevenção e controlo de risco da Doença dos legionários, que submeterá à Assembleia de República”. Esse diploma “prevê a realização de auditorias quando estejam em causa determinados equipamentos, sistemas e redes onde existe maior perigo de a legionela surgir e proliferar”.
Ontem, o diretor clínico adjunto do Hospital CUF Descobertas, Paulo Gomes, admitiu que possam vir a surgir mais casos, mas garantiu que o hospital é um local seguro. Foram contactadas 160 das 800 pessoas que estiveram no internamento entre os dias 6 e 26 e apenas duas tinham algum sintoma da doença dos legionários. Os seis doentes estão a evoluir bem.