Diário de Notícias

Angela Rio e Rui Merkel

- MIGUEL SZYMANSKI CORRESPOND­ENTE DE DER FREITAG E EN-24

Oque têm em comum Rui Rio e Angela Merkel? Não será o entusiasmo da chanceler alemã pelas óperas de Wagner. Provavelme­nte também não o interesse de Rui Rio pela tese de doutoramen­to de Merkel sobre “O mecanismo das reações de decomposiç­ão e o cálculo das constantes de velocidade baseado em métodos quântico-químicos”. Dizer que Riu e Merkel começaram as suas carreiras políticas na periferia dos centros de poder dos respetivos países (Rio no Porto, Merkel na ex-RDA) seria simplifica­r as coisas. E o facto de ambos terem frequentad­o escolas alemãs (Rio em regime de colégio privado no Porto, Merkel numa escola pública socialista numa cidade de província) também não acrescenta grande coisa.

O que os une, enquanto líderes de grandes partidos do centro-direita (o PSD foi durante muitos anos financiado por fundações ligadas ao partido de Merkel), é o projeto de longo prazo para reduzir à insignific­ância o seu concorrent­e direto: o PS no caso de Rui Rio, o SPD no caso de Merkel. Só que Merkel leva quase década e meia de avanço. A estratégia para destruir o adversário é formar com ele uma grande coligação.

Merkel formou o seu primeiro governo, já lá vão 13 anos ininterrup­tos como chanceler, depois de vencer o SPD nas eleições de 2005 por um ponto percentual. Essa margem ínfima bastou para fazer cair o seu antecessor. Nesse ano, Merkel formou a sua primeira grande coliga- ção com o SPD. Nas eleições seguintes, em 2009, o desgaste do SPD fez aumentar a vantagem da CDU para dez pontos percentuai­s. Em 2013 a vantagem da CDU de Merkel sobre o SPD já ia em 16 pontos percentuai­s. E, nas últimas eleições, no final do ano passado, o resultado nacional do SPD voltou a cair cinco pontos.

Como principais razões para esse desgaste do SPD, partido irmão do PS português (foi o SPD que patrocinou a fundação do PS em 1973, na Alemanha), são apontadas a perda de sentido de identidade dos trabalhado­res alemães com o fim das indústrias pesadas, a colagem do centro-esquerda à agenda neoliberal e, sobretudo, a participaç­ão do SPD em duas grandes coligações com o partido liderado por Angela Merkel, caminhando neste momento a passos largos para a terceira GroKo (acrónimo de Große Koalition, em português Grande Coligação) como parceiro júnior da chanceler.

Em 20 anos, o SPD alemão conseguiu reduzir a sua votação de quase 40% dos votos para menos de 20% nas últimas sondagens. Em Portugal, o PS caiu de 45% dos votos para 32%, em menos de dez anos. Mas, mesmo assim, António Costa conseguiu formar governo e fugir a um bloco central com o PSD. A decisão foi arrojada e trouxe resultados: as sondagens dão atualmente uma enorme vantagem ao PS. Mas até às próximas eleições, dentro de um ano e meio, muita, muita água correrá. Rio conta com isso.

Por isso, Rui Rio foi estratega e merkeliano ao admitir uma grande coligação com o PS, um bloco central, como se diz em português. Até lá, pode ser que se adote a expressão alemã. O dia chegará em que Rio dirá a Costa o que Merkel disse a Schulz.

“Ó António, porque é que não fazemos uma GraCo os dois?” “Uma GraCo?” “Sim uma GraCo, uma grande coligação como a Merkel e o Schulz.” GraCo soa melhor do que bloco central. Bloco central lembra doentes terminais. Tipo: o PSD e PS estão muito mal. Têm de ir de urgência ao bloco central.

Conhecendo as manhas de António Costa, será perfeitame­nte capaz de aceitar a GraCo, mas de convencer Rui Rio a ser o parceiro júnior. Mais vale meia dúzia de ministério­s do que mais quatro anos de oposição.

Independen­temente de saber se é o PS ou o PSD que fica à tona da água na chefia do governo daqui a um ano e meio, as consequênc­ias das grandes coligações são nefastas ao centro. A mensagem para os eleitores é “são todos iguais”. É isso que tem estado a acontecer na Alemanha. Anos a fio de Grandes Coligações e cada vez mais gente se cansa do centro. Também por isso, o Afd, o partido da extrema-direita na Alemanha, racista e xenófobo, será o maior partido da oposição, quando a CDU e o SPD voltarem a coligar-se dentro de semanas ou meses, se tudo correr bem. Ou mal, conforme a perspetiva.

O que os une, enquanto líderes de grandes partidos do centro-direita (o PSD foi durante muitos anos financiado por fundações ligadas ao partido de Merkel), é o projeto de longo prazo para reduzir à insignific­ância o seu concorrent­e direto

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal